quinta-feira, 15 de maio de 2014

Crônicas Esparsas - por Túlio Lapagesse De Pinho

CRÔNICAS ESPARSAS.  
por Túlio Lapagesse De Pinho.
Túlio Lapagesse De Pinho

Túlio Lapagesse De Pinho 
com a sua amada
esposa Edite Amatuzzi De Pinho.
Túlio com a sua amada filha 
Maria do Rossio.
Túlio com seu amado filho 
Luís Antônio.

Crônicas Esparsas, 
por Túlio Lapagesse De Pinho 

Trata-se de uma coletânea de textos curtos, interessantes, curiosos, prazerosos e bem-humorados, trazendo o colorido primaveril das crônicas sobre os mais variados assuntos, marcados no dia-a-dia, no "bric-a-brac" da hilaridade e da seriedade humana.
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CALIDOSCÓPIO - 1975 

Parte 01/04
Publicação patrocinada pelo Conselho Municipal de Cultura de Paranaguá.

Agradecimento do administrador do Blog:
Ao IHGP - Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, venho, em nome da professora Maria do Rossio e sua família, com muita honra, agradecer aos colaboradores do Instituto, em especial, aos senhores, José Maria De Freitas e Ivan Lapolli Filho, responsáveis pela digitalização (202 páginas) do conteúdo da obra do saudoso autor Túlio Lapagesse De Pinho, pois, tiveram eles,  a plausível paciência e dedicação, sem medir esforços e, considerando que fizeram um belo trabalho em prol da nossa cultura, nos presenteando com essa importante oportunidade de divulgar as belas crônicas escritas por esse magnífico autor.
Muito obrigado!
Marcos Pereira - Maria do Rossio
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Outras obras do autor:
- "Crônicas do Cotidiano" - 1970 
- "Histórias & Estórias" - 1971 


Dedicatória do autor:
À Edite, minha esposa.
A Luís Antônio e Maria do Rossio, meus filhos.
Aos meus netos, Fabiane do Rocio, Maria Virgínia, Júnior, Fábio, Márcia e Luís Gustavo.
E outros que vierem...
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P R E F A C I A N D O ...

Está aqui mais uma produção do carioca-parnanguara, Túlio Lapagesse de Pinho. 
Vem, agora, brindar o mundo das letras com o seu "CALIDOSCÓPIO". Se não têm o colorido hialino do calidoscópio, tem o colorido primaveril das crônicas sobre os mais variados e interessantes assuntos, marcados no dia-a-dia, no "bric-a-brac" da hilaridade e da seriedade humana. Túlio Lapagesse de Pinho se ressente quando o chamam de escritor, jornalista, mas os que vivem na sua intimidade sabem que ele é, de fato, tudo isso, além de ser um cidadão inteligente, de raciocínio rápido,
de reflexos automáticos, cuja memória fotográfica o fazem narrar fatos com a precisão de uma "Rólley-Flex". "Calidoscópio" é isso: uma fragmentação multicolor da alma e dos sentimentos de Túlio Pinho, esse entusiasta admirador das paisagens, esse perseverante observador da vida. esse cavaleiro andante do mundo das letras, esse cidadão que ama a terra e a humanidade, e que chora e ri diante das tristezas e das efémeras alegrias das criaturas.
Vivido, experimentado, conhecendo bem o íntimo dos que o cercam, Túlio sabe onde pisa, mede o que fala e até se encolhe dentro da couraça de sua auto-defesa para não parecer bom demais e nem pretensioso, nem afoito e nem medroso, e até se nos parece inibido quando o elogiam ou o titulam de algo que ele pensa que não é: — escritor, cronista, jornalista.
Seu amor a Paranaguá, seu apego, seu carinho e seu zelo por nossa cidade merecem admiração. Da forma que ele defende um concidadão, defende o Rio Itiberê, o Meneado Municipal, a Ilha da Cotinga, assumindo características de Mosqueteiro do Rei ou de Cavaleiro da Távola Redonda, através da palavra, escrevendo-a ou falando. Assim, Paranaguá ganhou mais um bom filho, um filho inteligente, um defensor com audácias condoreiras. Túlio, que o digam os leitores, é o gênio borbulhando, é o gênio tomando formas c as formas concretizando-se na arte literária.
Agora, recentemente, escreveu sobre a morte de festejada atriz. Explodiu em verdades difíceis de serem aceitas pela contemporaneidade social, acostumada aos melosos elogios "post-mortem" e aos endeusamentos a defuntos, que em vida foram até sacrificados, condenados, desprezados e acerbamente criticados por essa mesma contemporaneidade social. "A mão que afaga é a mesma que apedreja e vice-versa".
É assim, Túlio Lapagesse de Pinho. Às vezes dá um polimento na verdade mas não deixa de dize-la, muito embora os "bacharéis" do disfarce ou do agrado defendam o amaciamento das meias-verdades ou das hipocrisias fofas para a feliz convivência com Deus e o diabo. Mas Túlio Pinho já não tem tempo para admitir essas quinquilharias, e vai por aí à fora, rasgando a terra árida das letras com o ariete de sua capacidade, de sua inteligência, de sua imaginação, de sua mente, deixando por onde passa pedaços de seu corpo, de sua alma. "CALIDOSCÓPIO" é mais um livro a figurar nas estantes de boas bibliotecas, pois merece um lugar de destaque.

Paranaguá, em 26 de março de 1975.
SWAMI VIVEKANANDA
(poeta e jornalista)
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ESCLARECIMENTO — AGRADECIMENTO

A introdução de um livro jamais deverá ser feita pelo próprio autor, que se sentirá, certamente, inibido de dizer coisas agradáveis a seu próprio respeito. Em outros dois trabalhos meus cometi esse grave erro e o resultado é que a prefação não saiu como realmente desejaria. Constrangimentos...
Por isso, procurei o poeta e jornalista Swami Vivekananda para dizer algo à respeito deste livrinho, à guiza de prefácio Esqueci, porém, que muito acima de seu conhecido e reconhecido pendor literário, Swami coloca em seus menores atos um amor que não é facilmente encontrado em outro ser humano, razão, naturalmente, da avalanche de admiradores que possui.
E o resultado é que o Amigo, explodindo em sentimentos, excedeu-se em seu panegírico, tratando-me com excessos de qualificativos que não representam a realidade; que não retratam com fidelidade, precisão e justiça, o perfil do Autor.
Peço aos leitores que não acreditem muito no que disse o Magnífico Poeta. Acreditem, isto sim, na honestidade de propósitos de que sou impregnado, ou seja, na intenção de propagar, divulgar Paranaguá através de uma obra simples e objetiva e em linguagem de comunicação, que está muito longe, porém, de representar os grandes vultos intelectuais de Paranaguá de todos os tempos. Um trabalho modesto, no qual o Autor, qual desajeitado e incipiente pintor procura, com nuanças alegres, reunir o pitoresco ao picaresco, sanando a falha técnica e tornando, assim, o trabalho menos sensaboroso.
Finalmente, um agradecimento do fundo do coração ao Conselho Municipal de Cultura de Paranaguá, na pessoa de seu integérrimo Presidente Dr. José de Mello, pelo apoio recebido e, igualmente, ao Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Paranaguá professor Nelson de Freitas Barbosa pelo beneplácito que tornou possível a publicação deste livro.
E divirtam-se com este calidoscópio, dentro do qual introduzi minúsculos fragmentos do que tenho escrito na imprensa sob o pseudônimo de "Zé do Itiberê".
Paranaguá, maio de 1975.
O Autor
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"UM URUBU POUSOU NA MINHA SORTE !"

Seis da tarde. Ou dezoito horas, como dizem alguns com ares de sabichão. Bêbados juntam-se na velha ladeira do Mercado de Verduras que, talvez ha mais de cem anos, fita e fiscaliza, diariamente, o "Colégio dos Jesuítas", hoje transformado em museu. Zeca, Pé-de-Bicho, Ferrolho, Zãozão e outros ébrios contumazes bicam, na mesma garrafa, tragos e mais tragos da "Tatuzinho" — a apreciada "água que passarinho não bebe"— que, estranhamente, dá força e vigor passageiros àquela gente miserável, marginalizada, dominada completamente pelo maldito vício. Eram seis. E a conversação era variada, entremeada com ditos, palavrões e gestos os mais obscenos. Mas o assunto, mesmo, que imperava, era o "mardito" aterro do rio Itiberê que Zeca, o mais esclarecido, ou melhor, o mais lúcido, defendia porque aquelas areias brancas lhe serviram, muitas vezes, de cama nestes dias de calor insuportável. No que era aplaudido pelo Zãozão que gabava haver ali, naquelas margens claras, derrubado muita nega para o assalto sexual antes proibido e hoje tão difundido entre muita menininha de família.
A intervalos quase regulares, todos eles — os pinguços citados — afastavam-se um pouco do grupo para esvaziar a bexiga irritada pelo excesso da caninha "Tatuzinho", deixando, na parede da casa na qual se encostavam para esse ato, efêmeras pinturas murais. Os excessos escorriam, ladeira abaixo, diminuindo, cada vez mais e adiante, a força líquida dessa estranha Sete-Quedas. Pé-de-Bicho não falava. Resmungava, apenas, palavras ininteligíveis. Os outros, cujos nomes não consegui anotar, acompanham Pé-de-Bicho nas suas clássicas manifestações alcoólicas. Na outra margem da rua, sentado comodamente em meu "Fuquinho", continuo a ouvir a conversação dos ébrios. Um deles, vez ou outra se refere às "garças pretas" que invadem, agora, o aterro situado bem defronte ao Mercado do Peixe, pois a podridão e a fedentina estão, ali, sempre presentes em maré baixa. — "Tem mais de mir!" — diz o pinguçu. — "Quarqué dia os urubu vão acaba com os peixes das bancas. Os bichos também têm fome e não são como nós que "matemo" a fome com cachaça!"
Vem chegando Maria Berruga, "habitue" do local que quer entrar no importante simpósio com a única finalidade de sorver uns traguinhos da "água que passarinho não bebe", mas é logo escorraçada com empurrões e palavrões os mais impublicáveis, mas que são ditos, hoje em dia, nas casas de família que estão por dentro do moderninho. Pouco depois a importante reunião é encerrada, pois a garrafa do "Tatuzinho" já estava completamente vazia. Cada um segue o seu triste destino. A maioria dirige-se ao "mardito" aterro, de onde sairão, certamente; somente no dia seguinte ao raiar da aurora. Ou, quem sabe, corridos por maré-de-lua. Dia seguinte, nove da matina. Vou ao Mercado em busca de algo que venha melhorar minha marmita. Lá, bato um papo com velhos amigos. Discorremos sobre o "mardito" aterro. Vejo confirmados os protestos dos "pinguçus" inicialmente falados. Agora feitos por gente esclarecida e que ama esta terra. Urubus em acirradas disputas por pedaços de tripas e detritos que são arremessados bem defronte ao Mercado do Peixe. Esgotos improvisados para corrigir os erros do injustificável aterro, feito também improvisadamente. Podridão. Mau cheiro. Mal-estar.
Turistas que vem até nós em busca de novidades, de coisas agradáveis. Decepção!
Parece que estou vendo, lá do alto da Ponta do Caju, onde tinha sua taba, a figura imponente do cacique Taquaré amaldiçoando os homens que invadiram suas regiões, suas propriedades
para destroçá-las, destruí-las em nome de um falso progresso...
E, num protesto surdo plagio, então, Augusto dos Anjos, sussurrou:
-"Itiberê, um urubu pousou em tua sorte !".
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FILAS & PULGAS

As filas sempre se constituíram em dor de cabeça para os brasileiros, tradicionais amantes da esculhambação. 
Desculpem-me o grosseiro plebeísmo.
Brasileiro não quer saber de fila — pois está viciado no clássico "jeitinho" — e, por isso mesmo, quando se organiza alguma fileira com intenção das mais justas e melhores, logo aparecem os fura-filas que, como o próprio qualificativo está a denunciar, vão "furando". E aqueles, então, que nelas entram certos de que seu direito está garantido, vão ficando para trás.
Atualmente, aqui em Paranaguá, as filas onde mais atuam os furões são aquelas que se organizam nos estabelecimentos de crédito e a do leite. Fugindo ligeiramente da questão a que me propus devo dizer que esta última, então, é caso de polícia. Não propriamente pelo fato de que fura-filas estão nelas agindo com muita regularidade e atrapalhando ou retirando o direito alheio. O caso é de polícia porque, por incrível que pareça,até agora ainda não se descobriu a fórmula mágica que faça com que Paranaguá tenha, diariamente, leite suficiente para consumo de sua população. E sem a humilhação de se enfrentar as intermináveis filas. Retornando ao assunto inicial, devo dizer que as atitudes pouco honestas dos furões têm recebido, quase sempre, a repulsa daqueles que se vêm prejudicados. Dias destes, pela manhã, entrando na fileira da "Batavo" — que já está se tornando tradicional — ouvi as mais indecorosas e impublicáveis palavras que alguns, revoltados, dirigiam àqueles que pareciam desconhecer um direito que, talvez, seja até inalienável — o da certeza de que sua vez será garantida numa fila. Em entremeio com os protestos mais veementes e extravagantes, surgiram alguns, muito engraçados, pois gozador é o que não falta nas horas de sofrimento. Registrei, por exemplo, um sofredor gritar com voz ronquenha, que dava, até um aspecto teatral à exclamação:— "Não fura a FILHA, seu filho de gambá !". Mas, vocês estão pensando que a fila é invenção nova, ou melhor, desta Era ? Nada disso ! Já nos tempos de Noé se falava nessa maldição. Tanto que o bom Noé referido, já prevendo a baderna que iria acontecer, determinou que, para entrar em sua arca, os bichos deveriam fazer fila. O que não gostou ,evidentemente, o macaco que, por ser "badernista", foi logo deportado para a terra que, posteriormente, se transformaria neste imenso e glorioso torrão verde-amarelo no qual vivemos. Muito bem. Feita a determinação bíblica, a mísera pulguinha — que seria a última da fila por sua fragilidade — também não gostou do negócio, tanto mais que já começava a chover, como prenúncio do dilúvio previsto nas Escrituras. E, dando uma de fura-fila, começou a pulguinha a pular de bicho em bicho, na esperança de alcançar a arca antes que um pingo grosso a abatesse. Ninguém percebeu a corrida da pobre pulguinha, mas quando ela pulou em cima do elefante, o paquiderme logo reagiu e protestou, vociferando:
- "Olha a fila ! Já vai começar essa baderna de empurra-empurra ?".
Pois é, meus amigos, se vocês quiserem ver pulga saltar é só entrar na fila do leite.
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AQUI SE TRABALHA

Joaquim Santos é o nome de um morretense muito humilde, pequeno lavrador que é, ocupando uma pequena faixa de terra à margem da estrada, de onde tira, com muito trabalho e suor, o sustento de sua numerosa família. Mora, mais ou menos, no quilômetro 62 da velha Estrada da Graciosa, bem pertinho de Morretes, a simpática terra dos Morais, dos Maia e também da apreciada caninha "Pau Dentro". E tem dezoito filhos, sim senhor. Claro, mora no meio do mato, não têm televisão nem rádio ! Homem reto, bom, crente, trabalhador, às seis da matina, após a oração do dia, já está ele com a pá ou a enxada à mão procurando repetir, no solo duro, o milagre da reprodução que já conseguira com muito sucesso, na multiplicação de sua família. Izael, Abel, Michael, Oziris e outros filhos mais velhos, todos com nomes bíblicos, acompanham-no na árdua tarefa. E assim, vai Joaquim Santos vivendo sua vidinha miserável mas feliz. Essas coisas que são difíceis de se compreender. Como é que um sujeito paupérrimo, cheio de filhos, trabalhando de sol-a-sol, ainda se considera o sujeito mais feliz do mundo ?
Certa autoridade de nosso Estado, em outros tempos que não vão assim tão longe, era um sujeito eficiente, mas muito vaidoso. E, em tudo que fazia ou mandava fazer, se manifestava esse pecado que acompanha a humanidade, em pequena ou maior escala. Se fazia realizar uma obra qualquer, lá estava um enorme letreiro, às vezes feéricamente iluminado, indicando o autor do feito. Uma vez pronta a obra, era mais que certo que levaria ela o nome de seu autor. Por isso mesmo pulula, em nosso Estado, uma enormidade de obras que receberam o nome da referida autoridade, pois o nosso amigo sempre mexia, naturalmente, com os pauzinhos mágicos da política — no que era muito habilidoso — para conseguir esse intento. E até nas estradas de rodagem se manifestava essa sua qualidade negativa, que também é de todos nós e que indica as coisas vãs, instáveis e de pouca duração. Mas ocasiões haviam em que era impossível mencionar-se a sua personalidade, isto é, o seu nome, como é o caso daquela enorme quantidade de cartazes pregados pelas ruas, nas estradas etc, com o dístico "Aqui se trabalha". O que representava, realmente, uma verdade, pois o distinto era, de fato, muito trabalhador e sua gestão foi marcada por uma fase de grande progresso para nosso Estado. Isso não o livra, entretanto, da pecha. Como, de resto, pouquíssimos políticos dela se liberam, quando no Poder. É muito natural que seja assim, pois o ser humano é cheio de pecados. Vai daí, os funcionários encarregados de colocar aquelas placas — "Aqui se trabalha" — nas estradas, obedecendo-se a uma distância regular, toparam com uma dificuldade. É que a placa que correspondia, exatamente, à frente da modesta casa do morretense Joaquim Santos, inicialmente falado, não tinha onde ser pregada ou colocada, pois no local não havia sequer um poste ou mesmo uma simples árvore para nele o sugestivo dístico ser dependurado. Mas, para tudo existe remédio, pois não ? E naquela impossibilidade, os zelosos funcionários, após a devida aquiescência do Joaquim, proprietário da choupana, colocaram no frontispício da casa e bem acima de sua porta o "Aqui se trabalha", indicativo de uma fase de progresso de nosso Estado. E agora, quem passa no lar feliz de Joaquim Santos, na Estrada da Graciosa, não vê simplesmente seus dezoito filhos, todos "made in Morretes". Percebe, isto sim, que por uma interessante marotagem do destino, a única placa, das milhares que foram espalhadas pelo Estado, aquela é exatamente, a única que mais convence, a única que representa uma realidade cristalina... Quem quiser se certificar da exatidão do narrado acima é só fazer um passeio até o quilômetro 62 da velha Estrada da Graciosa que lá, na certa ainda encontrará aquela placa, os 18 filhos de Joaquim Santos e o que mais desejar para comprovação da verdade.
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AO PÉ DA LETRA

