quinta-feira, 15 de maio de 2014

Crônicas Esparsas - por Túlio Lapagesse De Pinho

CRÔNICAS ESPARSAS.  
por Túlio Lapagesse De Pinho.
Túlio Lapagesse De Pinho

Túlio Lapagesse De Pinho 
com a sua amada
esposa Edite Amatuzzi De Pinho.
Túlio com a sua amada filha 
Maria do Rossio.
Túlio com seu amado filho 
Luís Antônio.

Crônicas Esparsas, 
por Túlio Lapagesse De Pinho 

Trata-se de uma coletânea de textos curtos, interessantes, curiosos, prazerosos e bem-humorados, trazendo o colorido primaveril das crônicas sobre os mais variados assuntos, marcados no dia-a-dia, no "bric-a-brac" da hilaridade e da seriedade humana.
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CALIDOSCÓPIO - 1975 

Parte 01/04
Publicação patrocinada pelo Conselho Municipal de Cultura de Paranaguá.

Agradecimento do administrador do Blog:
Ao IHGP - Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, venho, em nome da professora Maria do Rossio e sua família, com muita honra, agradecer aos colaboradores do Instituto, em especial, aos senhores, José Maria De Freitas e Ivan Lapolli Filho, responsáveis pela digitalização (202 páginas) do conteúdo da obra do saudoso autor Túlio Lapagesse De Pinho, pois, tiveram eles,  a plausível paciência e dedicação, sem medir esforços e, considerando que fizeram um belo trabalho em prol da nossa cultura, nos presenteando com essa importante oportunidade de divulgar as belas crônicas escritas por esse magnífico autor.
Muito obrigado!
Marcos Pereira - Maria do Rossio
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Outras obras do autor:
- "Crônicas do Cotidiano" - 1970 
- "Histórias & Estórias" - 1971 


Dedicatória do autor:
À Edite, minha esposa.
A Luís Antônio e Maria do Rossio, meus filhos.
Aos meus netos, Fabiane do Rocio, Maria Virgínia, Júnior, Fábio, Márcia e Luís Gustavo.
E outros que vierem...
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P R E F A C I A N D O ...

Está aqui mais uma produção do carioca-parnanguara, Túlio Lapagesse de Pinho. 
Vem, agora, brindar o mundo das letras com o seu "CALIDOSCÓPIO". Se não têm o colorido hialino do calidoscópio, tem o colorido primaveril das crônicas sobre os mais variados e interessantes assuntos, marcados no dia-a-dia, no "bric-a-brac" da hilaridade e da seriedade humana. Túlio Lapagesse de Pinho se ressente quando o chamam de escritor, jornalista, mas os que vivem na sua intimidade sabem que ele é, de fato, tudo isso, além de ser um cidadão inteligente, de raciocínio rápido,
de reflexos automáticos, cuja memória fotográfica o fazem narrar fatos com a precisão de uma "Rólley-Flex". "Calidoscópio" é isso: uma fragmentação multicolor da alma e dos sentimentos de Túlio Pinho, esse entusiasta admirador das paisagens, esse perseverante observador da vida. esse cavaleiro andante do mundo das letras, esse cidadão que ama a terra e a humanidade, e que chora e ri diante das tristezas e das efémeras alegrias das criaturas.
Vivido, experimentado, conhecendo bem o íntimo dos que o cercam, Túlio sabe onde pisa, mede o que fala e até se encolhe dentro da couraça de sua auto-defesa para não parecer bom demais e nem pretensioso, nem afoito e nem medroso, e até se nos parece inibido quando o elogiam ou o titulam de algo que ele pensa que não é: — escritor, cronista, jornalista.
Seu amor a Paranaguá, seu apego, seu carinho e seu zelo por nossa cidade merecem admiração. Da forma que ele defende um concidadão, defende o Rio Itiberê, o Meneado Municipal, a Ilha da Cotinga, assumindo características de Mosqueteiro do Rei ou de Cavaleiro da Távola Redonda, através da palavra, escrevendo-a ou falando. Assim, Paranaguá ganhou mais um bom filho, um filho inteligente, um defensor com audácias condoreiras. Túlio, que o digam os leitores, é o gênio borbulhando, é o gênio tomando formas c as formas concretizando-se na arte literária.
Agora, recentemente, escreveu sobre a morte de festejada atriz. Explodiu em verdades difíceis de serem aceitas pela contemporaneidade social, acostumada aos melosos elogios "post-mortem" e aos endeusamentos a defuntos, que em vida foram até sacrificados, condenados, desprezados e acerbamente criticados por essa mesma contemporaneidade social. "A mão que afaga é a mesma que apedreja e vice-versa".
É assim, Túlio Lapagesse de Pinho. Às vezes dá um polimento na verdade mas não deixa de dize-la, muito embora os "bacharéis" do disfarce ou do agrado defendam o amaciamento das meias-verdades ou das hipocrisias fofas para a feliz convivência com Deus e o diabo. Mas Túlio Pinho já não tem tempo para admitir essas quinquilharias, e vai por aí à fora, rasgando a terra árida das letras com o ariete de sua capacidade, de sua inteligência, de sua imaginação, de sua mente, deixando por onde passa pedaços de seu corpo, de sua alma. "CALIDOSCÓPIO" é mais um livro a figurar nas estantes de boas bibliotecas, pois merece um lugar de destaque.

Paranaguá, em 26 de março de 1975.
SWAMI VIVEKANANDA
(poeta e jornalista)
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ESCLARECIMENTO — AGRADECIMENTO

A introdução de um livro jamais deverá ser feita pelo próprio autor, que se sentirá, certamente, inibido de dizer coisas agradáveis a seu próprio respeito. Em outros dois trabalhos meus cometi esse grave erro e o resultado é que a prefação não saiu como realmente desejaria. Constrangimentos...
Por isso, procurei o poeta e jornalista Swami Vivekananda para dizer algo à respeito deste livrinho, à guiza de prefácio Esqueci, porém, que muito acima de seu conhecido e reconhecido pendor literário, Swami coloca em seus menores atos um amor que não é facilmente encontrado em outro ser humano, razão, naturalmente, da avalanche de admiradores que possui.
E o resultado é que o Amigo, explodindo em sentimentos, excedeu-se em seu panegírico, tratando-me com excessos de qualificativos que não representam a realidade; que não retratam com fidelidade, precisão e justiça, o perfil do Autor.
Peço aos leitores que não acreditem muito no que disse o Magnífico Poeta. Acreditem, isto sim, na honestidade de propósitos de que sou impregnado, ou seja, na intenção de propagar, divulgar Paranaguá através de uma obra simples e objetiva e em linguagem de comunicação, que está muito longe, porém, de representar os grandes vultos intelectuais de Paranaguá de todos os tempos. Um trabalho modesto, no qual o Autor, qual desajeitado e incipiente pintor procura, com nuanças alegres, reunir o pitoresco ao picaresco, sanando a falha técnica e tornando, assim, o trabalho menos sensaboroso.
Finalmente, um agradecimento do fundo do coração ao Conselho Municipal de Cultura de Paranaguá, na pessoa de seu integérrimo Presidente Dr. José de Mello, pelo apoio recebido e, igualmente, ao Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Paranaguá professor Nelson de Freitas Barbosa pelo beneplácito que tornou possível a publicação deste livro.
E divirtam-se com este calidoscópio, dentro do qual introduzi minúsculos fragmentos do que tenho escrito na imprensa sob o pseudônimo de "Zé do Itiberê".
Paranaguá, maio de 1975.
O Autor
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"UM URUBU POUSOU NA MINHA SORTE !"