Pertencia a uma família muito religiosa, dessas que estão rareando hoje em dia. Das que não perdiam missa aos domingos e faziam suas fervorosas orações à noite ao deitar e pela manhã, ao levantar. E, mesmo ao simples desjejum, jamais esqueciam de agradecer ao Todo Poderoso a graça de haver-lhes permitido ter a mesa farta. Anibela fora criada com educação, nesse meio superior, onde sobejavam quadros de anjos às paredes e medalhinhas de querubins ao pescoço, penduradas por correntinhas do mais puro ouro. Uma linda menina que, ao deitar, recebia as bênçãos de sua bondosa progenitora —dona Luciane — que, sistematicamente, após beijar-lhe a fronte virginal, meigamente recomendava:— "Durma com Jesus, minha filha !". O tempo foi passando e, com ele, Anibela foi desenvolvendo seus atributos físicos que atraiam não semente a admiração de seus familiares e outras pessoas, mas também os olhares maliciosos e pecaminosos de lobo faminto da rapaziada do bairro da Água-Verde, em Curitiba, onde morava. — "Durma com Jesus, minha filha!" — continuava a recomendar dona Luciane ao abençoar sua querida filhinha, todas as noites. Mesmo naquelas em que a bela menina-moça ia dormir um pouco mais tarde em virtude das obrigações escolares ou de alguma novela de televisão que estivesse acompanhando, quando chegava a chorar com qualquer cena mais comovente, menina de coraçãozinho puro que era. E se fez moça. Mas, capitulando ante a fatalidade da vida arranjou, às escondidas, um namoradinho, pois seus pais, zelosos de sua segurança, sempre proibiram qualquer aproximação de algum rapaz que pudesse macular a pureza da filhinha. E, já que se está falando em namorado, é bom que se diga que o rapaz era desses jovens moderninhos, de roupas descuidadas, melenas caídas por sobre os ombros, grossas costeletas, bigode e barba formando um todo um tanto desarmônico, por detrás dos quais se via um par de olhos parados, misteriosos, que não sabe ainda o que quer, para onde vai ou para onde olha. Se está acordado ou dormindo. Um olhar perdido, enfim à procura do nada. Mas o rapaz falava, sim, embora agisse muito mais... O jovem tinha nome, também — Roberto Menezes de Jesus, filho único de pais abastados, proprietários de fazendas em Londrina e que, anualmente, faziam longas viagens à Europa e América, propiciando, com isso, maior liberdade, ainda, ao moço já por si tão cioso de seu livre arbítrio, que usava e abusava abundantemente. Mas Anibela gostava muito do Roberto, sim. Tanto que, por sugestão do próprio, começou a gazear às aulas do Colégio cuja Diretora — madre Elizabeth — tinha como certo o que a menina lhe justificara:— iria acompanhar a mãe, doente, em estação de águas no interior de Minas Gerais e, por isso, não poderia comparecer ao Colégio no mês restante de aulas. O que não influiria, certamente, em seu belo currículo, pois a garota era muito estudiosa e já tinha média de sobejo para passar de ano. E ambos — Anibela e Roberto — soltos, livres como dois pombinhos como realmente pareciam ser, viravam-se, dias inteiros, em passeios pelos bairros, cinemas, etc, etc, etc, etc. Mamãe Luciane, entretanto, ignorava o fato e continuava. À noite, ao deitar, com a clássica recomendação à pureza de sua filhinha:— "Durma com Jesus, minha filha". Anibela, que já não era tão pura assim, não mais apreciava esse tipo de bênção, talvez por lhe doer qualquer coisa na consciência mas, com olhar cândido, beijava os cabelos já incolores mas bem cuidados daquela que lhe dera a vida e que se desvelava para com a bela jovem. As liberdades entre os dois pombinhos, entretanto, iam crescendo, tomando corpo, avultando. Já não andavam somente de mãos dadas. Agora passeavam abraçados, ele agarrado aos bem contornados quadris da bela menina. Ela pendurada ao pescoço de Roberto Menezes de Jesus. De minuto a minuto um beijinho, para variar, à frente de todo mundo, descaradamente, despudoradamente.
— "Durma com Jesus, minha filha! — continuava a recomendar a cuidadosa mamãe. Um dia, Anibela resolveu fazer a vontade de dona Luciane — foi dormir com Jesus. Com Roberto Menezes de Jesus, seu despreocupado namorado.
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O DIRIGÍVEL ''GRAF ZEPELIN''

Se fizermos um levantamento criterioso da história da aviação neste planeta, iremos constatar o papel saliente que tiveram os dirigíveis, principalmente durante a Primeira Grande Guerra. Depois,o progresso tecnológico e da construção de novos meios de transporte acabou por liquidar o monstro dos ares.
O homem é um insaciável. Está sempre à procura de algo mais. Seu ideal nunca é definitivo e, por isso, vive a lutar, permanentemente, por novas aspirações no que, às vezes, exagera um pouco, chegando a querer igualar-se ao Pai, como se isso fora possível. Deus deu a seus filhos ingratos a terra firme, para que aqui embaixo vivessem sua vida constantemente com os ditames da moralidade. E eles aprenderam logo a andar, que isso não é tão difícil assim. Mas viram que tinham ante seus olhos toda a imensidão do espaço, onde pequenos seres adejavam delicada a caprichosamente. E o homem, ambicioso e invejoso que é, pretendeu, também, dominar o Espaço Celeste. E conta-se a lenda de Dédalo e ícaro — pai e filho — que queriam revolutear e, para tal, formaram asas com penas de pássaros, presas às costas com cera a qual, entretanto, se dissolveu ao calor do sol, proporcionando, assim, o primeiro desastre aéreo de que se tem conhecimento. Muitos e muitos anos são passados e vão aparecendo Leonardo da Vinci, com um estranho aparelho que foi o ancestral dos modernos helicópteros; João Bastista Perússia, que "quebrou os cornos" atirando-se do alto de uma torre com um par de asas acionadas por um engenho que, pelo visto, não aprovou; o Conde de Terzi, com seu barco voador; padre Bartholomeu de Gusmão com sua extraordinária "passarela". Enfim, muita gente andou querendo voar, inclusive os irmãos Wright, norte-americanos, que se diziam pais da aviação quando, na realidade, essa glória pertence ao nosso caboclo Santos Dumont. Neste momento e pensando nos dirigíveis a que me referi inicialmente, lembrei-me do nome de Júlio Brand, ou melhor e simplesmente Julinho, um simpático rapazola alemão que por aqui apareceu lá pelos idos de 1930, mais ou menos. Empregou-se, logo, nos escritórios de Hermógenes Vidal & Cia. — bem defronte à casa onde minha família residia — e, por isso, embora fosse alguns anos mais velho que eu, um simples menino, conversávamos seguidamente. Julinho era inteligente, disposto, falante, sempre muito bem arrumado e aprumado.
E porque era assim, logo conseguiu um número enorme de amigos na cidade e, na firma onde trabalhava, galgou rapidamente posições melhores. Um dia, um hidro-avião da Sindicat KondT Ltd. — empresa alemã de aviação internacional — teve desviada a rota de um de seus aparelhos •— o "Santos Dumont" — que veio amerissar, quase sem gasolina, no nosso rio Itiberê. E Julinho Brand, com seu bem posto vernáculo de sua pátria, lá estava para oferecer seus préstimos à tripulação do hidro-avião, do que resultou, afinal, a instalação de uma agência da empresem Paranaguá, gerenciada pelo pelo próprio Brand, que trouxe grande movimentação à cidade. Inclusive, Julinho foi o responsável, logo após, pela vinda à nossa cidade do grande dirigível alemão "Graf Zepelin". Quando aqui era esperado o "balão", os céus parnanguaras se apresentavam um tanto nublados. E isso deveria acontecer exatamente, as 9,30 horas de um ano e dia que já me escapam à memória. Creio que foi entre os anos de 1932 e 1933. A extraordinária notícia fez com que todos, àquela hora, ficas sem de nariz virado para cima, apontando os ares com o apêndice nasal, aguardando o aparecimento do "bicho". De repente e na hora precisa, lá para os lados e na direção da praia do Pontal do Sul, vem aparecendo uma estranha nuvem escura que, rapidamente, foi crescendo, crescendo, até se transformar, quase silenciosamente, no enorme dirigível, que fez evoluções por sobre a cidade, retirando-se em seguida. Foi um espetáculo que jamais pude esquecer. Aquela coisa era tão grande que todos — tantos os que moravam no bairro da Costeira como os residentes no Posto Fiscal — declaravam que o "Graf Zepelin" havia sobrevoado o quintal de suas casas. E bem baixinho, pois puderam, até, anotar os números que ele trazia em sua enorme carcaça. E, no mesmo dia, todos lascaram no jogo-do-bicho sua milharzinha, coincidente com o número do monstro-aéreo. Milhar que afinal não deu, para satisfação dos respectivos banqueiros.
Posteriormente — isto em 1936 — andou por aqui, também, o grande dirigível alemão "Hindemburg" que trazia na parte superior de seu grande bojo a cruz swástica, símbolo do poderio da Alemanha de Adolf Hitler, este responsável pela morte de milhões de seres humanos nos anos de 1940 a 1945, na Grande Guerra mundial que ele provocara no afã e ambição de conquistar o mundo. A grande e extraordinária Alemanha, com seu povo ordeiro e trabalhador culpa não tem disso, pois também sofreu, mais que ninguém, os horrores dessa inglória luta. Mas, muitos anos mais tarde e após o término dessa Segunda Guerra Mundial, vou encontrar Julinho Brand dando espetáculos de telepatia na enorme sede da "Associação Atlética Banco do Brasil", na Guanabara. Ele, que havia sido preso, talvez injustamente, como "quinta-coluna" e deportado para a Alemanha, fez questão de voltar ao Brasil — terra de paz e amor — para aqui terminar seus dias. Esta é a breve história de Júlio Brand, um simpático alemão que até carnaval em plena quaresma organizou em Paranaguá. Um sujeito alegre e brincalhão que fez muita falta à cidade.
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VASOS NOTURNOS

Quem tem tido a feliz oportunidade de visitar o museu do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá sai de lá, forçosamente, encantado com o que vê. Não pode deixar de comentar a beleza e riqueza daquela infinidade de peças antigas e históricas catalogadas e ressaltadas em bem arrumada mostra, com o melhor bom-gosto. Dentre todas as peças ali expostas, entretanto, sempre tive — não sei porque — particular predileção pela interessante coleção de urinóis de porcelana, posta em destaque. Talvez porque a mesma representa, realmente, um passado em que até para se praticar um ato da maior discrição e intimidade existia discriminação, isto é, enquanto uns, mais pobrezinhos e desprovidos de recursos, o faziam no fundo do quintal, outros, talvez até com poses estudadas, se davam ao luxo de ler, comodamente sentados em multi-coloridos vasos-noturnos, as últimas notícias das já extintas publicações que enriqueciam a imprensa de nossa terra. Ah ! Esses latifundiários, esses "snobs" milionários não perdem, mesmo, a oportunidade de humilhar aos pobres proletários e desprotegidos da sorte ! E até nisso encontravam motivos para espezinhamentos ! Estava eu a conjecturar sobre tão estranho assunto quando, de repente, topo com uma fotografia datada de 11 de fevereiro de 1911 — que me foi mostrada pelo meu amigo Dr. Wilson Cury — onde se via um grupo de pessoas presentes à inauguração da primeira Companhia Telefônica de Paranaguá, o que se deu graças à iniciativa de Joaquim Xavier Neves. E ali reconheci, então, figuras proeminentes da cidade, tais como Caetano Munhoz da Rocha, José Gonçalves Lobo, Alberto Veiga, Policarpo Pinheiro, João Balduíno, Carlos Eugênio de Souza, o então "broto" Aluízio Ferreira de Abreu, os meninos Bento Munhoz da Rocha, Raul Veiga e outros. Só não conheci porque, na realidade, jamais o havia visto, a figura austera de Adélio Pinto Amorim, do qual Jorginho Berbere faz-me, desde logo, a radiografia completa, memória prodigiosa que tem. E conta-me estórias e fatos em que "seu" Amorim foi intérprete. Adélio Pinto Amorim possuía uma casa de louças e ferragens, exatamente onde hoje o Chafie Farah encontra-se estabelecido com sua bem montada loja de roupas feitas e calçados. E dentre as mercadorias expostas por Adélio em sua farta e bem organizada casa comercial, destacavam-se os urinóis de fina porcelana que estavam muito em moda e que vieram substituir os anti-estéticos de ágata, pois gente que se prezava não sentava mais nestes últimos. Eram, os de porcelana, como que um cartão de apresentação que indicava a categoria de seus possuidores. Acontece que distinta dama de nossa melhor sociedade determina que sua empregada — uma pretinha muito pernóstica e falante — vá à loja de "seu" Adélio para adquirir um desses objetos de porcelana, o que, realmente, foi feito pela serviçal que, logo após e rapidamente, retorna à casa da patroa, quando é constatado que o objeto é pequeno demais. Torna a empregada à loja do bom Adélio e este, um tanto contrafeito, embrulha um urinol maior, que é logo entregue a doméstica. Porém, ainda desta vez o número era pequeno e, assim, foi devolvido à loja com a recomendação de que deveria se: um de tamanho superior. Adélio Pinto Amorim, apesar de comerciante, não tolerava fregueses chatos, amolantes e, naturalmente, considerou que não estava ali para levar o dia inteiro naquele embrulha-e-desembrulha pinico que não tinha mais fim. Assim, ao receber, pela terceira vez, o pedido de um urinol de número maior, não teve dúvidas em esclarecer à empregada já referida:— "Não embrulho mais pinico nenhum. Diga à sua patroa que, se quiser, mande primeiro a medida de sua "padaria". Hoje em dia já não acontecem essas coisas, pois o progresso já transformou, até, um simples quarto de banho em cômodo salão de leitura...
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VIVA PORTUGAL !

É tradicional a amizade que une brasileiros e portugueses. Tradicional e histórica. E, esse sentimento mais se acentua atualmente, não somente em virtude da honrosa visita que nos faz o Almirante Américo Thomaz, Presidente de Portugal, como também e talvez principalmente pelo retorno ao Brasil dos restos mortais de Sua Alteza D. Pedro I, Primeiro Imperador do Brasil, que ora se procede, estando, mesmo, em solo brasileiro, para aqui permanecer perenemente. Não irei me reportar aos fatos históricos que resultaram na decisiva atuação de D. Pedro quando, às margens do riacho Ipiranga e quando regressava de Santos, dirigiu-se imponentemente aos que compunham sua comitiva e bradou:— "Camaradas! As Cortes de Lisboa querem, mesmo, escravizar o Brasil; cumpre, portanto, declarar já sua independência!
Estamos definitivamente separados de Portugal !". E erguendo a espada, brada solenemente:— "INDEPENDÊNCIA OU MORTE !". Hoje estou aqui, isto sim, para lembrar, mais uma vez que, se brasileiros e portugueses já eram amigos, hoje, mais do que nunca se tornaram efetivamente irmãos. Esse honroso parentesco, entretanto, não impede que as célebres e tradicionais anedotas que se fazem "aqui dos de lá e os de lá dos daqui", continuem a ser contadas, principalmente pelos de cá, com aquela extraordinária graça com que o brasileiro sabe condimentar os fatos. E isso representa, como ficou dito, algo mais que uma pura amizade, pois é certo que jamais procuramos nos dirigir ou fazer uma simples brincadeira com alguém pelo qual não mantenhamos, mesmo, uma simpatia mais acentuada. E os portugueses nos são essencialmente simpáticos. E nós, na certa, também merecemos o mesmo tratamento por parte de nossos irmãos de além-mar. A chegada de ambos — do Presidente de Portugal e dos restos mortais de D. Pedro I — tem proporcionado, sem que isso represente desrespeito, uma série de anedotas em que são envolvidos, carinhosamente, os "Joaquim" e os "Manoel". Dentre as que tenho ouvido, selecionei duas que — conforme dizem os gaúchos — me fizeram dar "barrigadas" de tanto rir. Eis a primeira:— Já estava combinado com os Governos do Brasil e de Portugal, a vinda para cá do que sobrou, fisicamente, de D. PedroI. Mas pouco sobejou, pois o filho de D. João VI morrera há quase 150 anos. E o que se fez, então, no País amigo ? Abriu-se um concurso para encontrar aquele que mais se parecesse, fisicamente, com D. Pedro I. Propaganda pelos jornais, radio, televisão, etc, e, afinal, encontram na pessoa do gajo Manoel dos Santos (tinha que ser !) o tipo ideal para substituir Sua Alteza Real na empreitada pré-combinada, isto é, no caixão fúnebre. O Manoel era o D. Pedro escarrado ! O resto foi fácil. Fuzilaram o Manoel e vestiram-no com o uniforme de gala de Sua Alteza. Colocaram-no dentro do caixão e encaminharam-no, sem mais preocupações, para nossa Pátria. A outra anedota, que achei oportuníssima, conta que, quando da chegada ao Rio de Janeiro do que restou do corpo de nosso Augusto Imperador, um portuga vendo aquele caixão mortuário tão enfeitado ser descarregado de bordo, pergunta a um seu patrício que estava a seu lado:— "O que é que vem ali, naquele pijama de madeira de luxo ?". O outro responde, então, naturalmente e com pleno conhecimento de causa:— "São as CINZAS de D. Pedro I". E o interlocutor, que deveria ser bastante desligado exclama, admirado:— "Puxa ! Como fumava essa gajo !". São coisas assim, fabricadas com espirituosidade e carinho, que fazem com que, mesmo antes do recente Decreto Presidencial que equiparou, em quase tudo e em território nacional, brasileiros e portugueses, a nossa estima pelos lusos já fosse uma realidade palpável.
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A COMPANHIA BRASILEIRA DE REVISTAS