Seis da tarde. Ou dezoito horas, como dizem alguns com ares de sabichão. Bêbados juntam-se na velha ladeira do Mercado de Verduras que, talvez ha mais de cem anos, fita e fiscaliza, diariamente, o "Colégio dos Jesuítas", hoje transformado em museu. Zeca, Pé-de-Bicho, Ferrolho, Zãozão e outros ébrios contumazes bicam, na mesma garrafa, tragos e mais tragos da "Tatuzinho" — a apreciada "água que passarinho não bebe"— que, estranhamente, dá força e vigor passageiros àquela gente miserável, marginalizada, dominada completamente pelo maldito vício. Eram seis. E a conversação era variada, entremeada com ditos, palavrões e gestos os mais obscenos. Mas o assunto, mesmo, que imperava, era o "mardito" aterro do rio Itiberê que Zeca, o mais esclarecido, ou melhor, o mais lúcido, defendia porque aquelas areias brancas lhe serviram, muitas vezes, de cama nestes dias de calor insuportável. No que era aplaudido pelo Zãozão que gabava haver ali, naquelas margens claras, derrubado muita nega para o assalto sexual antes proibido e hoje tão difundido entre muita menininha de família.
A intervalos quase regulares, todos eles — os pinguços citados — afastavam-se um pouco do grupo para esvaziar a bexiga irritada pelo excesso da caninha "Tatuzinho", deixando, na parede da casa na qual se encostavam para esse ato, efêmeras pinturas murais. Os excessos escorriam, ladeira abaixo, diminuindo, cada vez mais e adiante, a força líquida dessa estranha Sete-Quedas. Pé-de-Bicho não falava. Resmungava, apenas, palavras ininteligíveis. Os outros, cujos nomes não consegui anotar, acompanham Pé-de-Bicho nas suas clássicas manifestações alcoólicas. Na outra margem da rua, sentado comodamente em meu "Fuquinho", continuo a ouvir a conversação dos ébrios. Um deles, vez ou outra se refere às "garças pretas" que invadem, agora, o aterro situado bem defronte ao Mercado do Peixe, pois a podridão e a fedentina estão, ali, sempre presentes em maré baixa. — "Tem mais de mir!" — diz o pinguçu. — "Quarqué dia os urubu vão acaba com os peixes das bancas. Os bichos também têm fome e não são como nós que "matemo" a fome com cachaça!"
Vem chegando Maria Berruga, "habitue" do local que quer entrar no importante simpósio com a única finalidade de sorver uns traguinhos da "água que passarinho não bebe", mas é logo escorraçada com empurrões e palavrões os mais impublicáveis, mas que são ditos, hoje em dia, nas casas de família que estão por dentro do moderninho. Pouco depois a importante reunião é encerrada, pois a garrafa do "Tatuzinho" já estava completamente vazia. Cada um segue o seu triste destino. A maioria dirige-se ao "mardito" aterro, de onde sairão, certamente; somente no dia seguinte ao raiar da aurora. Ou, quem sabe, corridos por maré-de-lua. Dia seguinte, nove da matina. Vou ao Mercado em busca de algo que venha melhorar minha marmita. Lá, bato um papo com velhos amigos. Discorremos sobre o "mardito" aterro. Vejo confirmados os protestos dos "pinguçus" inicialmente falados. Agora feitos por gente esclarecida e que ama esta terra. Urubus em acirradas disputas por pedaços de tripas e detritos que são arremessados bem defronte ao Mercado do Peixe. Esgotos improvisados para corrigir os erros do injustificável aterro, feito também improvisadamente. Podridão. Mau cheiro. Mal-estar.
Turistas que vem até nós em busca de novidades, de coisas agradáveis. Decepção!
Parece que estou vendo, lá do alto da Ponta do Caju, onde tinha sua taba, a figura imponente do cacique Taquaré amaldiçoando os homens que invadiram suas regiões, suas propriedades
para destroçá-las, destruí-las em nome de um falso progresso...
E, num protesto surdo plagio, então, Augusto dos Anjos, sussurrou:
-"Itiberê, um urubu pousou em tua sorte !".
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FILAS & PULGAS

As filas sempre se constituíram em dor de cabeça para os brasileiros, tradicionais amantes da esculhambação. 
Desculpem-me o grosseiro plebeísmo.
Brasileiro não quer saber de fila — pois está viciado no clássico "jeitinho" — e, por isso mesmo, quando se organiza alguma fileira com intenção das mais justas e melhores, logo aparecem os fura-filas que, como o próprio qualificativo está a denunciar, vão "furando". E aqueles, então, que nelas entram certos de que seu direito está garantido, vão ficando para trás.
Atualmente, aqui em Paranaguá, as filas onde mais atuam os furões são aquelas que se organizam nos estabelecimentos de crédito e a do leite. Fugindo ligeiramente da questão a que me propus devo dizer que esta última, então, é caso de polícia. Não propriamente pelo fato de que fura-filas estão nelas agindo com muita regularidade e atrapalhando ou retirando o direito alheio. O caso é de polícia porque, por incrível que pareça,até agora ainda não se descobriu a fórmula mágica que faça com que Paranaguá tenha, diariamente, leite suficiente para consumo de sua população. E sem a humilhação de se enfrentar as intermináveis filas. Retornando ao assunto inicial, devo dizer que as atitudes pouco honestas dos furões têm recebido, quase sempre, a repulsa daqueles que se vêm prejudicados. Dias destes, pela manhã, entrando na fileira da "Batavo" — que já está se tornando tradicional — ouvi as mais indecorosas e impublicáveis palavras que alguns, revoltados, dirigiam àqueles que pareciam desconhecer um direito que, talvez, seja até inalienável — o da certeza de que sua vez será garantida numa fila. Em entremeio com os protestos mais veementes e extravagantes, surgiram alguns, muito engraçados, pois gozador é o que não falta nas horas de sofrimento. Registrei, por exemplo, um sofredor gritar com voz ronquenha, que dava, até um aspecto teatral à exclamação:— "Não fura a FILHA, seu filho de gambá !". Mas, vocês estão pensando que a fila é invenção nova, ou melhor, desta Era ? Nada disso ! Já nos tempos de Noé se falava nessa maldição. Tanto que o bom Noé referido, já prevendo a baderna que iria acontecer, determinou que, para entrar em sua arca, os bichos deveriam fazer fila. O que não gostou ,evidentemente, o macaco que, por ser "badernista", foi logo deportado para a terra que, posteriormente, se transformaria neste imenso e glorioso torrão verde-amarelo no qual vivemos. Muito bem. Feita a determinação bíblica, a mísera pulguinha — que seria a última da fila por sua fragilidade — também não gostou do negócio, tanto mais que já começava a chover, como prenúncio do dilúvio previsto nas Escrituras. E, dando uma de fura-fila, começou a pulguinha a pular de bicho em bicho, na esperança de alcançar a arca antes que um pingo grosso a abatesse. Ninguém percebeu a corrida da pobre pulguinha, mas quando ela pulou em cima do elefante, o paquiderme logo reagiu e protestou, vociferando:
- "Olha a fila ! Já vai começar essa baderna de empurra-empurra ?".
Pois é, meus amigos, se vocês quiserem ver pulga saltar é só entrar na fila do leite.
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AQUI SE TRABALHA