Este mês de setembro me é particularmente agradável. Imensamente feliz. É que, nada menos que 49 anos atrás, minha família aqui botou os pés pela vez primeira. Nesse longo período aqui tenho assistido a tanta coisa que daria, em verdade, para fazer um volumoso livro de onde surgiriam fatos os mais alegres e divertidos; os mais tristes e enternecedores; os mais originais e extravagantes. Aliás, outra coisa não tenha feito senão propagar, pela imprensa e através de modestos livrinhos por mim publicados, toda essa farta matéria que a vida de Paranaguá prodigaliza. Hoje, por exemplo, venho a público para contar aos leitores alguma coisa sobre a vida artística de nossa cidade, para o que me remonta às décadas dos anos 20 e 30, quando tive oportunidade de ver coisas maravilhosas que me ficaram gravadas indelevelmente. Assisti, por exemplo, no Teatro "Santa Helena" ^-"Variedades"), como espectador privilegiado de uma época de verdadeira arte e de prestígio dos valores reais, a Leopoldo Froes no clássico "O Café do Felisberto", no qual o grande ator colocava toda sua arte de bem representar. Ll-O-Chang, mágico internacionalmente famoso, que me impressionou de tal forma que procurei imitá-lo por várias vezes, virando mágico frustrado logo às primeiras investidas. E quem poderia esquecer a espetacular Companhia de Revista Tró-Ló-Ló com suas coristas lindas a mostrar alguns pares de pernas bem torneadas e agilíssimas em bem ensaiados bailados ? E a Companhia Polonesa de Sacha Morgowa, especialistas em estátuas-vivas ? Os espetáculos desta última eram rigorosamente proibidos para menores. Mas, meu saudoso pai, que era "doublê" de funcionário público federal e violinista, procurava equilibrar o orçamento doméstico com tocatas em Clubes, teatros, etc, que a vida estava mais difícil que acertar na atual Loteria Esportiva. E, nessas ocasiões, o portador de seu instrumento musical de trabalho era eu mesmo que, assim, quando da apresentação daquela Companhia, procurei entrar no "Variedades", com a caixa do violino debaixo do braço, muito antes do início do espetáculo referido, no que fui obstado pelo respectivo porteiro sob a alegação de que a representação era proibida para menores. Insisti dizendo-lhe que não havia ninguém no teatro e, assim iria apenas deixar o violino no lugar apropriado e voltaria. O porteiro compreendeu a situação dando-me a devida permissão. Dirigi-me, pois, ao poço-dos-músicos, onde coloquei o violino e, verificando que ainda era muito cedo para início do espetáculo não havendo sequer um espectador, sentei-me a um canto do citado poço, meio escondido, onde o silêncio reinante fez-me adormecer. De repente, acordo-me assustado com as palmas que ouvia. Era a festa que se iniciava, com o teatro literalmente cheio, mostrando o palco onde sobejava mulher nua, todas elas com uma pintura prateada sobre seus belos corpos, que refletores postados em lugares apropriados mais destacavam. Fiquei meio alucinado com o negócio, mas não me retirei, pois o lugar onde me encontrava me tornava quase invisível. Mais tarde, diante dos olhos arregalados da molecada de meu tempo, contava-lhes as peripécias por mim vividas naquela memorável noite, tornando-me, assim talvez o primeiro parnanguara-mirim a ver mulher pelada. E por atacado. Hoje, as crianças não vivem mais essas sensações gostosas, pois a moderna psicologia ensina que os filhos devem tomar banho conjuntamente com os pais... Batista Júnior — pai das cantoras Linda e Dircinha Batista — o maior ventríloquo que c Brasil já produziu, com seus bonecos Benedito e Chiquinho faziam a alegria da criançada e também de muito marmanjo que — como diz o gaúcho — davam "barrigadas" de tanto rir. Inclusive, com muita elegância e ostentando uma cartola e uma capa de forro vermelho, cantava a canção "A Cabocla do Sertão", que se transformava em delírio da educada platéia que o assistia. E quem, daqueles bons tempos, não se lembra dos mágicos Vilar e Professor Richard, que encantavam o público com suas ilusões bem trabalhadas ? Nessa questão de espetáculos teatrais, o que mais me impressionou, entretanto, foi a Companhia Brasileira de Revistas, que deu origem ao título da presente croniqueta. Referida Companhia foi organizada, no Rio de Janeiro, especialmente para fazer sua primeira apresentação em Buenos Aires, onde um "morocho" chamado Carlos Gardel fazia misérias cantando tangos. E, com essa intenção, seguiu a "troupe", de vapor, à Captai portenha, passando entretanto, por ser rota do navio, por Paranaguá onde, aproveitando-se de uns contratempos com a carga da embarcação, resolveu dar um espetáculo no "Variedades", o que viria, naturalmente, aliviar as despesas de viagem. Diga-se que da Companhia faziam parte: — Ari Barroso, pianista; o cômico Mesquitinha; o sapateador argentino Pablo Palitos; Marques Porte, "speaker" de rádio e apresentador, e muitos outros artistas de renome, inclusive o jovem Silvio Caldas, que já começava a despontar como o maior cantor brasileiro de todos os tempos. É claro que também tinha coristas! E em grande número e muito lindas, pois quem comanda espetáculos desse tipo sabe, perfeitamente, que se não tiver mulher no negócio, a coisa não funciona. E lembro-me perfeitamente que da apoteose desse grande espetáculo, constava um quadro em que Silvio Caldas — o Caboclinho Querido — cantava um samba muito em voga, denominado "Nego Bamba", ao mesmo tempo em que era beijado por todas aquelas coristas que estavam ali com o propósito, é claro, de fazer o artista ser invejado por aquela multidão de marmanjos que enchia o velho "Teatro Variedades", pois beijar, naquele tempo — o tempo das virtudes e da castidade — era quase pecado. Atualmente esses escrúpulos já não mais existem, pertencem ao "já era", pois a cidade vive cheia de casaizinhos que, publicamente e a qualquer momento se empregam em afrontosa bolinação, sob os olhares causticantes dos "quadrados" e com a aprovação total dos que se declaram "pra-frente", inclusive de muitos papaizinhos excessivamente tolerantes e comodistas. Esse espetáculo da Companhia Brasileira de Revistas recordei-o, há uns três anos atrás, em conversa com o agora velhinho Silvio Caldas, quando de sua estada nesta cidade, entre um "Chão de Estrelas" e um "Cabelos cor de Prata", cantados em surdina pelo Caboclinho especialmente para mim. Mas, a Companhia citada, após estrear em Buenos Aires e ali haver cumprido seu contrato, retornou ao seu país de origem, tendo sido dissolvida sem mesmo dar qualquer espetáculo no Brasil, a não ser aquela a que me referi, em nossa cidade e, também, em Antonina, na mesma época e pelo mesmo motivo, isto é, estada excessiva no porto, do vapor que a conduzia para o Prata, por questões de carga. Pelo narrado se constata, pois que apenas os parnanguaras e capelistas tiveram o privilégio de assistir, em nosso país, a grande Companhia Brasileira de Revistas que, lá pelos idos de 1930, deu à cidade um ar alegre, com seu grande número de integrantes, em sua maioria lindas mulheres. E que, cariocas que eram, atraiam não só pela sua beleza, como também pela sua alegria, seu "charme".
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COMO GANHAR NA LOTERIA. . .
SEM PERDER A ESPORTIVA

Para uns poucos, a Deusa da Fortuna sobrevoou Paranaguá, em princípios desta semana, com a cornucópia de boca para baixo, fazendo com que o corno mitológico — atributo da abundância — aqui derramasse, por intermédio da Loteria Federal, idem Esportiva, polpudas quantias àqueles que aventuraram alguns trocados na sorte, que lhes foi madrinha, finalmente. E, segundo soube, a distribuição da grana foi muito bem elaborada pela sorte, pois de permeio com alguns que já possuem certas posses, atingiu, na maioria, pessoas que estavam "a perigo", razão pela qual, de um modo geral, aqueles que não tiveram essa felicidade também se mostraram contentes, pois é certo que essas coisas, quando aparecem, caprichosamente só beneficiam aos que já detêm fortunas, o que não aconteceu, evidentemente, no caso presente. Os "sortudos" de Paranaguá, de agora, portaram-se muito bem, sem foguetório nem algazarras que geralmente terminam em bebedeiras condenáveis, pelo que o elogiável fato sugeriu logo o título desta crônica, isto é, "Como ganhar na loteria... sem perder a esportiva". Mas, na história das loterias em Paranaguá nem todos enriqueceram dessa forma. Ao contrário, conheço muitos, aqui, que ficaram na maior "fossa" por via dos excessos com que se empregavam à procura da sorte. E gastaram o que tinham e o que não tinham, pois como todo jogo, esse também só beneficia, mesmo, ao banqueiro, raramente trazendo um pouco de felicidade aos jogadores. Tem gente, entretanto, que insiste, persiste, persegue obstinadamente a sorte. E para tal, para que possam fazer uma "fezinha", chegam ao cúmulo de dormir de dia a fim de sonhar, possivelmente, com um número salvador que lhes possa propiciar um ganho espetacular na loteria ou no jogo-do-bicho. A sorte é caprichosa. Como se sabe, no caso da extração de que estou falando, a casa lotérica detinha o bilhete premiado encalhado, até momentos antes da extração referida. E, em verdade, não conseguiu vendê-lo na totalidade, ficando com 12 "gasparinos" que seriam prejuízo certo para o proprietário da casa, não fora a providencial chegada da Deusa da Fortuna, que fez com que o mesmo bilhete fosse premiado, carreando para os bolsos do benquisto proprietário da casa vendedora a fortuna de Cr$ 300.000,00 que, convenhamos, não é de se jogar fora. Fato mais ou menos parecido já houvera acontecido em nossa cidade, há muitos anos atrás, por ocasião da 1ª extração da Loteria Estadual. À ocasião, o respectivo cambista, em má situação financeira — hoje cidadão abastado à custa de trabalho muito honesto — encontrava-se com seu último bilhete encalhado. E vai, quando já havia o mesmo sido sorteado, oferecê-lo a empregados da casa Alberto Veiga & Cia. — Ali, apenas um funcionário de categoria adquiriu a metade do bilhete, talvez, até, com pena do cambista que, como disse, atravessava incômoda situação financeira. A outra metade ficou com o próprio cambista que logo o vendeu a outros por preço de custo. Pois bem. O bilhete até então encalhado foi premiado, possibilitando que, por via dele e adicionando-lhe um trabalho persistente e honesto o portador da metade do bilhete fizesse sua independência financeira, possuindo, atualmente, uma rede de casas comerciais que se traduzem numa real potência. Muita gente também tem sua estória à respeito dos bilhetes de loteria, inclusive este modesto escriba. Não vou narrá-las porque essas são tantas que seria melhor logo escrever um livro de muitas páginas. Evidentemente não tão brancas como os próprios bilhetes. Uma coisa, porém, é certa, parecendo estar escrita dentro de mim:— no próximo teste nº 88 da Loteca vou "lavar a égua". Possuo qualidades premonitórias e estas estão, persistentemente, a me segredar o fatal evento.
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O TESTE 88

Há alguns meses atrás, através deste jornal e nesta mesma coluna, publiquei crônica intitulada "Como Ganhar na Loteria... Sem Perder a Esportiva", na qual comentava alguns casos acontecidos aqui em Paranaguá, quando a cornucópia mitológica havia sido vista derramando polpudas quantias àqueles que aventuraram alguns trocados na sorte que, assim lhes foi madrinha, Essa coisas que só atingem aos que nasceram virados pra lua. Finalizei referido escrito declarando, peremptoriamente, que no teste número 88 da Loteria Esportiva haveria de ser eu o ganhador, visto que minhas qualidades premonitórias estavam, persistentemente, a me segregar o evento. Ora, acontece que estamos na semana do referido teste e essas qualidades extra-sensoriais continuam a se manifestar através de minha glândula pineal ou epífise — que não se deve confundir com hipófise — pelo que, já tenho como certo que, nesta semana, um "new-rich" irá soltar foguetes na cidade. Como declarei esse fato a alguns amigos, estes já entraram firmes na faixa da gozação, declarando, inclusive, que o Homem da 5ª Dimensão — estranha personagem de quem me fiz amigo — é quem o havia feito sentir o próximo acontecimento. Desse personagem já falei em cinco crônicas publicadas em meu livro "Crônicas do Cotidiano". A verdade, porém, é que muita gente passou a me solicitar palpites para o teste 88. E os tenho dado gratuitamente, pois não pretendo enriquecer com migalhas. O meu, que é bom, vem mesmo no 88. E se não vier ? Bem, se os 13 pontos não forem por mim feitos, resta-me apenas dizer, como certos políticos derrotados, após as eleições:— "Fui miseravelmente traído !". Ou então, plagiando aquela célebre anedota do jogador viciado que ,atendendo a uma determinação de seu anjo-da-guarda, jogou, durante 30 dias, na milhar 3.765. E não pegou nem no grupo. Protestou ao Anjo e este, que evidentemente deveria ser muito cínico, respondeu simplesmente:— 19 de Abril!". Mas comigo não tem esse negócio, não ! Promessa é dívida. E já que a manifestação premonitória é insistente e permanente resta-me somente aguardar, tranquilamente, sentado em minha cadeira-do-papai, que o "tutu" venha encher minha magra arca. Isso não quer dizer que esteja me fiando exclusivamente na sorte. Absolutamente. Estou indo ao encontro dela. Tanto assim que preenchi várias carteias da loteca, num total apreciável, pois se a intuição me oferece uma possibilidade, é certo que devo ajudar um pouquinho a que essa mesma possibilidade seja transformada em realidade. E vocês aí, que estão lendo estas mal alinhavadas, não esqueçam de engrossar o teste 88 com apostas mil, que venham finalmente me favorecer. E "tchau" mesmo, pois já estou de malas prontas para fugir ao assédio de repórteres, falsos amigos, pedidos de auxílios, etc.
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A CIGANA ME ENGANOU

Quando, há dias atrás, neste mesmo cantinho escrevi qualquer coisa à respeito do Teste 88 da Loteria Esportiva, encontrava-me, naturalmente, em verdadeiro estado de graça. Nessa situação em que a vida nos sorri por qualquer motivo. Tudo está bom. Tudo está certinho. Tudo é um mar-de-rosas. Foram uns dias da mais completa felicidade, em que via até meus inimigos gratuitos mostrarem-me os dentes, não para agredir-me, mas para sorrir para mim, numa demonstração de amor que não é vista todos os dias. O céu era de um azul diferente, suave, tranquilo. O ar leve e respirável, contrastando com o calor que, felizmente, já está se despedindo de nós. As pessoas que cruzavam comigo flutuavam e me eram extremamente simpáticas. Ora, um quadro desses só poderia ser completo se o dedo do Destino me apontasse, lá do invisível, como ganhador certo e único do Teste 88 referido. Por isso, encontrando-me naquele estado de graça em que tudo dá certo, acreditei no tal Destino e mandei uma brasa firme na loteca, pois quem quiser ganhar é evidente que terá de jogar. E passei, então, uma semana feliz, fazendo projetos e mais projetos. Ajudando entidades, religiões, parentes, amigos. Comprei roupas para os velhinhos dos abrigos, que muitos esquecem. Idem, para o Lar das Meninas. Dei substancial auxílio para a Legião da Boa Vontade. Entreguei polpuda grana à Liga de Combate ao Câncer. Melhorei as condições da Casa do Pequeno Trabalhador. Dividi minhas alegrias com o extraordinário Padre Armando Russo para que este pudesse realizar seu sonho de funcionamento de seu Abrigo para Meninos Desamparados ou coisa parecida. E fui, por aí, afora, entregando por antecipação e mentalmente, o "carvão" que iria ganhar no Teste 88. Só esqueci de mim próprio, pois sou muito feliz na simplicidade em que vivo. Para que mudar ? Dada minha convicção, meus amigos, até já estavam certos do feliz evento. E diziam que quem me houvera soprado a coisa fora o Homem da 5ª Dimensão, personagem misteriosa que encontrei em minhas andanças pela Guanabara. O ambiente na praça Fernando Amaro, onde tenho meu "escritório" ambulante de velhinho aposentado, se transformara. Todo mundo já sabia que a semana que estava correndo iria fazer um milionário em Paranaguá. E teve gente que bateu à minha porta para pedir "algum" por conta. Palavra de honra! Porém, veio o domingo e o resultado dos treze jogos da loteca não coincidiram com o jogo por mim feito, o que quer dizer que ainda não será desta vez que irei atender aos desejos que acalento com tanta sinceridade. Mas, os meus amigos já se encontram armando tremenda gozação pra cima de mim. Que irei dizer a eles para justificar o fracasso ? Direi que o Homem da 5ª Dimensão falhou ? Que minhas qualidades premonitórias não existem ? Que me enganei nos cálculos ? Que a próxima extração será a minha ? Ora bolas ! Para que me preocupar tanto com o negócio ? Não tenho que dar satisfação a quem quer que seja. No mínimo, poderei dizer a todos que a cigana me enganou. É isto mesmo:— A CIGANA ME ENGANOU. A verdade final é que, com pouco dinheiro passei uma semana divertida, sonhando com coisas boas que me fizeram muito feliz. E isso paga, perfeitamente, todo o sacrifício que poderia ter feito.
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"LA CUMPARSITA"