Joaquim Santos é o nome de um morretense muito humilde, pequeno lavrador que é, ocupando uma pequena faixa de terra à margem da estrada, de onde tira, com muito trabalho e suor, o sustento de sua numerosa família. Mora, mais ou menos, no quilômetro 62 da velha Estrada da Graciosa, bem pertinho de Morretes, a simpática terra dos Morais, dos Maia e também da apreciada caninha "Pau Dentro". E tem dezoito filhos, sim senhor. Claro, mora no meio do mato, não têm televisão nem rádio ! Homem reto, bom, crente, trabalhador, às seis da matina, após a oração do dia, já está ele com a pá ou a enxada à mão procurando repetir, no solo duro, o milagre da reprodução que já conseguira com muito sucesso, na multiplicação de sua família. Izael, Abel, Michael, Oziris e outros filhos mais velhos, todos com nomes bíblicos, acompanham-no na árdua tarefa. E assim, vai Joaquim Santos vivendo sua vidinha miserável mas feliz. Essas coisas que são difíceis de se compreender. Como é que um sujeito paupérrimo, cheio de filhos, trabalhando de sol-a-sol, ainda se considera o sujeito mais feliz do mundo ?
Certa autoridade de nosso Estado, em outros tempos que não vão assim tão longe, era um sujeito eficiente, mas muito vaidoso. E, em tudo que fazia ou mandava fazer, se manifestava esse pecado que acompanha a humanidade, em pequena ou maior escala. Se fazia realizar uma obra qualquer, lá estava um enorme letreiro, às vezes feéricamente iluminado, indicando o autor do feito. Uma vez pronta a obra, era mais que certo que levaria ela o nome de seu autor. Por isso mesmo pulula, em nosso Estado, uma enormidade de obras que receberam o nome da referida autoridade, pois o nosso amigo sempre mexia, naturalmente, com os pauzinhos mágicos da política — no que era muito habilidoso — para conseguir esse intento. E até nas estradas de rodagem se manifestava essa sua qualidade negativa, que também é de todos nós e que indica as coisas vãs, instáveis e de pouca duração. Mas ocasiões haviam em que era impossível mencionar-se a sua personalidade, isto é, o seu nome, como é o caso daquela enorme quantidade de cartazes pregados pelas ruas, nas estradas etc, com o dístico "Aqui se trabalha". O que representava, realmente, uma verdade, pois o distinto era, de fato, muito trabalhador e sua gestão foi marcada por uma fase de grande progresso para nosso Estado. Isso não o livra, entretanto, da pecha. Como, de resto, pouquíssimos políticos dela se liberam, quando no Poder. É muito natural que seja assim, pois o ser humano é cheio de pecados. Vai daí, os funcionários encarregados de colocar aquelas placas — "Aqui se trabalha" — nas estradas, obedecendo-se a uma distância regular, toparam com uma dificuldade. É que a placa que correspondia, exatamente, à frente da modesta casa do morretense Joaquim Santos, inicialmente falado, não tinha onde ser pregada ou colocada, pois no local não havia sequer um poste ou mesmo uma simples árvore para nele o sugestivo dístico ser dependurado. Mas, para tudo existe remédio, pois não ? E naquela impossibilidade, os zelosos funcionários, após a devida aquiescência do Joaquim, proprietário da choupana, colocaram no frontispício da casa e bem acima de sua porta o "Aqui se trabalha", indicativo de uma fase de progresso de nosso Estado. E agora, quem passa no lar feliz de Joaquim Santos, na Estrada da Graciosa, não vê simplesmente seus dezoito filhos, todos "made in Morretes". Percebe, isto sim, que por uma interessante marotagem do destino, a única placa, das milhares que foram espalhadas pelo Estado, aquela é exatamente, a única que mais convence, a única que representa uma realidade cristalina... Quem quiser se certificar da exatidão do narrado acima é só fazer um passeio até o quilômetro 62 da velha Estrada da Graciosa que lá, na certa ainda encontrará aquela placa, os 18 filhos de Joaquim Santos e o que mais desejar para comprovação da verdade.
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AO PÉ DA LETRA