Meu pai era bom violinista; minha irmã mais velha ótima pianista. Minha mãe também era violinista, muito embora jamais a tenha visto empunhar o difícil instrumento. Não havia tempo disponível... A herança musical foi transmitida a meus filhos:— minha filha é professora de música e ótima pianista; meu filho acumula sua profissão de engenheiro com a de violonista diletante. Eu, mesmo, não me furto a umas dedilhadas num "pinho", quando arranco do instrumento, muito mal, melosos acordes de tangos argentinos, o estilo de música de minha preferência. Claro, aprendi a apreciar a música exatamente quando os tangos estavam em moda, lá pelos anos 30. Não sei se foi essa a razão que me levou a aproximar-me de Eive Eseverri — Tito, para os mais íntimos — argentino de nascimento, mas brasileiro por profissão, que até poucos meses atrás dirigia em Paranaguá, os negócios da firma exportadora NEVA. Tito, um cavalheiro disposto e bem posto, gosta também de tango, está na cara; mas ama o samba brasileiro. E, cada vez que nos encontramos, é mais que certo que há porfia. Tito — que "és un cantante desgraciado" — desfila logo, com sua voz cavernosa mas agradável, uma infinidade de tangos que lhe trazem saudade. Murmuro, por minha vez, com voz fraquinha, um "Chão de Estrelas" ou um "Cabelos cor de prata". E Tito exulta. E me conta uma série de fatos nos quais a música de sua pátria entra em jogo, em mistura com Gardel, Hugo dei Carril, Libertad Lamarque, Tita Merello, Francisco e Mário Canaro e tantos outros que fizeram a extraordinária história do tango. E é mais que certo que "La Cumparsita" — o hino nacional da música popular argentina — venha à baila. "La Cumparsita", como se sabe, apareceu lá pelo ano de 1926, com força total. E ficou famosa em todo o mundo. Tanto se cantava essa espetacular música em Buenos Aires, como no Brasil, principalmente nos pagos gaúchos. Em Paris, como em Nova Iorque. Na Holanda, como na Dinamarca. Era, mesmo, um sucesso universal e não havia conjunto musical dos grandes centros ou simplesmente dos arrabaldes que não a executasse várias vezes por dia. Nos rádios, ainda meio acanhados e incipientes, os velhos discos de cera — hoje substituído por acrílicos — eram tocados até gastar a chapa circular. Pois bem. Em 1928, realizavam-se as grandes Olimpíadas de Amsterdam, na qual se defrontavam os maiores atletas daqueles tempos. A Argentina também mandou seu campeão representado por Zavalla, um sujeito compridão, de 1,90 metros de altura e que concorreria à prova da maratona de 42 quilômetros. Zavalla em seu país, exatamente em virtude de seu tipo físico, era conhecido como "nãndú criollo" que, na língua da pátria de meu amigo Eive Eseverri quer dizer simplesmente "avestruz caboclo". Zavallo defrontou-se com os maiores corredores do mundo e, surpreendentemente para ele próprio, saiu vitorioso na maratona. Os vencedores de então, tal como nas olimpíadas atuais, eram colocados em pedestal, quando seria executado o hino nacional de suas pátrias. E lá estava o "nãndú criollo" nessa situação, à espera dos acordes de seu hino, que lhe trariam, certamente, lágrimas aos olhos. Mas, quem poderia esperar que a modesta Argentina iria ter um vencedor na referida Olimpíada ? E exatamente em virtude disso é que a banda musical do Estádio de Amsterdam omitiu, em seus ensaios, o hino nacional daquele valoroso país do Prata. Entretanto, não houve qualquer problema. Colocado o grande Zavalla no "podium", a banda musical tocou não o belo hino de sua pátria, mas o extraordinário tango argentino "La Cumparsita", que foi cantado, quase em coro, pela enorme assistência. — Palavras que me foram ditas por Tito, um argentino que foi boêmio e que não quer deixar Paranaguá, terra onde se sente tão bem quanto no Mercado de Abasto, em sua pátria de origem. E onde pode recordar, para "nossotros", suas serenatas de "calle Corrientes" ao som de um bandoneon sentimental.
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ESTÓRIAS DE ARREPIAR!

Por ocasião da passagem do Dia de Finados do ano que se foi, tive oportunidade de atender à solicitação de Odorico Santos, mais conhecido como Dorinho — para que eu visitasse seu estabelecimento comercial — a Funerária N. S. do Rocio — posta em prédio próximo e estrategicamente, quase defronte ao portão lateral do Campo Santo. Trata-se, na realidade, de uma casa especializada no ramo, muito bem montada e com um atendimento rápido e perfeito. E seus preços são bastante módicos, sem serem convidativos, é certo, pois não há quem cometa a suprema asneira de querer se mandar para a Eternidade somente porque o enterro da carcaça seja barato. Mas pude concluir, por tudo que ali observei, que já não é tão difícil se ir ao encontro da fatalidade. Pelo menos no que tange ao vil metal para as despesas com o pijame de madeira, isto não representa mais qualquer problema, pois conforme me informa o Odorico, o negócio, com ele, poderá ser feito até pelo crediário. E, talvez, até com o sorteio de um "Fuquinho" pela Loteria Federal. Mas o nosso amigo Dorinho como se vê é um tipo muito alegre e espirituoso que, por ocasião da visita referida mostra-me, de cara, um caixão mortuário enorme, medindo, aproximadamente, 2,50 metros. Ante meu espanto, esclarece-me que o "pijame" era encomenda de Firmino Caetano, funcionário de destaque da agência local do Banco do Brasil e que mede, de ponta-a-ponta, nada menos que 2,18 metros. Percebendo que ri com sua piada, vai me contando, animado, inúmeros casos engraçados acontecidos consigo durante o trabalho de sua árdua profissão de papa-defunto, da qual, inclusive, consta a obrigação de colocar os mortos em sua embalagem de retorno ao Nunca-Mais. Certa feita — conta-me ele — recebe telefonema de um amigo seu, encomendando um caixão para a tia do mesmo uma velhinha que falecera de repente. Dorico, com a experiência que têm, coloca no carro fúnebre uma caixa de tamanho médio e de preço idem, e larga-se para a residência desse amigo, onde vai entrando pela sala da frente, que se encontrava vazia. Eu disse vazia ? Não ! Sobre um velho sofá forrado com plástico cinzento, já desbotado pela ação do tempo, jazia um corpo imóvel de uma senhora idosa, com cabelos completamente encanecidos e rosto macerado. Dorico, para adiantar o serviço, carrega aquele corpo e o coloca no caixão, tendo o cuidado de fazê-lo cruzar os dedos, na clássica atitude daqueles que dizem um "tchau" final, como encerramento dessa comédia que se chama Vida. E acende as velas. Nisto, chega à sala o seu amigo referido e vem logo conversar com Dorico sobre o enterro. Esbarra, porém, naquele caixão mortuário, dentro do qual o corpo inerte da velhinha parecia mover-se pelos movimentos naturalmente projetados à parede pelo vento que soprava os quatro círios acesos. E, ante a surpresa do nosso bom papa-defunto, exclama ele: 
— "O cadáver de minha tia está lá dentro, no quarto ! Esse corpo que você colocou no caixão é o de minha sogra, que apenas teve um ataque. Ela está viva !". Outra ocasião, também através desse extraordinário criado que é o telefone, recebe encomenda de um caixão que deveria ser levado, imediatamente, à Rua Visconde de Nácar. Lá se foi o Dorico, afoito como sempre e satisfeito como nunca, pois a felicidade de uns é fabricada com a desgraça de outros. Chega ao número indicado, à noite, onde se encontravam muitas pessoas que deduziu serem amigos e parentes do finado. E, sem maiores indagações, vai logo entrando pela sala-de-frente do prédio, com o caixão às costas quando, para sua surpresa e exatamente naquele momento, um conjunto de música jovem ataca com o conhecido yê-yê-yê "Quero que vá tudo para o inferno", de Roberto Carlos. É que a Prefeitura Municipal, há tempos atrás, colocou novos números nas residências da Rua Visconde. E o leitor já deve ter percebido o vexame por que passou Odorico, pretendendo entregar a encomenda no número antigo — onde se realizava uma festa de arromba — que coincidia, exatamente, com o novo número fornecido pelo telefone, por familiar do finado. Muitos outros casos me foram contados. Mas me atenho somente aos dois já narrados, que servem para demonstrar os caprichos da Vida, que faz surgir, mesmo nas fases de maior tristeza e desespero, uma fagulha de alegria para tornar mais suportável as grandes dores.
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NEM SEMPRE TRISTE É A MORTE

Voltava Dorinho, muito calmamente, do Cemitério Municipal, onde fora descarregar "mais um". E vinha na direção de seu possante carro-fúnebre, fazendo mentalmente os cálculos de quanto já teria arrecadado naquele dia. Foi uma boa féria, sim. Um enterro de primeira classe, de um cara pobre, mas metido a besta que, como último pedido obrigou a família ao sacrifício de um caixão de primeira. Mais três de segunda categoria e, ainda, duas embalagens para dois indigentes, estas pagas pelos cofres da Prefeitura. "O dia estava ganho" — matutava o bom Dorinho. E bem ganho. De repente, topa o nosso amigo com aquele corpo caído à sua frente, isto é, à frente do coche. Pára, e vai retirar dali aquele bêbedo dorminhoco —- pois só bêbedo mesmo é que dorme no meio da rua estatelado — que estava a lhe atrapalhar a passagem do veículo. Mas, quando levanta a cabeça do ébrio, constata que se tratava de um seu amigo, habituado a porres de fazer perder a fala. Penalizado, coloca-o a seu lado no carro-fúnebre, pois era sua intenção conduzi-lo à residência. Mas o bêbedo, que mal se sustinha mesmo sentado, estava tão alheio a tudo que, com o movimento do veículo derramava seu corpo mole por sobre o motorista, atrapalhando-o no manejo do coche. Dórico, pacientemente, retira-o dali, fazendo-o colocar atrás do carro, exatamente no lugar onde os caixões são postos para a "última viagem". E parte para a residência do bêbedo. Durante o trajeto, talvez instintivamente e num momento de semi-lucidez, para melhor se equilibrar no veículo o bêbedo cruza os dedos sobre o peito, naquela tão indesejável posição de quem não volta mais. Porém, Odorico Santos — o prestativo Dorinho, proprietário da "Casa Funerária N. S. do Rocio" — não percebe esse detalhe e, chegando à casa do "borracho", bate à porta, sendo atendido pela esposa daquele que jazia, quase inerte, dentro do carro-fúnebre. E declara, espírito de humanidade: "Minha senhora, vim trazer seu marido". É claro que a mulher, ao ver seu esposo naquela situação e naquela posição, pôs-se a berrar, desesperadamente, pois estava convicta de que seu companheiro havia batido as botas. 
Esse fato é um dos muitos que me foram contados pelo próprio Dorinho. Outros, mais interessantes, serão publicados na próxima edição da revista "O Itiberê", já no prelo, e que deverá vir à luz nos primeiros dias do mês de abril vindouro.
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DIVAGAÇÕES SOBRE A MODA

Já dizia um velho ditado, em meus tempos de rapaz, que "o que é moda não incomoda". Mas, convenhamos que essa metamorfose violentíssima que vem acontecendo atualmente nesse setor, isto é, na moda, é qualquer coisa que, além de incomodar, traz prejuízos tais aos que desejam acompanhá-la ao pé-da-letra, que raro é encontrar-se um jovem que não esteja atolado até o pescoço por dívidas contraídas na aquisição permanente de vestimentas e acessórios com que possam acompanhar o delírio, a vertigem dos costumes no trajar. E, aqui, entre nós, muita moçoila sem condições financeiras para seguir essa fantasia passageira, já está se perdendo irremediavelmente, pois não desejando ficar para trás a fim de não serem taxadas de "quadradas", tratam de conseguir o vil metal para aquela finalidade, a qualquer preço, e vão, então, entregando aquilo que outrora era o apanágio, o bem mais precioso da mulher. Fato este último que, aliás, vem sendo recomendado com muita constância por certos psicólogos desequilibrados. Paralelamente, o comércio nem sempre obtém lucros com essa loucura sem correspondência na história do mundo. E que, com a rapidez com que se altera a moda, nem tempo suficiente existe para que os estoques das mercadorias sejam vendidos. E isso é mau, pois os prejuízos são quase certos. Mas, esse é outro lado da questão, que veio à baila simplesmente para que se pudesse constatar dos inconvenientes das mudanças bruscas, não somente nos trajes, mas também na educação, nos costumes, no comportamento moral. Pois é. Particularmente, confesso que aprecio os trajes modernos, multicoloridos, berrantes, alegres ! Talvez seja porque isso traz a ilusão de que se esteja em permanente carnaval. Mesmo os cabelos compridos que se usam atualmente merecem minha aprovação, desde que não sejam ao estilo "Black-Power" ou estupidamente longos, isto é, femininamente caídos sobre os ombros. Neste último caso a impressão é das piores, pois ao menos prevenido poderá parecer que o ente que ali se encontra "se não é, esta querendo ser"... Mas, já que estamos falando em cabelos, a moda masculina atualmente em vigor é o uso das melenas a Jesus Cristo. É isso mesmo — à lá Jesus Cristo. O que significa que, nesse particular, pelo menos, o Mestre está sendo imitado. Pena que seus maravilhosos exemplos também não o sejam. Este breve comentário me vem como um desabafo pelo que acabo de assistir, no último programa de televisão de Sílvio Santos, quando um rapazola de Lages e de maneiras suspeitas ali se apresentou cantando uma música amalucada. Mas o pior é que o desequilibrado rapaz apareceu completamente "à lá Jesus Cristo", não somente com cabelos e barbas excessivamente longos, como também com vestimenta das que eram utilizadas pelo Mestre. Só não estava com os pés e as mães sangrando e perfurados pelo cravo que O pregou à cruz. O que seria exigir demais. Mas a coisa está progredindo e, como tudo que é mau, hoje em dia, avança celeremente e sem obstáculos, é quase certo que logo e logo assistiremos a um baile de arromba da turma da pesada, com fantasias não somente de Jesus Cristo, mas também de Maria Madalena, S. Pedro, São João Batista, São José e outros Santos incorporados à sagrada falange do Mestre. E todos cantando, é claro, o yê-yê-yê "Que vá tudo para o inferno". Vai acontecer, mesmo.
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O AÇÚCAR TAMBÉM É NOSSO !

Há alguns anos atrás, um dos Estados deste nosso imenso e querido Brasil exportava regularmente sua produção de açúcar para a Inglaterra, propiciando apreciáveis lucros a determinado engenho fabricante da referida sacarose, ao mesmo tempo em que se atendia a um problema social dos mais sérios qual seja o da colocação da mão-de-obra respectiva, resultando daí a sobrevivência de grande número de famílias nordestinas. Mas a ganância, a ambição, a usura que dominam o homem são pecados condenáveis e os que a eles se deixam acorrentar não gozam de boa fama, dada sua inescrupulosidade para chegar, por qualquer meio, ao vil metal. E foi exatamente por estar dominado por esse terrível mal, que um senhor-de-engenho do nordeste de nosso país resolveu aumentar, de qualquer forma, seus já fabulosos lucros. E, que fez o desgraçado ? Apenas passou a misturar, no mesmo recipiente, areia das brancas praias daqueles rincões ao açúcar exportado para a Inglaterra, fazendo com que a respectiva sacaria obtivesse, assim, um peso normal para um conteúdo nem tanto. Mas inglês, além de ser possuidor de uma educação e de um cavalheirismo tradicionais, não dorme de olhos fechados. Por isso mesmo surgiu o dito popular "Para inglês ver", que quer dizer, naturalmente, que os ruivos gringos da terra dos famigerados Beatles — os cantores maconheiros — estão sempre alertas. E o inescrupuloso dono-de-engenho recebeu então, do respectivo importador inglês e imediatamente, um fleugmático telegrama mais ou menos vazado nos seguintes termos: "Poder continuar mandar açúcar com areia. Solicitamos, porém, venham ambas mercadorias em embalagens distintas". Foi uma liçãozinha muito diplomática e sutil que serviu para demonstrar que os nossos amigos das europas querem, de fato, estreitar suas relações comerciais conosco. Mas dentro da maior honestidade. O episódio acima narrado veio à baila porque acabo de receber, euforicamente com um misto de alegria e patriotismo a extraordinária notícia de que o Brasil passou a ser o maior produtor de açúcar do mundo, ultrapassando, assim, à infeliz Cuba de Fidel Castro — o Fanfarrão. E que, para se conseguir esse feito notável, que projetará, mais ainda, o nome do nosso País no exterior, não se tornou necessário recorrer-se ao sacrifício do povo; ninguém apertou a cinta; não se escravizou quem quer que seja; não se plantou e nem se colheu sob a mira de um fuzil ou de uma metralhadora; não se sobrecarregou o agricultor com excesso de trabalho obrigatório; enfim, não se fez um povo infeliz apenas para se satisfazer a vaidade de um homem. Este é o Brasil de hoje — a Pátria da liberdade e do trabalho. Deixou de ser apenas o País do futuro para se converter na terra do presente, do progresso, onde todos trabalham sorrindo, alegres, confiantes nos homens que o governam com o maior sentido de humanidade e critério. Com honestidade, principalmente, na certeza de que somente assim um gigante como o é nosso País poderá ser conduzido a destinos mais gloriosos.
VIVA O BRASIL! O maior produtor de açúcar do mundo!
A Pátria da Liberdade!
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AS AVENTURAS DE UM HOMEM BOM