Pertencia a uma família muito religiosa, dessas que estão rareando hoje em dia. Das que não perdiam missa aos domingos e faziam suas fervorosas orações à noite ao deitar e pela manhã, ao levantar. E, mesmo ao simples desjejum, jamais esqueciam de agradecer ao Todo Poderoso a graça de haver-lhes permitido ter a mesa farta. Anibela fora criada com educação, nesse meio superior, onde sobejavam quadros de anjos às paredes e medalhinhas de querubins ao pescoço, penduradas por correntinhas do mais puro ouro. Uma linda menina que, ao deitar, recebia as bênçãos de sua bondosa progenitora —dona Luciane — que, sistematicamente, após beijar-lhe a fronte virginal, meigamente recomendava:— "Durma com Jesus, minha filha !". O tempo foi passando e, com ele, Anibela foi desenvolvendo seus atributos físicos que atraiam não semente a admiração de seus familiares e outras pessoas, mas também os olhares maliciosos e pecaminosos de lobo faminto da rapaziada do bairro da Água-Verde, em Curitiba, onde morava. — "Durma com Jesus, minha filha!" — continuava a recomendar dona Luciane ao abençoar sua querida filhinha, todas as noites. Mesmo naquelas em que a bela menina-moça ia dormir um pouco mais tarde em virtude das obrigações escolares ou de alguma novela de televisão que estivesse acompanhando, quando chegava a chorar com qualquer cena mais comovente, menina de coraçãozinho puro que era. E se fez moça. Mas, capitulando ante a fatalidade da vida arranjou, às escondidas, um namoradinho, pois seus pais, zelosos de sua segurança, sempre proibiram qualquer aproximação de algum rapaz que pudesse macular a pureza da filhinha. E, já que se está falando em namorado, é bom que se diga que o rapaz era desses jovens moderninhos, de roupas descuidadas, melenas caídas por sobre os ombros, grossas costeletas, bigode e barba formando um todo um tanto desarmônico, por detrás dos quais se via um par de olhos parados, misteriosos, que não sabe ainda o que quer, para onde vai ou para onde olha. Se está acordado ou dormindo. Um olhar perdido, enfim à procura do nada. Mas o rapaz falava, sim, embora agisse muito mais... O jovem tinha nome, também — Roberto Menezes de Jesus, filho único de pais abastados, proprietários de fazendas em Londrina e que, anualmente, faziam longas viagens à Europa e América, propiciando, com isso, maior liberdade, ainda, ao moço já por si tão cioso de seu livre arbítrio, que usava e abusava abundantemente. Mas Anibela gostava muito do Roberto, sim. Tanto que, por sugestão do próprio, começou a gazear às aulas do Colégio cuja Diretora — madre Elizabeth — tinha como certo o que a menina lhe justificara:— iria acompanhar a mãe, doente, em estação de águas no interior de Minas Gerais e, por isso, não poderia comparecer ao Colégio no mês restante de aulas. O que não influiria, certamente, em seu belo currículo, pois a garota era muito estudiosa e já tinha média de sobejo para passar de ano. E ambos — Anibela e Roberto — soltos, livres como dois pombinhos como realmente pareciam ser, viravam-se, dias inteiros, em passeios pelos bairros, cinemas, etc, etc, etc, etc. Mamãe Luciane, entretanto, ignorava o fato e continuava. À noite, ao deitar, com a clássica recomendação à pureza de sua filhinha:— "Durma com Jesus, minha filha". Anibela, que já não era tão pura assim, não mais apreciava esse tipo de bênção, talvez por lhe doer qualquer coisa na consciência mas, com olhar cândido, beijava os cabelos já incolores mas bem cuidados daquela que lhe dera a vida e que se desvelava para com a bela jovem. As liberdades entre os dois pombinhos, entretanto, iam crescendo, tomando corpo, avultando. Já não andavam somente de mãos dadas. Agora passeavam abraçados, ele agarrado aos bem contornados quadris da bela menina. Ela pendurada ao pescoço de Roberto Menezes de Jesus. De minuto a minuto um beijinho, para variar, à frente de todo mundo, descaradamente, despudoradamente.
— "Durma com Jesus, minha filha! — continuava a recomendar a cuidadosa mamãe. Um dia, Anibela resolveu fazer a vontade de dona Luciane — foi dormir com Jesus. Com Roberto Menezes de Jesus, seu despreocupado namorado.
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O DIRIGÍVEL ''GRAF ZEPELIN''

Se fizermos um levantamento criterioso da história da aviação neste planeta, iremos constatar o papel saliente que tiveram os dirigíveis, principalmente durante a Primeira Grande Guerra. Depois,o progresso tecnológico e da construção de novos meios de transporte acabou por liquidar o monstro dos ares.
O homem é um insaciável. Está sempre à procura de algo mais. Seu ideal nunca é definitivo e, por isso, vive a lutar, permanentemente, por novas aspirações no que, às vezes, exagera um pouco, chegando a querer igualar-se ao Pai, como se isso fora possível. Deus deu a seus filhos ingratos a terra firme, para que aqui embaixo vivessem sua vida constantemente com os ditames da moralidade. E eles aprenderam logo a andar, que isso não é tão difícil assim. Mas viram que tinham ante seus olhos toda a imensidão do espaço, onde pequenos seres adejavam delicada a caprichosamente. E o homem, ambicioso e invejoso que é, pretendeu, também, dominar o Espaço Celeste. E conta-se a lenda de Dédalo e ícaro — pai e filho — que queriam revolutear e, para tal, formaram asas com penas de pássaros, presas às costas com cera a qual, entretanto, se dissolveu ao calor do sol, proporcionando, assim, o primeiro desastre aéreo de que se tem conhecimento. Muitos e muitos anos são passados e vão aparecendo Leonardo da Vinci, com um estranho aparelho que foi o ancestral dos modernos helicópteros; João Bastista Perússia, que "quebrou os cornos" atirando-se do alto de uma torre com um par de asas acionadas por um engenho que, pelo visto, não aprovou; o Conde de Terzi, com seu barco voador; padre Bartholomeu de Gusmão com sua extraordinária "passarela". Enfim, muita gente andou querendo voar, inclusive os irmãos Wright, norte-americanos, que se diziam pais da aviação quando, na realidade, essa glória pertence ao nosso caboclo Santos Dumont. Neste momento e pensando nos dirigíveis a que me referi inicialmente, lembrei-me do nome de Júlio Brand, ou melhor e simplesmente Julinho, um simpático rapazola alemão que por aqui apareceu lá pelos idos de 1930, mais ou menos. Empregou-se, logo, nos escritórios de Hermógenes Vidal & Cia. — bem defronte à casa onde minha família residia — e, por isso, embora fosse alguns anos mais velho que eu, um simples menino, conversávamos seguidamente. Julinho era inteligente, disposto, falante, sempre muito bem arrumado e aprumado.
E porque era assim, logo conseguiu um número enorme de amigos na cidade e, na firma onde trabalhava, galgou rapidamente posições melhores. Um dia, um hidro-avião da Sindicat KondT Ltd. — empresa alemã de aviação internacional — teve desviada a rota de um de seus aparelhos •— o "Santos Dumont" — que veio amerissar, quase sem gasolina, no nosso rio Itiberê. E Julinho Brand, com seu bem posto vernáculo de sua pátria, lá estava para oferecer seus préstimos à tripulação do hidro-avião, do que resultou, afinal, a instalação de uma agência da empresem Paranaguá, gerenciada pelo pelo próprio Brand, que trouxe grande movimentação à cidade. Inclusive, Julinho foi o responsável, logo após, pela vinda à nossa cidade do grande dirigível alemão "Graf Zepelin". Quando aqui era esperado o "balão", os céus parnanguaras se apresentavam um tanto nublados. E isso deveria acontecer exatamente, as 9,30 horas de um ano e dia que já me escapam à memória. Creio que foi entre os anos de 1932 e 1933. A extraordinária notícia fez com que todos, àquela hora, ficas sem de nariz virado para cima, apontando os ares com o apêndice nasal, aguardando o aparecimento do "bicho". De repente e na hora precisa, lá para os lados e na direção da praia do Pontal do Sul, vem aparecendo uma estranha nuvem escura que, rapidamente, foi crescendo, crescendo, até se transformar, quase silenciosamente, no enorme dirigível, que fez evoluções por sobre a cidade, retirando-se em seguida. Foi um espetáculo que jamais pude esquecer. Aquela coisa era tão grande que todos — tantos os que moravam no bairro da Costeira como os residentes no Posto Fiscal — declaravam que o "Graf Zepelin" havia sobrevoado o quintal de suas casas. E bem baixinho, pois puderam, até, anotar os números que ele trazia em sua enorme carcaça. E, no mesmo dia, todos lascaram no jogo-do-bicho sua milharzinha, coincidente com o número do monstro-aéreo. Milhar que afinal não deu, para satisfação dos respectivos banqueiros.
Posteriormente — isto em 1936 — andou por aqui, também, o grande dirigível alemão "Hindemburg" que trazia na parte superior de seu grande bojo a cruz swástica, símbolo do poderio da Alemanha de Adolf Hitler, este responsável pela morte de milhões de seres humanos nos anos de 1940 a 1945, na Grande Guerra mundial que ele provocara no afã e ambição de conquistar o mundo. A grande e extraordinária Alemanha, com seu povo ordeiro e trabalhador culpa não tem disso, pois também sofreu, mais que ninguém, os horrores dessa inglória luta. Mas, muitos anos mais tarde e após o término dessa Segunda Guerra Mundial, vou encontrar Julinho Brand dando espetáculos de telepatia na enorme sede da "Associação Atlética Banco do Brasil", na Guanabara. Ele, que havia sido preso, talvez injustamente, como "quinta-coluna" e deportado para a Alemanha, fez questão de voltar ao Brasil — terra de paz e amor — para aqui terminar seus dias. Esta é a breve história de Júlio Brand, um simpático alemão que até carnaval em plena quaresma organizou em Paranaguá. Um sujeito alegre e brincalhão que fez muita falta à cidade.
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VASOS NOTURNOS