Certa feita escrevi uma série de crônicas sob o título acima, visando o cidadão Manoel do Rosário, mais conhecido como Manequinho do Literário. Ou, ainda, como Manequinho Galinha dos bons tempos de futebol, no antigo Campo Grande, e outras alcunhas um tanto pejorativas e impublicáveis. E nem seria necessário explicar as razões do título escolhido, pois Maneco, funcionário do nosso querido "Clube Literário" há quase 40 anos, ali se tornou, no trato diário com os respectivos associados em mais de uma geração, uma espécie de contra-parente a quem todos querem bem, em retribuição naturalmente, ao seu espírito prestativo e manso. Há dias tomei conhecimento de que o nosso caro amigo fora aposentado pelo INPS, há quase quatro meses. Desconheci esse fato porque continuei a ver Maneco, diariamente no Clube, como se seu vínculo empregatício com a agremiação ainda não houvesse terminado. É que o Clube sempre foi seu amor e a razão de sua vida. Ali ele viu muito menino crescer e se transformar em chefe de família e doutor. E, assim, qual espírito desencarnado repentinamente ainda não compreendeu sua real situação. Naquelas crônicas a que inicialmente me referi, contei várias passagens interessantes de Maneco como empregado do Clube. E hoje volto ao mesmo terreno para trazer ao conhecimento dos leitores mais um fato pitoresco, cujo intérprete, como não poderia deixar de ser, foi o bom do Manequinho. Há muitos anos, uma Companhia Dramática aqui; arriou suas âncoras, dando uma série de representações no antigo "Teatro Variedades". Mas, como essa casa de espetáculos lhes fora arrendada para esse fim, seu proprietário ou Diretor contratava algumas pessoas aqui da terra para auxiliar nos trabalhos por detrás dos bastidores, tais como levantar o pesado pano-de-cena, arredar móveis, pintar cartazes, etc, pois os artistas da Companhia com sua atenção totalmente voltada para seu trabalho no palco, não poderiam ser desviados para serviços subalternos. E Manoel do Rosário também foi convocado para tal, trabalho que dividia gostosamente, com o de espectador privilegiado por detrás do pano, assistindo gratuitamente e empolgado todo o desenrolar dos espetáculos. Em certo ato de uma dessas representações, aparecia no palco um casal de artistas em forte discussão sobre o milenar problema da infidelidade conjugal, o que levaria a esposa a simular uma crise de nervos para em seguida desmaiar em pleno palco. O ator, então, desesperado, gritaria pedindo um hipotético copo com água para socorrer sua mulher, ocasião em que o pano seria descido dando-se como terminado o ato que seria reiniciado, após breve intervalo, com nova cena. Pois bem. Exatamente nessa fase da discussão, Maneco encontrava-se postado colado aos bastidores, apreciando comovido a cena e não perdendo o menor gesto dos artistas que tanto o entusiasmavam. E, quando o ator gritou o convencionado "UM COPO D'ÁGUA, POR FAVOR", Maneco solícito como sempre, aparece esbaforido em plena cena sem ser chamado, oferecendo ao assombrado artista a água supostamente pedida. A platéia explodiu em gargalhadas e o velho "Teatro Variedades" quase veio abaixo com o inesperado. Mas muitos entenderam que o espírito de fraternidade sempre presente no Manequinho fora responsável por aquela cena em que os próprios atores não puderam conter um riso disfarçado. Essa conversa toda é para solicitar ao meu caro amigo Dr. Antônio José Lobo, digno Presidente do "Clube Literário", que encontre uma fórmula para continuar a retribuir os serviços que Manequinho, mesmo aposentado, continua a prestar ao Clube e a seus associados. Esse é um apelo que faço em nome desses mesmos associados, que desejam a permanência do bom Manoel do Rosário como serviçal da agremiação, dado seu trato afável e boa vontade em atender a todos. E praza Deus continue ele a levar seu copo com água, ainda por muitos anos, a outros "artistas", no nosso muito querido Clube.
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O AZAR DO MANECO

Já me tenho referido, por vezes várias, à figura humilde de Manoel do Rosário — o conhecido Manequinho Galinha — funcionário aposentado do nosso "Clube Litterário" e ex-integrante, em tempos que já vão longe, do valoroso esquadrão do "Piro E. C", então formado quase que exclusivamente por operários da antiga Fábrica de Fogos de Anibal Paiva. Manequinho é um técnico. Não propriamente um pirotécnico, pois de foguete, em verdade, nada entende. Em compensação se propõe a ser extremamente entendido no famoso jogo-do-bicho, na qual faz diariamente, as mais extravagantes e mirabolantes jogadas. É que o nosso amigo, nesse particular, têm um hábito "sui-generis": jamais faz a jogada, no jogo inventado pelo Barão de Mauá, como a lógica o determina, se é que nessa espécie de jogo há lógica. Assim, o bom do Manequinho joga, por exemplo, no número 987 somente em 3º lugar; ou o 654 em quinto ou, ainda, no 854 somente em segundo, e assim por diante. Os que mal conhecem esse inocente vício que já está tão arraigado na população de um modo geral, sabem, perfeitamente, que a maneira mais fácil e coerente de se fazer uma fezinha é jogar determinado número do 1º ao 5º lugares, operação que os viciados chamam de "cercar". Mas Maneco, como disse, contraria todas as leis conhecidas, inclusive as da gravidade. E, por isso, utiliza aquele estranho método que já expliquei pormenorizadamente, isto é, arrisca no número somente em um lugar, ao invés de jogar do lº ao 5º.
Dia destes, após exagerar um pouquinho na sua aperitividade paga por bolso alheio, almoçou como um Pantagruel e dormiu como um justo. Um sono suficientemente justo para sonhar com o número idem, pois jogador que se preza tem o hábito de dormir após o almoço exatamente para sonhar com o bicho-do-dia. E sonhou com seus gloriosos dias de jogador do "Piro E. C", quando se conhecia o "crack" pela altura em que conseguia arremessar a bola com um violento pontapé de bico. No que Maneco era bamba. Acordou feliz, por isso, lá pelas 4:00 horas da tarde. Percebeu que havia tempo para mais uma soneca e fechou seus olhos mongólicos para atrair ao seu espírito novas imagens que lhe apontassem um número salvador que lhe possibilitasse arrebanhar, no jogo-do-bicho algum tutu que lhe garantisse o mercado até o fim da semana. E sonhou novamente. Sonhou, sim, com esse número, através de um "aviso" misterioso que lhe determinava arriscar, todo o dinheiro que tivesse no bolso, nas centenas de números 770 a 780. E Manequinho não fez outra coisa. Passou a mão pelos bolsos e arrebanhou tudo que tinha — uns Cr$ 12,50 — e, apertando-os na mão gritou para dentro de si próprio: "É hoje !".
Sentou no canapé, calçou apressado os sapatos de verniz que o Dr. Hugo Corrêa lhe presenteara de certa feita, colocou sem se preocupar cem a estética, o amarrotado boné amarelo que num gesto muito liberal Saturnino Cárdenas lhe ofertara e largou-se feito um furacão pela Estrada da Raia (rua Roque Vernalha). Chegou, finalmente, ofegante, à praça Fernando Amaro e entrou na Casa Lotérica do dinâmico Antônio Olmos, e mandou sua brasa firme nos números sonhados, tendo o cuidado de fazê-lo, porém, utilizando seu infalível método: jogou somente em 4º lugar. Mas, como medida de segurança, para que não houvessequalquer equívoco, ele mesmo foi preenchendo, no caderninho do bicheiro, as centenas sonhadas. Começou é claro, pelo 770. E continuou na seqüência que o levaria ao 780. Chegou, porém, ao número 777 e teria, certamente, pensado: "777 ? Esse número não pode dar. Três setes é muita coisa. E 7 já é número de azar!". E quebrou a seqüência saltando por cima do 777.
O resto da tarde Manequinho permaneceu na Casa Lotérica aguardando, pelo rádio do estabelecimento, o resultado que iria, fatalmente, fazê-lo sair da pindaíba monstruosa em que se achava. De repente, e após tocar a característica musical apropriada, o aparelho anuncia: "Agora vamos dar o resultado da Loteria Federal. Anotem por favor". Quando o "speacker" terminou de falar, Manequinho estava lívido. Parecia um boneco de cera da Casa dos Horrores, de Londres. É que em 4º lugar, exatamente onde o Manequinho arriscara seu rico dinheirinho, dera o 777, o número de azar que fora desprezado pelo nosso bom amigo. O caso é verdade e, por isso, o endosso despreocupadamente.
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quarta-feira, 14 de maio de 2014

Histórias sobre a cachaça morretiana

HISTÓRIAS SOBRE A CACHAÇA MORRETIANA.


A CACHAÇA


por CASCUDO, Luís Câmara.

Na Espanha, segundo Cascudo(1968), era fabricado uma espécie de aguardente obtida com as borras das pisas de uva. Evidentemente quando os europeus vieram para o Brasil, trouxeram os seus costumes.
A cachaça nasceu da indústria do açúcar (o Brasil foi por mais de duzentos anos a terra do açúcar), bastarda e clandestina, merecendo depois proclamação de legitimidade. A cachaça tornou-se uma bebida nacional. O brasileiro é devoto da cachaça, mas não é cachaceiro, ou seja, a cachaça se torna um eixo socializador entre os indivíduos, não sendo comparada a uma droga, mas ao cafezinho bem brasileiro. A ida a campo confirmou a concepção de Cascudo. 
Romano Marques (entrevistado e proprietário de um bar em Morretes), nos informou que uma variedade de pessoas freqüentam seu bar (amigos, médicos, clientes novos e antigos). Normalmente os clientes vão sempre no mesmo horário, todos os dias (através de uma repetição ritualística. Os ritos servem para reforçar o comportamento social e os costumes de uma cultura através da sua repetição). Chegando no bar, pedem uma “cachaça” e ficam várias horas conversando sobre vários assuntos, como futebol, política, astrologia, assuntos gerais.
A entrevista realizada no bar, de uma forma sucinta nos mostra que os entrevistados não consideram a cachaça uma droga, mas a comparam ao cafezinho ou a um bom palheiro, pois esta estabelece uma ligação entre os indivíduos.

METODOLOGIA
Esta pesquisa adotou como método a Observação Participante, onde nos deslocamos até Morretes duas vezes durante o trabalho, nos dias 14 de setembro e 24 de setembro. Passamos os dias observando e interagindo com a população nas ruas, em lojas de artesanato, loja de confecções e loja de consertos de utilidades doméstica, fomos à farmácia, panificadora, bar, hotel, escola, posto de gasolina, casa lotérica, biblioteca, associação do artesanato de Morretes, correio, alambiques e restaurantes. Os instrumentos de pesquisa foram: fotos de engenhos antigos e modernos, de pontos comerciais, restaurantes. Filmagens de restaurante, engenho e bar. Utilizamos textos literários, panfletos cedidos pela Secretária da Cultura e biblioteca e entrevistas aberta com:
- Maurício, dono do restaurante Casarão e produtor de cachaça da cidade;
- Ronaldo, representante do restaurante Madalozo
- Renato, representante do restaurante Ponte Velha.
- Rosane, presidente da Associação do Artesanato de Morretes.
- Diquinho, mais antigo produtor de cachaça da região.
- Marcel, dono do Engenho Novo.
- Malucelli, atual dono do Alambique Sítio do Campo.
- Romano, dono de bar.
- Entrevistas com moradores, comerciantes, com variação de idade de 23 a 75 anos. 
Estes moradores vivem em Morretes de 5 meses a 75 anos.

Entrevistas com pessoas da cidade de Morretes.
Nome: Fábio
Mora em Morretes desde maio de 2002 . Trabalha na farmácia, e afirma que mesmo os moradores de Morretes não comem muito Barreado, o comércio é bastante influenciado pelos turistas que passam por lá diariamente.
Nome: Francismara 
Idade : 27 anos
Nascida em Morretes, trabalha em confeitaria. Não come barreado há seis meses, acredita que o significado do barreado para a cidade seja a tradição da comida.
Nome: Elisângela
Idade: 23 anos
A cidade é conhecida pela cachaça e pelo barreado, que é o ponto principal da cidade.
Toda a cidade é movida pelo turismo. Para as pessoas mais antigas, a cachaça e o barreado ainda são muito importantes, já para a população mais jovem, já perdeu um pouco da importância. Afirma ela.
Nome: Castorina
Idade : 75 anos
A cidade sem o barreado e a cachaça não teria valor. Hoje em dia não existem mais tantas usinas como antigamente. Morretes é uma cidade boa.
Nome: Zilda
Idade : 65 anos
Nascida e residente em Morretes, costureira.
O barreado é importante por atrair turistas e por ajudar a cidade economicamente os moradores sentem orgulho do barreado. Compra barreado sempre.
Nome: Mauricio, dono de alambique e do restaurante Casarão.
Maurício possui um alambique com estruturas modernas, há um ano. Seus bisavôs tinham alambiques e ele segue a tradição.
A venda da sua cachaça é feita apenas no município de Morretes. Após o registro do Ministério da Agricultura, será possível sua exportação.
O proprietário nos informou que a EMATER e o SEBRAE estão em uma parceria para transformar Morretes no primeiro pólo de produção brasileira de cachaça de qualidade.
Maurício possui o restaurante há dez (10) anos, e nos mostrou como é feito o barreado. Nos disse que o restaurante tem seu maior movimento nos finais de semana e do mês de Novembro até o Carnaval.
Nome: Bernadete
Idade: 41 anos
Residente há 21 anos em Morretes. A cidade é beneficiada pela festa do barreado, e é beneficiada pela venda de seus produtos como pão, por exemplo, para festa.
Nome: Maria Antônia
Idade: 73 anos
Nascida e residente em Morretes, dona de hotel. O barreado não traz benefícios, pois a maioria das pessoas que vem saborear o barreado come e vai embora, não se hospeda em seu hotel. Faz barreado em casa.
Nome: Emanuel Serriys, turista belga.
Sexta vez que vem à Morretes. Já comprou casa e pretende morar em Morretes, diz que o barreado é muito gostoso e, Morretes e Brasil são o paraíso.
Nome: Rose, nascida e residente em Morretes. Morou 26 anos fora de Morretes. Quando voltou viu grandes transformações em Morretes. Diz que o barreado é apenas um complemento da natureza e ao clima que tanto atraem os turistas.
Nome: Marlene
Idade: 40 anos
Residente em Morretes desde 1992. Voluntária da associação do artesanato de Morretes.
O barreado é uma comida típica que foi inventada pelos morretenses, e é diferente dos outros cozidos.
O barreado e a cachaça trazem muitos benefícios, porque muitos empregos são gerados para o povo e ajuda a sustentar a cidade. Os moradores dificilmente comem barreado. Todo o tipo de turistas vem comprar artesanato.
Nome: Rosane
Reside em Morretes há 22 anos
Presidente da associação de artesanato de Morretes. Diz que pela influência do barreado, as vendas do artesanato aumenta e há também mais divulgação.
Para o povo simples, o barreado não interfere em nada.
Nem toda a economia de Morretes é voltada para o barreado e para a cachaça, mas também para a agricultura e cultivo de gengibre, banana, compotas, conservas e reciclagem de papel. O ponto principal de Morretes é a cachaça e o barreado, depois os outros.
Nome: Marco
Idade: 20 anos 
Nasceu em Salvador e veio para Morretes há 7 meses, ainda não comeu o barreado. Acredita que o barreado contribui para a gastronomia local, lojas de artesanato.
Nome: Marcel Duszczak 
Dono de Alambique. Marcel nos mostrou o processo da fabricação de aguardente, o moer da cana, a fermentação, destilação e a aguardente pronta. Nos informou que a cachaça se divide em três partes, a cabeça, o coração e a cauda. Muitos turistas compram sua cachaça. Anexo ao alambique, existe uma loja, onde, além da cachaça, vende-se farinha, licor e bala de banana. Marcel está tentando resgatar a tradição dos alambiques em Morretes há cinco anos.
Nome: Wilson Malucelli.
Dono de alambique. Nos mostrou o processo de produção de aguardente, e nos disse, que o gosto e a cor da cachaça são dados de acordo com a madeira usada para a fabricação do tambor onde a cachaça é armazenada (a madeira usada em seu alambique é o Carvalho). Nos disse também, que há instrumentos que medem o açúcar, o álcool e a acidez da cachaça (sacarímetro. alcoômetro, mostimetro).
Malucelli vende a cachaça no Município, e espera o registro do Ministério da Agricultura para poder exportar. Segundo ele, na década de 1960, havia aproximadamente 60 alambiques na estrada do Anhaia, sendo que sua decadência aconteceu por vários motivos, uma delas foi devido a burocracia.
Malucelli segue a tradição desde 1877, no município há cinco anos, os produtores tentam resgatar essa tradição.
Nome: Frederico Leal: Diquinho
Dono de alambique. A produção de cachaça começou com o pai de Diquinho. Durante a decadência da produção de aguardente, Diquinho continuou para manter a tradição. Ele planta cana. São produzidos em seu alambique, cerca de cem (100) litros de cachaça por dia. E para atingir cor e gosto, fica em um tonel pequeno de carvalho por seis (6) meses.
Nome: Cléverson
Funcionário do Restaurante Ponte Velha. De acordo com o funcionário, a cachaça e o barreado têm uma importância cultural e econômica. O restaurante tem aproximadamente treze(13) anos.
Nome: Rosângela 
Professora da Escola Rural Municipal. A professora nos informou que o barreado e a cachaça têm uma tradição, além da importância econômica.
Nome: Romano 
Dono de bar. Possui o bar há mais de vinte(20) anos. Os freqüentadores são sempre os mesmo e costumam ir ao bar no mesmo horário.
O bar é um ponto de encontro, onde se discutem os assuntos: política, economia, futebol, religião, astrologia, etc. Romano disse, que quando um frequentador não vai ao bar, fica faltando algo em seu dia. O bar não é um ponto de venda de cachaça, mas sim, um ponto de ligação entre os freqüentadores.

CONCLUSÃO 
Partindo da discussão teórica, analisando o trabalho de campo, conclui-se que: o Barreado e a Cachaça trazem para o povo de Morretes um significado de tradição, em que a maior parte da população sabe como se faz o Barreado e a Cachaça, como se originaram e se desenvolveram estas tradições. Neste aspecto histórico e tradicional, percebe-se não uma sociedade fragmentada, e sim uma relevância na relação do povo morretense com o Barreado e a Cachaça.

Fonte/origem: Referência Bibliográfica.
CASCUDO, Luís Câmara. 
Prelúdio da Cachaça - Etnografia, História e Sociologia da Aguardente do Brasil. 
Rio de Janeiro, Ed. Itatiaia Ltda,1968.
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A CACHAÇA MORRETIANA: 
UMA TRADIÇÃO INVENTADA ?? 

Autora: Etienne Desireé Meira
Orientadora: Profª dra. Roseli Boschilia
Palavras-chave: cachaça, Morretes, tradição.

As bebidas, assim como a alimentação, sempre foram uma necessidade biológica. Contudo, com a evolução do ser humano, elas foram ganhando outras conotações como de produtos medicinais, objetos de cultos, de oferenda de festas e obviamente, de divertimento. O comer e o beber (e em algumas regiões, o fumar) em grupo, desde a Idade Antiga, constituem práticas de sociabilidade.
Segundo Luís Câmara Cascudo, o ser humano possui duas necessidades/prazeres: o sexo e a comida. Porém, desses, o sexo pode ser sublimado, mas a comida não, sendo então esta a necessidade/prazer essencial do homem.
Se os primeiros contatos do homem com as comidas e as bebidas foram determinados por instintos de sobrevivência, hoje essa relação contém aspectos técnicos e simbólicos que reproduzem valores, costumes e crenças de quem come/bebe.
A motivação para esse estudo se deve, em primeiro lugar, à minha identificação pessoal com o litoral paranaense onde residi por algum tempo. A questão culinária nesta região sempre me chamou a atenção, pois além deste fato se configurar como um dos principais chamarizes turísticos sempre foi motivo de orgulho para os moradores. A motivação se renovou no contato que tive com os conhecimentos sobre a História e Cultura da Alimentação, no curso de História desta Universidade, quando percebi o conceito de que a comida se constitui enquanto categoria histórica, indo além dos valores nutricionais. O alimento, muito mais do que necessidade biológica, é uma temática que pode ser utilizada na História como revelador de muitos aspectos de uma época, de uma região, de uma sociedade. Por fim, como Raul Lody nos descreve em sua obra “Comer é pertencer”: “o valor cultural do ato de comer é cada vez mais entendido como um ato primordial, pois a comida é tradutora de povos, nações, civilizações, grupos étnicos, comunidades, famílias, pessoas”.[1] Visto a importância da alimentação nos estudos, este tema vem ganhando cada vez mais espaço, voz e visibilidade na historiografia. Nesta área crescente no Brasil, encontramos escritos referentes a diversos gêneros alimentícios, principalmente sobre os que têm grande importância na cultura nacional, os grandes presentes na mesa do brasileiro. A cachaça configura-se como um destes produtos, encontrando-se fortemente presente no imaginário do país. Existem textos literários sobre este tema, dos quais muitos foram utilizados na pesquisa. No Brasil, algumas cidades possuem uma relação intrínseca com a produção e consumo desta bebida e logo, podemos usá-lo como objeto e instrumento de pesquisa nestas localidades.
Morretes, situada no litoral do Paraná é uma destas cidades que nos revela uma relação singular e especial com o referido produto, visto que o mesmo está estreitamente ligado à história e ao cotidiano daquela localidade.
Motivada por essa discussão, realizei uma visita à Morretes ao ano de 2008, visando uma primeira coleta de dados. Nesta, acabei por conhecer a senhora Laurice Salomão De Bona, em vigência neste ano no cargo de Secretária Geral da Secretaria de Cultura e Esportes de Morretes. Neste encontro ela me concedeu uma entrevista e alguns documentos (alguns de próprio cunho) arquivados nesta secretaria, que me foram muito úteis posteriormente, como fontes complementares. Esta visita auxiliou a decisão de escolher a cachaça desta cidade como tema da pesquisa.
Guiando as análises, a base teórico-metodológica encontrou-se nos fundamentos da chamada Nova História Cultural. Esta surge ao momento de esgotamento das explicações oferecidas por modelos teóricos globalizantes, com tendências à totalidade, nos quais o historiador era refém da busca da verdade. Essas explicações globais, por sua incapacidade de interpretar novos agentes históricos, passaram, portanto, a ser questionados. A Nova História Cultural revela uma afeição pelo informal, por análises historiográficas que apresentem caminhos alternativos para a investigação histórica, indo onde as abordagens tradicionais não foram.
Um destes métodos alternativos de análise, que aparece com o debate intelectual e historiográfico das décadas de 1970 e 1980 é a chamada Micro-História. Conforme Giovanni Levi cita: "o princípio unificador de toda pesquisa micro-histórica é a crença em que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados".[2] Assim, esta nova forma de abordagem agora permite o estudo das práticas mais cotidianas, como a leitura, a alimentação, o vestuário, a habitação, os esportes, as viagens e as coleções e etc. Estas se transformaram em campos férteis de investigação. É na tentativa de seguir este método que utilizei a cachaça, uma bebida popular, considerada barata e por vezes desvalorizada, como o objeto de análise e pesquisa na cidade de Morretes. Toda a produção escrita pode ser efetuada, tendo esta simples bebida como pano de fundo.
A cachaça de Morretes é hoje considerada uma das melhores do país, sendo um dos artigos de maior fama local. Mas de que maneira podemos analisar a cachaça na história de Morretes? Desde quando existem registros de sua produção? A partir de quando e por que a cachaça morretiana ganhou fama e notoriedade.
A análise do trabalho se dá no âmbito histórico e cultural envolvendo a cachaça morretiana.
Temos este produto como consagrado na cidade hoje em dia, conseguindo inclusive certa fama nacional. Mas seria esta notoriedade uma tentativa, utilizando-me dos termos de Eric Hobsbawm, de se inventar uma tradição regional? Pois como o mesmo nos descreve: “Consideramos que a invenção de tradições é essencialmente um processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que apenas pela imposição da repetição”.[4] Hobsbawm ainda frisa o fato que não devemos cometer o equívoco de confundir tradições antigas que ainda se mantém vivas às tradições ditas inventadas: “a força e a adaptabilidade das tradições genuínas não deve ser confundida com a “invenção de tradições”. "Não é necessário recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos ainda se conservam”.[5] Este é um grande impasse que a pesquisa visa sanar: a cachaça morretiana é uma tradição atual inventada que se usou de práticas antigas para a sua construção? Ou finalmente, é uma tradição dita genuína que, mesmo passando por seus  altos e baixos, se mantém viva ao longo dos anos pelos moradores e visitantes de Morretes? Esta e as outras questões acima citadas se colocaram como problemática para a realização da pesquisa.
Visando discutir estas questões reveladas, a pesquisa foi dividida em três capítulos:
O primeiro capítulo foi denominado “Um pouco da história da cachaça”, por se tratar de um apanhado geral sobre este produto como gênero alimentício e sobre sua trajetória dentro da história da alimentação no Brasil.
Os primeiros livros utilizados neste momento foram os dois volumes de “História da Alimentação no Brasil” e “Prelúdio da Cachaça - Etnologia, História e Sociologia da Aguardente no Brasil”, obras de Luiz Câmara Cascudo, que retratam de forma bem descritiva e completa uma grande trajetória da alimentação no Brasil. Tais volumes me forneceram as primeiras noções sobre a produção e inserção do produto cachaça em nosso país.
Também uso um livro mais específico na pesquisa, de Gilberto Freyre. “Açúcar – Em Torno da Etnografia da História e da Sociologia do Doce no Nordeste Canavieiro do Brasil” é um livro que se baseia principalmente cotidiano nordestino para sua construção. Quanto ao açúcar e a cachaça, o livro forneceu informações estatísticas interessantes para minha pesquisa.
As obras de autores como Henrique Carneiro, Gustavo Acioli e outros também foram essenciais na construção desta primeira parte.
O segundo capítulo, intitulado “A cachaça morretiana”, é o momento em que a pesquisa se situa em seu recorte geográfico, analisando a presença desta bebida no contexto histórico, econômico, social e cultural da cidade de Morretes, no litoral paranaense.
Para este momento, o diálogo com autores como Carlos Roberto Antunes dos Santos se colocou como necessário. Em uma de suas obras utilizadas, “História da Alimentação no Paraná”, o autor nos fala de como se constrói o processo de produção alimentar no Paraná, descreve as crises de abastecimento do Estado, os produtos que aqui se produziam e etc. Também é rico no que se trata de dados estatísticos, sendo-me útil à pesquisa. Ainda como bibliografias fornecedoras de informações essenciais sobre a cachaça em Morretes, temos: “Morretes: 260 anos de memória” de Berenice Mendes, “Porto de Paranaguá: um sedutor”, de Cecília Maria Westphalen (esta constando com relatos das movimentações comerciais envolvendo o produto, o que foi de grande valia para o entendimento da importância econômica do mesmo para o litoral paranaense) e a tese “Vocabulário da Cachaça: resgate e memória”, de Jane Bernadete Lambach (esta última foi esclarecedora ao momento em que trata do vocabulário criado em torno da cultura da cachaça de Morretes. Foi a partir da leitura desta tese que consegui compreender alguns termos específicos sobre o tema, alguns inclusive antigos, esquecidos com o processo de transformação da língua portuguesa), entre outras.
Nesta coleta procurei analisar algumas das minhas questões e hipóteses, porém a busca por fontes se revelou como primordial para que respostas mais conclusivas fossem obtidas. Necessitando comprovar a constante presença da cachaça na vida morretiana e como ela foi configurando-se como um produto de grande importância na mesa, no comércio e na memória desta cidade, busquei como fontes os relatos de diversos viajantes que por lá passaram. Assim, com os registros de Auguste de Saint-Hilaire, Antonio Vieira dos Santos, Robert Avé-Lallemant, Salvador José Correia Coelho Correia, José Gonçalves de Moraes, Nestor Victor e outros, fui obtendo sucesso nas análises de minhas indagações. Além dessas fontes, obtive dados relevantes nos provimentos do ouvidor Rafael Pires Pardinho e em relatos de diversos Presidentes de Província do século XIX.
Neste compilado de informações e dados, encontrei os primeiros relatos sobre alambiques rudimentares da cidade de Morretes datando do início do século XVIII. Ao longo do século XIX, é constatado um gradativo aumento da população nesta região e o conseqüente aumento da produção e consumo de diversos produtos e gêneros alimentícios, inclusive da cana-de-açúcar e da cachaça. A pesquisa revelou que a vinda de imigrantes italianos para Morretes na segunda metade do século XIX, cumpriu importante papel na revitalização da indústria da cachaça. Acostumados com processos mais avançados na produção de vinhos na Itália, esses imigrantes passaram a administrar muitos engenhos e alambiques e incrementaram a produção, melhorando a qualidade da aguardente morretiana.
A partir desta questão da imigração no litoral paranaense e da sua relação com a cachaça chegamos ao terceiro capítulo da pesquisa: “A morretiana dos imigrantes”.
Neste momento, novamente utilizo relatos de Presidentes de Província, que descrevem o processo de ocupação da colônia Nova Itália (situada em Morretes) e como os moradores desta foram se ocupando da fabricação da aguardente. Outras referências bibliográficas também foram interessantes na construção desta fase da pesquisa, como “Lamenha Lins e o Engenho Central de Morretes”, de Ayrton Ricardo dos Santos e “A imigração Italiana em Morretes”, de Lúcio Borges.
Para a discussão do 3º capítulo, o estudo do conceito de apropriação tornou-se necessário.
Chartier, numa das proposições para a construção de uma história cultural, nos descreve este conceito (formulado inicialmente por Michel de Certeau), que define o consumo cultural como uma operação de produção que, embora não fabrique nenhum objeto, assinala a sua presença a partir das maneiras de utilizar os produtos que lhes são impostos.[6]
A apropriação, utilizada como instrumento de conhecimento para a “cultura popular”, nos leva a considerar que o leque das práticas culturais é um conjunto de práticas diversas, porém equivalentes. Para a construção desta “cultura popular”, temos os mecanismos da dominação simbólica, cujo objetivo é tornar aceitáveis, pelos próprios dominados, as representações e os modos de consumo.[7]
Com base na reflexão acima, pode-se questionar: a questão da produção da aguardente, ao ser continuada e reavivada pelos italianos, teria sido uma apropriação? Mais uma questão a ser respondida pela pesquisa. Também utilizo outras fontes de informação que contribuíram em algum momento para a pesquisa como jornais, revistas, artigos de Internet e outros documentos. 
Neste aspecto destaco o site oficial da cidade de Morretes (www.morretes.com) que traz o artigo “A Cachaça no Imaginário Morretense” e o do Museu da Cachaça Brasileiro (www.muca.com.br), que trouxeram informações visuais e estatísticas complementares.
Ao longo da pesquisa, percebeu-se que quase a totalidade destes dados coletados confirma a constante presença da cachaça na vida e na história de Morretes. Relatos de consumo e produção por moradores da região, dados oficiais que mostram a preocupação que as autoridades possuíam em regulamentar a atividade de produção, exportação e importação e ainda o interesse que este produto exerceu nos imigrantes, especialmente os italianos, nos revela a importância e a influência que a cachaça sempre exerceu em Morretes.
Desta forma, procurei responder a um dos primeiros questionamentos levantados na pesquisa: a cachaça morretiana seria ou não uma tradição inventada? A análise das fontes mostrou que a cachaça é uma tradição genuína - como quer Hobsbawm - ou seja, uma filha desta terra. O que se percebe é que a fama conquistada hoje em dia não se deveu a uma atitude forçada de se colocar em pauta a cachaça morretiana. Este sucesso pode até ter sido revigorado devido aos esforços de produtores modernos, porém essa fama não existiria se não fosse o papel que esta bebida desempenhou, no plano econômico e cultural, ao longo de aproximadamente três séculos.
Por fim, é possível afirmar que a morretiana não é uma tradição inventada, mas sim uma tradição genuína, forte, que resistiu ao longo dos anos, adaptando-se às transformações da modernidade sem perder a sua simplicidade, autenticidade e significado cultural.
Ainda nesta parte final, podemos sim atribuir este aprimoramento da cachaça ao momento em que os alambiques passam a ser, em sua maior parte, administrados por italianos. Os relatos comprovaram a ligação do reeguimento desta prática como importante atividade econômica na cidade assim como a melhora da qualidade da cachaça ao braço imigrante que se instalou em Morretes. Considero que realmente aconteceu uma apropriação desta cultura popular, em particular pelos imigrantes italianos, a partir do fim do século XIX, que passam a fazer este produto ser item constante na mesa das famílias e importante fonte de rendimento para as mesmas.
Teriam se aproveitado da região propícia e de seus conhecimentos e dons no fabrico de bebidas para reanimar um comércio que tinha um grande potencial de crescimento, pois muitos caminhos estavam se abrindo no Paraná, comunicando-o nacional e internacionalmente e a população estava em crescente aumento com a chegada dos imigrantes europeus nesta região. 
Assim estava aberto o caminho para a prosperidade da cachaça morretiana nos próximos anos.

[1] LODY, Raul. Comer é pertencer. In ARAÚJO, Wilma Maria Coelho e TENSER, Carla Márcia Rodrigues (orgs). Gastronomia: cortes e recortes, vol. I. São Paulo, SP: SENAC, 2007, p. 144.
[2] LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo, SP: UNESP, 1992, p. 139. 3 O termo se refere à cachaça produzida em Morretes, ganhando popularidade e difusão com o passar do tempo.
Atualmente, devido à fama conquistada, morretiana ou morreteana tornaram-se sinônimos de cachaça (segundo os dicionários Aurélio e Houaiss). [3]
[4] HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. 2a ed. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1997, p. 13.
[5] Ibidem, p. 16.
[6] CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, passim.
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A cachaça morretiana e seus usos turísticos na contemporaneidade.

Por Etienne Desireé Meira.

Resumo: 
A partir das últimas décadas do século passado, ocorre uma expansão comercial e turística na cidade de Morretes, localizada no litoral do estado do Paraná. Um dos principais fatores para tal expansão é a valorização do setor gastronômico, que coloca as comidas locais, como a cachaça artesanal (conhecida na região por morretiana), em evidência. Essa última passa, a partir de então, a ser vista como um importante patrimônio cultural e chamariz turístico. É com base nessa situação e através de estudos de fontes, bibliografias e observações feitas em visitas de campo que objetiva-se vislumbrar alguns dos vínculos estabelecidos entre a gastronomia, o turismo e o patrimônio cultural, tomando-se como base de estudo a morretiana e como ela vem sendo item essencial nos processos de transformação e crescimento econômico da cidade, que procura se inserir como destino importante nos roteiros turísticos da contemporaneidade brasileira.
Palavras-chave: Cachaça morretiana, Morretes, Patrimônio cultural.

O presente artigo visa discutir essa questão, tomando como base o estudo de caso da cidade de Morretes, situada no litoral paranaense. Pretende-se discutir a relação existente a cidade e o uso turístico de seus patrimônios culturais, especificamente de um produto da sua gastronomia: a cachaça artesanal produzida em seus engenhos. Patrimônio este que é material, imaterial e capital cultural. Para tal, apresentam-se algumas considerações sobre a tríade patrimônio cultural, gastronomia e turismo, também um breve histórico da produção de cachaça no Brasil e, posteriormente, na cidade, bem como as transformações em direção ao turismo gastronômico ocorrido nesse município paranaense.

Um pouco da cachaça no Brasil.
A cachaça é reconhecida internacionalmente como um produto tipicamente brasileiro, devido ao seu histórico de produção e ao crédito da invenção dessa bebida estar associada ao Brasil. A bebida que hoje conhecemos como cachaça surge no período canavieiro, com a ideia de se destilar o caldo de cana produzido na moagem, que era sujo e às vezes azedava.
Segundo o que é relatado nas visitas feitas ao Museu do Homem do Nordeste (em Recife, Pernambuco), jogava-se o caldo da cana num tacho e levava-se ao fogo mexendo sem parar, para que se formasse o melado. Por vezes, o ponto deste melado desandava e este produto era deixado de lado. Depois de algum tempo, este caldo azedava. O caldo azedo e sua espuma feculenta e abundante eram chamados de cagaça ou cachassa (ASSOCIAÇÃO..., [s.d.]). Os relatos da criação deste vinho3 de cana-de-açúcar datam de 1532 a 1548, na Capitania de São Vicente, servindo de alimento para os animais (PORTAL SÃO FRANCISCO, [s.d.]). Posteriormente, começou a ser fornecido aos escravos. Pyrard de Laval 4, em 1610, estivera na cidade de Salvador e registrou: Faz-se vinho com o suco da cana, que é barato, mas só para os escravos e filhos da terra. (PYRARD DE LAVAL apud  CASCUDO, 1986, p. 15).
A denominação cachaça para uma bebida de base alcoólica não era comumente usada entre os séculos XVI e XVII. Neste período, o nome mais corriqueiro para a bebida eram os termos garapa azeda ou doida. (ALGRANTI, 2005). Ao longo do século XVII, outro nome costumeiro entre os portugueses para denominar a cachaça era jeribita ou geribita. (CASCUDO, 1986, p. 21).
Os destilados se tornam produtos de fácil acesso apenas na época moderna, a partir do século XVI. Antes disso, o álcool destilado (inclusive a aguardente) era visto como um raro e precioso remédio (CARNEIRO, 2006, p. 4). 
As primeiras destilarias de cachaça surgem, no Brasil, entre os séculos XVI e XVII. Esta fabricação, tão cedo instalada, concede uma aura de competência aos profissionais de alambiques, pela fama de boa qualidade que este produto conquistava por onde era divulgado.
Apesar disto, a cachaça consolidou-se como um produto de baixo status econômico. Sua própria distribuição, venda e consumo muitas vezes se deu às margens da lei ou em pequenos estabelecimentos, agregando, em síntese, os marginalizados do sistema.
Esse produto passa a ser valorizado apenas no início do século XX, com a Semana de Arte Moderna acontecida em 1922, quando alguns modernistas tomaram a cachaça como um símbolo de brasilidade.

Um pouco da cachaça em Morretes.
A cidade de Morretes está situada no litoral paranaense, na encosta da serra do mar, limitando-se com os municípios de São José dos Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Campina Grande do Sul, Antonina, Paranaguá e Guaratuba. Está a 73 quilômetros de distância da capital Curitiba. Todas as divisas municipais são formadas por acidentes geográficos, sendo que a área é rodeada por rios, espigões e serras. Apesar de situar-se no litoral, Morretes não é banhada pelo mar. Sua área compreende 685 quilômetros quadrados e seu clima consta como tropical superúmido, de média anual de 25º Celsius.
Por sua riqueza natural, a região de serra do mar contida em Morretes foi tombada pelo Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná em 1986 (SECRETARIA..., [s.d.]). Já em 1991, foi a vez da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) reconhecer a parte da região como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, em função de seu patrimônio ecológico (UNESCO, [s.d.]). Por isso mesmo, somente 30% da área total do município de Morretes podem ser ocupados e ter uso residencial ou empresarial. 
A história do reconhecimento deste território data do século XVI, devido a uma série de expedições empreendidas tanto por portugueses quanto por espanhóis. Devido à comunicação com o oceano Atlântico, o litoral paranaense configurou-se como um importante entreposto comercial para o Brasil Colonial. Morretes foi um dos primeiros núcleos populacionais do Paraná.
As principais atividades na região até meados do século XIX foram a extração de ouro, o cultivo de erva-mate (uma das atividades mais prósperas da cidade) e a agropecuária, além de um pequeno plantio  de cana-de-açúcar (BONA, [s.d.]b). 
De Paranaguá, os exploradores subiam o planalto à cata do ouro no século XVII. Morretes chegou a ter algumas jazidas de destaque na vida econômica paranaense. Mesmo na fase de decadência desta economia, a maioria dos que já haviam se instalado continuaram na região, pois durante esta fase surgiu uma pequena agricultura e criação de gado bovino, que abastecia os arraiais e vilas que se constituíram próximas dali (LICCARDO; SOBANSKI; CHODUR, 2004, p. 48). Já no início do século XIX houve o florescimento de uma economia baseada na produção da erva-mate (BONA, [s.d.]a). 
Encontrando terras férteis, solo de massapé e clima favorável, assim como a erva-mate, a cana-de-açúcar foi aos poucos ganhando espaço nas lavouras morretenses. Junto aos engenhos de açúcar, era comum a presença de pequenos alambiques de aguardente, para se aproveitar a produção de cana já existente (BONA, [s.d.]b).
Os primeiros relatos da existência de alambiques rústicos de aguardente em Morretes datam do século XVIII. Durante o século XIX, foram abertos ou melhorados alguns caminhos que passavam por Morretes, otimizando a rapidez e maior circulação de mercadorias, como a Estrada da Graciosa (ligando Antonina à capital Curitiba), o Caminho do Cubatão (ligando Morretes a Paranaguá) e mais tarde a Estrada de Ferro, ligando o Porto de Paranaguá a Curitiba (W ESTPHALEN, 1998, p. 35 e 37). 
Tal fator influenciou no aumento da produção e do comércio de gêneros no litoral paranaense, inclusive da de aguardente de Morretes.
Outro fator a se destacar nesse período é que, devido ao crescimento do comércio e exportação de erva-mate, atraiu-se um crescente número de tropeiros para a região. Muitos deles acabavam também transportando aguardente, divulgando cada vez mais o produto e o uso deste (SANTOS, 1950, p. 27). Os produtores de aguardente se aproveitavam do embalo econômico para irem aprimorando suas propriedades. 
É só a partir da segunda metade do século XIX que essa atividade intensifica-se e ganha importância econômica, período em que a cidade recebe uma grande massa de imigrantes italianos, fruto das políticas públicas e privadas de incentivo à imigração europeia da época (realizadas devido à necessidade de arrecadação de mão de obra, visto a decadência da escravidão no País e sua posterior abolição). Isso acontece porque boa parte desses imigrantes chegam trazendo conhecimentos diversos sobre destilaria e fermentação, além de técnicas de metalurgia em cobre (usadas na construção das tinas e alambiques de fermentação e destilação), o que alavanca a qualidade da aguardente da região e começa a inseri-la no mercado nacional. 
Os imigrantes foram, em sua maioria, instalados na colônia denominada Nova Itália, em Morretes. No ano de 1878, foi noticiada a construção do Engenho Central, no centro desta colônia, que deveria trazer prosperidade para esta, produzindo açúcar e aguardente, contando principalmente com a matéria-prima produzida pelos próprios colonos desta comunidade (SANTOS, 2007, p. 15).
A produção de cachaça em Morretes continuou sendo dominada pelos italianos e seus descendentes até meados de 1940. É nessa mesma década que o Engenho Central cessou a sua produção. Essa atividade, assim como outros setores da economia da cidade, sofreu uma crise, que será superada apenas aos finais dos anos 1980, quando o município voltará suas atenções para a área turística, colocando em evidência as suas belezas naturais e seus patrimônios gastronômicos: o barreado e, novamente, a cachaça. 

Sobre o turismo rural em Morretes.
Hoje em dia, Morretes é famosa como ponto turístico paranaense. Seus atrativos são vários. Os turistas são convidados a visitarem seus rios rodeados pela flora e fauna da Mata Atlântica preservada, os seus casarões históricos circundados pelas feirinhas de artesanato e, principalmente, os seus restaurantes, para provarem a sua gastronomia típica, composta pelo prato chamado de barreado, acompanhado de uma dose de cachaça morretiana.
Percebemos que o município de Morretes antecipou-se a esses reconhecimentos oficiais, internacionais e nacionais, da alimentação como um bem cultural e turístico. Na verdade, podemos pensar que os reconhecimentos oficiais vieram apenas para selar a constatação da importância da gastronomia como um patrimônio, pois esse é um fenômeno que já estava acontecendo em vários territórios brasileiros.
Como já citado anteriormente, os primeiros esforços no sentido de introduzir a cidade de Morretes num cenário turístico nacional se deram nas gestões que administraram a cidade no fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990. Essa data não é fruto do acaso, pois no início de 1989 ocorreu uma enchente que inundou a cidade e destruiu boa parte da economia local, que até então se baseava na agricultura. Tal fato forçou os gestores públicos dos anos seguintes a tomarem medidas políticas fortes, objetivando uma recuperação rápida da cidade, mesmo que isso significasse a mudança de seu eixo econômico e comercial (GIMENES, 2011, p. 169-170). 

Esse centro histórico, onde se concentram além dos restaurantes, lojas de artesanato e outros comércios, é um local que agrega fácil localização e acesso, uma bela paisagem natural (constituída pelo rio Nhundiaquara e pela Mata Atlântica no entorno), casarões históricos, calçadas de pedra, entre outros itens. Porém, a maioria dos engenhos de produção de cachaça não se localizam neste centro. Eles estão espalhados pela área rural do município, permeados por estradas de chão batido. O que podemos encontrar no centro histórico e comercial é apenas a morretiana já engarrafada, pronta para o consumo. Os seus locais de produção ainda não configuram parte do cenário patrimonial turístico da cidade, mas alguns esforços já estão sendo feitos no objetivo de se transformar essa situação.
Morretes é considerado o mais tradicional produtor de cachaça do Paraná, pelo seu longo histórico de produção de bebida que já pudemos observar anteriormente, possuindo, atualmente, cerca de vinte produtores artesanais. Dentre eles, existem engenhos que já estão preparados para o turismo, pois recebem visitantes e o fazem de forma bastante satisfatória. Algumas dessas unidades de produção são anteriores ao boom gastronômico da cidade, mas aproveitaram-se desse momento para revitalizarem suas propriedades e alavancarem seus negócios. Outras surgem depois desse momento, instalando-se em Morretes na década de 2000, com a economia em volta da cachaça já consolidada. Esses últimos aproveitam a oportunidade para investirem em tecnologias mais modernas de produção, trazendo uma heterogeneidade interessante para a produção da morretiana.

Notas
* Etienne Desirreé Meira: Graduada em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade pela Universidade da Região de Joinville (Univille).!
Fenômeno que Claude Fischler, Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari chamam de Mc’Donaldização dos costumes (FLANDRIN; MONTANARI, 1998).2 FISCHLER, Claude. L’hom nivore. Paris: Poche Odile Jacob, 2001.3
Existem vários tipos de vinhos pelo mundo: de uva, de arroz, de milho, de leite, de azedo de palmeira, de agave, etc. Também inúmeras aguardentes: do bagaço da uva, do mel da cana (cachaça), de caju, de raízes de pimenta, entre outras.4
François Pyrard de Laval foi um navegador francês que visitou diversas regiões do mundo, inclusive a costa brasileira, entre fins do século XVI e começo do século XVII.5
Massapé é um tipo de solo de cor bem escura, quase preta, encontrado em algumas regiões litorâneas brasileiras. É um solo muito fértil e, portanto, excelente para a prática da agricultura. 
No período colonial, foi muito explorado na agricultura de cana-de-açúcar. O massapé tem em sua composição uma elevada presença de argila (SUA PESQUISA, [s.d]).6 Morretiana ou morreteana são os termos usados como referência à cachaça artesanal produzida na cidade de Morretes (PR). O termo ficou tão conhecido que já consta em vários dicionários.
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A cachaça no imaginário morretense

Trabalho apresentado à disciplina de Antropologia do Curso de Psicologia.
Prof° Gilberto Gnoato
Equipe: Liomar Furquim, Márcia Regina Skorupa, Mariana Betta Lobato, Paola Schubert, Rafaela Celinski, Sophia de Lima Chessio e Stephanie Consentino.

1 – DISCUSSÃO TEÓRICA
Com o auge da produção de açúcar em todo o Brasil foram decretadas as implantações de engenhos centrais em determinados pontos do país. Um destes foi introduzido na cidade de Morretes.
O engenho central de Morretes foi implantado na Colônia Nova Itália, com o apoio do poder público, (pode contar com a quantia inicial de 100 contos de réis destinada ao seu engenho). Estabelecido um contrato com os colonos da nova Itália estes deveriam produzir a cana e vendê-la somente ao engenho central (BORGES, 1984).
Descontentes com o baixo preço que recebiam pela cana-de-açúcar e por considerar o trabalho quase que escravo decidiram suspender a venda de cana ao engenho central e pediram a construção de um engenho de aguardente, pois a colônia possuía estrutura para o tal. Foi assim que surgiram os engenhos de alguns imigrantes. A decadência do engenho central iniciou-se com a morte do seu dirigente, e com a visita de D. Pedro II que questionou a qualidade da cana do nosso litoral. Daí para frente passou a depender da ação empreendedora dos italianos que inicialmente dedicaram-se a produção de aguardente (BORGES,1990).
Os pequenos produtores de aguardente começaram a concentrar-se por toda a região, a maioria ao redor do Anhaia e ali instalaram-se e desenvolveram seus alambiques passando a produzir a famosa cachaça morretiana. Nessa época, Morretes, possuía por volta de 40 engenhos de aguardente e sua cachaça foi se popularizando por todo o país, representando a grande parte da economia da cidade e influenciando diretamente na cultura dos nativos. Mesmo com uma forte influência econômico-cultural os engenhos de aguardente também não resistiram a falta de mão-de-obra, de água, altos impostos, passando a dedicar-se a novas culturas (maracujá e gengibre) (BORGES,1990).
Hoje a cana é praticamente extinta em Morretes, e seu nome utilizado para rotular as cachaças vindas de São Paulo. Mesmo com uma excelente geografia e com sua cachaça já considerada uma das melhores do Brasil, toda a história e o engenho morretense estavam sendo totalmente perdidos, mas graças a implantação de novos projetos e grandes perspectivas, hoje há uma visão de reciclagem e desenvolvimento da “velha cachaça morretiana” (SCUCATTO, 2001).

A cachaça como cultura e elo de integração:
“Em Morretes, cachaça não é droga. O conceito de droga é muito mais amplo que a sua farmacologia e não está limitado apenas aos parâmetros biológicos. Fato é que ao desprender a droga de um conceito orgânico, remete-se sua discussão aos parâmetros sociológicos e culturais” (GNOATO, 2001). 
“As drogas produzem um efeito de exclusão social, e desintegração cultural, droga não faz parte da nossa cultura. O que caracteriza a microrregião do litoral paranaense é justamente o seu caráter relacional, todos se relacionam com todos e com certeza quando é preciso "quebrar o gelo" de uma visita inesperada, nada melhor do que a magia de um bom gole de cachaça para relaxar qualquer tipo de frieza” (GNOATO,2001).
“Não se pode perder de vista que a cachaça é um forte elemento cultural da nossa região. Se a função da cultura é estabelecer um elo de ligação entre os indivíduos, é pela cachaça que se chega a uma conversa saudável. Depois, fuma-se um palheiro, bebe-se mais uma pinga e toma-se um cafezinho. Este é o ritual da solidariedade morretense, porque em Morretes, cachaça não é droga” (GNOATO, 2001).
Ali se reúne uma variedade de pessoas, cada grupo com seus costumes. É a turma do futebol do sábado. Ao menos eles dizem que jogam bola. Pouco mais adentro, na ponta de entrada do balcão, ficam aqueles que gostam de estar entre o público e o privado. Normalmente são eles os mais simpáticos. Amigos de quem passa pela rua e de quem entra no bar. A parte central do balcão fica para o atendimento daqueles fregueses que não bebem muito. É a parte neutra do estabelecimento. A ponta dos fundos, já em meio a uma certa penumbra, é o lugar da reflexão. É a parte privada do bar. Ali se concentram os críticos. Não fazem questão de serem cumprimentados pela exterioridade, já que suas conversas estão voltadas para dentro (GNOATO, 2001).
Neste lugar eles destituem o presidente, assumem a prefeitura e transam com as mulheres mais bonitas da cidade. Normalmente eles estão de costas para fora. Não querem saber do mundo, ou melhor, não vivem o mundo. Lá pelas tantas, acabam todos abraçados na garrafa. Ir a este bar, não deixa de ser uma aprendizagem antropológica. É um verdadeiro ritual, pois todos os dias, no mesmo horário, lá estão as mesmas pessoas com as mesmas conversas. Através da repetição, os ritos servem para reforçar o comportamento social e os costumes de uma cultura. Para que melhor do que samba, cachaça e futebol (GNOATO, 2001).
Segundo GNOATO (2001), que particularmente vem desenvolvendo um importante trabalho de resgate e conscientização cultural na cidade de Morretes, a sociedade morretense iludida com o falso desenvolvimento está deixando perder seu grande valor histórico-cultural. Os engenhos para muitos, hoje não passam de um fato histórico que perdeu-se em ruínas. Entretanto toda sua contribuição cultural e perspectiva econômica deixada por eles, estão presentes nas casas através de quadros, artefatos e na memória dos nativos, nos quais os engenhos desencadearam toda sua cultura que deixou marcas. Hoje a cana é praticamente extinta no município de Morretes e seu nome utilizado para rotular as cachaças vindas de São Paulo. Mas graças a um grande trabalho que vem sendo desenvolvido na cidade há possibilidade de ocorrer o resgate da cultura e a conscientização da verdadeira importância, não só dos engenhos e seu produto, mas de toda a história da cidade que não pode deixar para trás seus vestígios culturais e tradição, devido ao inserimento de uma modernidade ilusória.

2 – QUESTÃO DE PESQUISA
A representação social da cachaça nas famílias tradicionais produtoras de aguardente, comparada à representação social da cachaça nas famílias de novos produtores de aguardente do município de Morretes.

3 – RELEVÂNCIA OU JUSTIFICATIVA
O Governo Federal nos últimos anos incentivou o plantio da cana-de-açúcar. Esta estaria designada, não só para a fabricação dos produtos básicos extraídos da cana, como álcool e açúcar, mas também para a produção de aguardente. Visando restaurar o nome já obtido pela aguardente em todo o Brasil, o Governo Federal lançou uma lei para motivar os produtores a voltarem a produzir. 
Diante disso a história da cachaça se refaz, apontando para algumas regiões brasileiras que tiveram principal destaque, como por exemplo, em Minas Gerais, onde a tradição da cachaça já é reconhecida em todo o Brasil. Morretes, dentro desse contexto, apresenta-se como um dos promissores produtores de aguardente. Segundo Maurício Scucato, produtor e morador da cidade, a amostra de aguardente de Morretes foi apreciada por um conselho existente em Minas Gerais, que considerou-a a 2ª melhor cachaça do Brasil.
O presente trabalho partiu do princípio que Rocha Pombo no governo, em que foi Deputado Estadual (1912), auxiliou os produtores da cachaça em Morretes, que tinham na época mais de 40 engenhos de aguardente, e produzia cachaça para todo o país. Morretes tornou-se a “terra da cachaça”, sendo o principal ponto de referência quando ratava-se de aguardente.
Buscando a história da cachaça morretiana e todas as vicissitudes a que ela foi submetida, pretende-se trabalhar a situação atual e as perspectivas dos novos produtores.
Daí a importância do estudo, considerando que a produção da cachaça de Morretes não é apenas um fator de recuperação econômica, mas um fator de recuperação identitária, já que a aguardente recupera as referências ancestrais de toda uma época e um lugar.

4 – PRESSUPOSTOS
Pressupõe-se que existam duas forças atuando sobre a cachaça morretiana. A primeira seria a força econômica, mostrando o vestígio de toda uma história, de onde Morretes vivia sob uma potencialidade financeira. E a segunda, viria de uma força com conotação cultural, de unidade social, uma vez que a aguardente está presente como um elo de ligação entre os indivíduos, pela tradição e o pelo seu sentido simbólico, que se faz presente entre os morretenses.
Através de um trabalho realizado no ano de 2001 para disciplina de Antropologia Social e Cultural, sob orientação do professor Gilberto Gnoato, e deste trabalho também, orientado pelo referido professor pressupõe-se que a aguardente esteja visivelmente inscrita no imaginário morrentense, por ter sido Morretes já Ter sido uma das maiores produtoras de aguardente, chegando ser conhecida como a “terra da cachaça”.

5 – OBJETIVOS
5.1 - Objetivo Geral:
- Focalizar a representação social da cachaça nas famílias tradicionais morretenses e as perspectivas dos novos produtores.
5.2 - Objetivos Específicos:
- Identificar novas perspectivas e visões no imaginário morretense, com a retomada da produção de aguardente no município.
- Identificar a presença dos vestígios culturais da cachaça nas tradicionais famílias produtoras de aguardente, buscando artefatos, documentos e outros vestígios que representem culturalmente a simbologia da cachaça no universo morretense.

6 – METODOLOGIA
Este trabalho foi realizado com a utilização, da observação participante. Como instrumentos foram utilizadas aplicações de questionários. A construção do questionário e definição das perguntas que seriam utilizadas foram extraídas de um projeto piloto, dividido em duas categorias:
Produtores tradicionais e novos produtores de cachaça em Morretes formaram as categorias necessárias para a realização do projeto piloto. Perguntas referentes à representação social da cachaça dirigida aos produtores em seus alambiques foram suficientes para a coleta dos dados necessários e para a construção das perguntas posterior para a pesquisa em si, que fizeram parte do questionário. 
A aplicação do questionário de pesquisa destinou-se a três categorias distintas: turistas, estudantes do Ensino Médio, residentes na cidade de Morretes e adultos acima de 45 anos, também moradores de Morretes. Foram preenchidos 80 questionários com turistas, 80 com estudantes do Ensino Médio e 80 com adultos acima de 45 anos, num total de 240 questionários. Os turistas foram abordados no SESC (Serviço Social do Comércio), pelos funcionários do setor de turismo, momentos antes de uma excursão ao litoral paranaense. Os jovens, estudantes do Colégio Estadual Rocha Pombo, da cidade de Morretes, preencheram o questionário nas salas de aula com o direcionamento da coordenadora do colégio. Os adultos foram abordados nas ruas e no comércio de Morretes pelas integrantes da equipe.
O processo de investigação, que consistiu na elaboração de um projeto piloto, entrevistas, observações frente aos artefatos existentes, deu suporte suficiente para a construção e aplicação de questionário, tornando possível à realização da análise de dados, essencial para a conclusão do trabalho.

7 – ANÁLISE DOS DADOS 
7.1 - Questionário aplicado a jovens estudantes do Ensino Médio que residem na cidade de Morretes;
7.2 - Questionário aplicado a adultos acima de 45 anos, moradores da cidade de Morretes;
7.3 - Questionário aplicado a turistas da cidade de Morretes.

8 - CONCLUSÃO
Morretes, como o próprio nome expressa, é uma cidade rodeada de morros, aos quais caracterizam sua beleza natural. Já chamada de Menino Deus dos Três Morretes, a cidade é repleta de belezas naturais, cultura e tradição.
Pode-se comprovar que a valorização da imagem paisagística está introduzida não só no dia a dia das pessoas, mas faz parte da concepção ideológica de cada um, principalmente nos jovens, que através da primeira questão (aberta) do questionário, preocuparam - se em evidenciar a importância que designada a natureza local.
Engajados pelo momento político, vivenciado no período da aplicação dos questionários, muitos manifestaram seu descontentamento e a preocupação pela falta de emprego na cidade, apontado números significativos, comentados nas análises dos dados.
A tranqüilidade, fator mais evidenciado pelos adultos, que vivem na cidade, parece estar ameaçado, quando o assunto é aguardente. Devido a decadência vivida pela cachaça, esta estava perdendo-se no tempo juntamente com sua estória e tradição, fazendo com que os moradores, principalmente adultos ficassem sem uma boa referência em relação a cachaça, restando o pensamento de que ela não recupera nada e principalmente direciona os jovens, muitas vezes seus filhos e netos, para o "mal" caminho. Entretanto quando fala-se sobre a venda da cachaça, a grande maioria prefere apenas fazer a divulgação nas cidades próximas e com o tempo no Paraná, mostrando a preocupação em preservar seu produto dentro do estado.
Os turistas por estarem envolvidos pelo dia - a - dia das grandes cidades, acreditam que a melhor opção é a exportação, evidenciando a influência que elas ,as grandes cidades exercem sobre os indivíduos e grupos que nela atuam. Com os processo de globalização em que o mundo está aderindo e o livre comércio de seus produtos, sempre em busca de recursos econômicos, ou seja, visando o lucro torna-se evidente a preferência pela exportação já que este seria um método mais rápido e fácil para atingir os objetivos.
Conhecida como "terra do barreado", em Morretes este fato não se comprova, não por não ofertarem a comida típica, pois esbanjam de restaurantes e boa comida, entretanto, os jovens e adultos entrevistados, moradores da cidade, não lembram de barreado quando perguntamos sobre a primeira coisa que lhe vem a cabeça quando o assunto é Morretes. Em contrapartida eis que surgem os turistas que entre os 80 entrevistados, um pouco mais que a metade lembra-se de Barreado, mesmo que nunca tenha experimentado ou ido até a cidade, conforme nos foi relatado no momento da pesquisa.
Enfim, com o contínuo desenvolvimento do trabalho de pesquisas e as entrevistas que definiram a elaboração do questionário aplicado, foi possível comprovar que por de trás da resposta de cada um existe um pano de fundo que caracteriza toda a história e pontos principais da cidade de Morretes, e que mesmo inconscientemente as pessoas demonstram essa internalização de uma cidade rodeada por tradição cultura e ao mesmo tempo a modernidade.

9 - Referências Bibliográficas 
BORGES,L. O Marumbi por testemunha. 18°ed. Paraná: O formigueiro, 1984.
BORGES.L. A Imigração Italiana em Morretes. Paraná: O formigueiro, 1990.
GNOATO, G. Citação de referencial e documento eletrônico. 
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Cachaça: a legítima morretiana


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Priscila Forone - Gazeta do Povo
PRODUÇÃO
Cachaça: a legítima morretiana
Berço da cachaça: Morretes é responsável por 10% da produção total da bebida no Paraná.

25/11/2011 - CINTIA JUNGES, ESPECIAL PARA A GAZETA DO POVO.

A tradição de Morretes na produção da genuína cachaça brasileira rendeu fama e reconhecimento que foi parar até no dicionário. No Aurélio, o verbete morretiana é sinônimo da bebida, típica do Brasil. Não é à toa. Registros históricos comprovam que a cachaça começou a ser produzida no município no século 18.
O auge da produção, porém, foi no século 20, na década de 1940,quando havia mais de 40 engenhos. Hoje, com 15 alambiques, Morretes lidera a produção de cachaça no litoral e contribui com 10% de toda a produção paranaense, segundo o presidente da Associação dos Produtores de Cachaça Artesanal do Paraná e diretor comercial do Alambique Porto Morretes, Fulgêncio Torres Viruel.
A bebida que sai dos alambiques de Morretes – cerca de 400 mil litros por mês –, é destinada ao mercado consumidor nacional e internacional como, por exemplo, a cachaça orgânica da Porto Morretes, exportada para os Estados Unidos, Canadá e Suíça. A empresa, que em 2004 reativou um alambique do século 18, decidiu agregar valor ao produto e investiu na produção de cachaça orgânica.
Todo o processo de produção – do plantio da cana-de-açúcar até o envasamento final da bebida – é feito sem a utilização de produtos químicos. Luciane Fernanda Rosa, que trabalha no local, explica que até o fermento adicionado ao caldo para a fermentação é natural, feito com fubá amarelo, farelo de arroz e limão. Para Viruel, o segredo da legítima morretiana “está na combinação entre as antigas técnicas artesanais de fabricação da bebida e a modernização da produção, que é totalmente adequada aos padrões de qualidade exigidos”.
Feita com o coração, como é chamada a parte nobre do caldo fermentado, a cachaça final é branca e leva o nome de prata. Entretanto, a especialidade do alambique centenário da Porto Morretes é a cachaça ouro, envelhecida em barris de carvalho.
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A cachaça orgânica de Morretes 

por Bruno Rezende.

A cidade de Morretes sempre foi famosa pela tradição na produção de cachaça, que data de 1700. O empresário Fulgêncio Torres resolveu unir toda a tradição local dos antigos engenhos com a alta tecnologia de produção da bebida para criar uma cachaça orgânica. Cada parte do processo de produção da cachaça Porto Morretes é rigorosamente controlada, desde o plantio da cana-de-açúcar – livre de agrotóxicos – até o produto final, garantindo um produto puro, saboroso e certificado internacionalmente no mercado mundial de produtos orgânicos.
Abaixo segue uma entrevista feita com o empresário pela TV local. 
É um vídeo bem explicativo que mostra o processo produtivo de uma cachaça orgânica:





Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial

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Cachaça é mais um produto típico de Morretes

por Cintia Vegas
Publicação: 21/01/2011
Atualizado: 19/01/2013

Loja de cachaça - Alambique Sítio do Campo - Morretes
Exposição de cachaça - Gnatta

Moinhos Gnatta - Um dos moinhos, considerado o mais antigo do Paraná, produz a bebida há mais de 100 anos - a cana é moída em moenda de ferro.



















O barreado e a bala de banana não são os únicos produtos típicos de Morretes, no litoral do Estado. A cidade também vem ficando famosa pela fabricação de cachaça, sendo que a atividade já é considerada um atrativo turístico. A produção anual é de 100 mil litros da bebida, preparada em um total de 15 engenhos.



(Foto de Anderson Tozato) 
Sueli Gnatta: quarta geração, e primeira mulher na produção.
Um dos mais famosos é o moinho Engenho da Serra, localizado na região do Marumbi e comandado, há exatos 101 anos, pela família Gnatta, de origem italiana. O local produz 10 mil litros por ano de cachaça de cana e é considerado o mais antigo engenho do Paraná ainda em funcionamento.
“Também somos o único moinho não elétrico de Morretes, movimentado por roda d’água. O negócio foi iniciado em 1910, por meus bisavós, que vieram da Itália em 1891. Passou para meus avós, depois para meus pais e agora para mim. No futuro, espero que seja tocado por um de meus filhos, sendo que o mais novo já vem demonstrando interesse em dar sequência à atividade”, diz a proprietária do engenho, Sueli Gnatta, que é a primeira mulher na família a produzir cachaça.
A bebida fabricada no Engenho da Serra é feita apenas com cana produzida na cidade de Morretes. A qualidade da cana, assim como a temperatura de cada localidade, é o que diferencia a cachaça produzida em uma determinada região de outra.
“Em nosso moinho, a cana é moída em moenda de ferro, vai para fermentação, onde fica de três a cinco dias, é levada para destilação em alambiques e depois para tonéis de envelhecimento, já estando pronta para consumo”, explica Sueli.

Moinhos Gnatta - Único moinho não elétrico de Morretes, movimentado por roda d’água.
Safra
Cada tonelada de cana gera cem litros de cachaça. A safra em Morretes acontece entre os meses de junho e dezembro, quando a cana é considerada de melhor qualidade para a produção da bebida.
A cada ano, a primeira cachaça produzida no moinho não é aproveitada, pois tem entre 65% e 75% de álcool. “Esta primeira cachaça acaba sendo usada para esterilizar materiais que temos no restaurante que mantemos ao lado do engenho”, afirma.
O estabelecimento também é chamado Engenho da Serra, funciona em uma casa com mais de 100 anos de construção e tem capacidade para atender 130 pessoas, estando aberto para almoço nos sábados, domingos e feriados.
A cachaça considerada boa, segundo Sueli, tem entre 38% e 45% de álcool. Além de ser vendida pura, no Engenho da Serra o produto também é comercializado com sabores de frutas naturais, como banana, figo e limão siciliano.
As garrafas custam entre R$ 10 e R$ 50, sendo a mais cara a que tem um rótulo alusivo ao centenário do engenho, com foto dos fundadores do local. “Nossa cachaça é vendida exclusivamente em Morretes. Porém, outros produtores da cidade enviam seus produtos para outros estados e mesmo para o exterior. A cachaça de Morretes já foi comercializada até no Canadá”, frisa.
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CACHAÇAS MORRETIANAS


por Éric Joubert Hunzicker 
Morretiana: A cachaça no imaginário morretense.

BREVE HISTÓRIA DA CACHAÇA DE MORRETES.
Como em todos os segmentos, também na fabricação de cachaça Morretes têm muita história. 
Uma história que, em muitos casos está perdida para sempre. 
Como sabemos, a “morretiana” (é assim que o dicionário Aurélio identifica a nossa cachaça) já era fabricada pelo primeiro colonizador, João de Almeida. Para que tenhamos uma ideia da localização do engenho de João de Almeida, ficava mais ou menos onde hoje é a esquina da Rua Coronel Rômulo José Pereira com a Avenida João de Almeida, sendo que a água do Rio Santa Cruz que desemboca ao lado do Hotel Nhundiaquara era a sua força motriz.

Aqui, alguns dos engenhos que encerraram suas atividades:
Bento Placídio Garibaldino Teixeira – Rio Sagrado;
De Bona & Irmãos;
Narciso Malucelli & Irmãos – Fortaleza;
Irmãos Freitas – Pantanal;
Dorcílio Gabriel de Freitas – Rio Sagrado;
Sebastião Scucato – Núcleo Rio do Pinto;
Irmãos Malucelli & Cia, Ltda. – Anhaia;
Reginaldo Ramos – Mundo Novo; 
Irmãos Apolinário - Anhaia;
Chain Maia – Fartura;
Marcos Malucelli & Irmãos – Sítio Grande - Central;
Loury Cordeiro Alpendre – Sítio do Campo;
Robert Léo Royer – Cabrestante;
Pedro Sanson (Agostinho Sanson) – Anhaia;
Pedro Manso da Silva – Anhaia;
Irmãos Pazinatto – Anhaia;
Viúva Silvério & Filhos - Anhaia;
Antonio Dalcuche - Marumbi; 
Brambilla & Cia.;
João de Andrade;
Agro Indl. e Coml. Morretes S. A. – Núcleo Rio do Pinto;
Agropecuária Sinuelo – Rio Sagrado.

Necessário também citar o nome de Alfredo Malucelli que como engarrafador ajudou a elevar o nome da cachaça morretiana.
É importante destacar que o Engenho da Família Royer fabricou também Cognac, Whisky, Gin, etc., cujos rótulos estão aí para comprovar.







Hoje, temos novamente um grande incremento na fabricação da cachaça em nosso município. 
Estão em plena atividade os antigos engenhos:
Irmãos Leal – Mundo Novo do Anhaia; Família Gnatta – Marumbi.

Os que investiram na construção de novos engenhos, usando a antiga tecnologia são:
Engenho Novo, de Marcel Dusczak – Sítio do Campo;
São Pedro, de Irmãos Scucato & Cia. – Contenda;
Colibri, de Helmut Hagedorn – Rio Sagrado;
Cachoeirinha, de Lino Abreu Rodrigues – Floresta Rio Sagrado.

Usando tecnologia altamente avançada temos os seguintes:
Porto Morretes, da Agro-Ecológica Marumbi Ltda – Marumbi; 
Americana – Engenho Penajóia - Marumbi; 
Magia da Serra – Vardinho.

Texto cedido por Éric Joubert Hunzicker 

Fabricação de cachaça vira atração turística em Morretes:
Fonte: Correio do Litoral
Link: http://correiodolitoral.com

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Curiosidades
Fluxograma da produção de cachaça






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Ilustrações Pertinentes




Fermentação
























  

Folhas da cataia

Plantação da cataia

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Rótulos da cachaça morretiana.

Obs:- Os rótulos aqui expostos, em sua maioria, são antigos. Estou publicando a título de curiosidade, pois os mesmos ficaram para a história.






















































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MORRETES - A CIDADE MARAVILHOSA.

Vejam também, em vídeo, comentários do morretense, Éric Joubert Hunzicker, sobre a cachaça morretiana.

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