Quem tem tido a feliz oportunidade de visitar o museu do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá sai de lá, forçosamente, encantado com o que vê. Não pode deixar de comentar a beleza e riqueza daquela infinidade de peças antigas e históricas catalogadas e ressaltadas em bem arrumada mostra, com o melhor bom-gosto. Dentre todas as peças ali expostas, entretanto, sempre tive — não sei porque — particular predileção pela interessante coleção de urinóis de porcelana, posta em destaque. Talvez porque a mesma representa, realmente, um passado em que até para se praticar um ato da maior discrição e intimidade existia discriminação, isto é, enquanto uns, mais pobrezinhos e desprovidos de recursos, o faziam no fundo do quintal, outros, talvez até com poses estudadas, se davam ao luxo de ler, comodamente sentados em multi-coloridos vasos-noturnos, as últimas notícias das já extintas publicações que enriqueciam a imprensa de nossa terra. Ah ! Esses latifundiários, esses "snobs" milionários não perdem, mesmo, a oportunidade de humilhar aos pobres proletários e desprotegidos da sorte ! E até nisso encontravam motivos para espezinhamentos ! Estava eu a conjecturar sobre tão estranho assunto quando, de repente, topo com uma fotografia datada de 11 de fevereiro de 1911 — que me foi mostrada pelo meu amigo Dr. Wilson Cury — onde se via um grupo de pessoas presentes à inauguração da primeira Companhia Telefônica de Paranaguá, o que se deu graças à iniciativa de Joaquim Xavier Neves. E ali reconheci, então, figuras proeminentes da cidade, tais como Caetano Munhoz da Rocha, José Gonçalves Lobo, Alberto Veiga, Policarpo Pinheiro, João Balduíno, Carlos Eugênio de Souza, o então "broto" Aluízio Ferreira de Abreu, os meninos Bento Munhoz da Rocha, Raul Veiga e outros. Só não conheci porque, na realidade, jamais o havia visto, a figura austera de Adélio Pinto Amorim, do qual Jorginho Berbere faz-me, desde logo, a radiografia completa, memória prodigiosa que tem. E conta-me estórias e fatos em que "seu" Amorim foi intérprete. Adélio Pinto Amorim possuía uma casa de louças e ferragens, exatamente onde hoje o Chafie Farah encontra-se estabelecido com sua bem montada loja de roupas feitas e calçados. E dentre as mercadorias expostas por Adélio em sua farta e bem organizada casa comercial, destacavam-se os urinóis de fina porcelana que estavam muito em moda e que vieram substituir os anti-estéticos de ágata, pois gente que se prezava não sentava mais nestes últimos. Eram, os de porcelana, como que um cartão de apresentação que indicava a categoria de seus possuidores. Acontece que distinta dama de nossa melhor sociedade determina que sua empregada — uma pretinha muito pernóstica e falante — vá à loja de "seu" Adélio para adquirir um desses objetos de porcelana, o que, realmente, foi feito pela serviçal que, logo após e rapidamente, retorna à casa da patroa, quando é constatado que o objeto é pequeno demais. Torna a empregada à loja do bom Adélio e este, um tanto contrafeito, embrulha um urinol maior, que é logo entregue a doméstica. Porém, ainda desta vez o número era pequeno e, assim, foi devolvido à loja com a recomendação de que deveria se: um de tamanho superior. Adélio Pinto Amorim, apesar de comerciante, não tolerava fregueses chatos, amolantes e, naturalmente, considerou que não estava ali para levar o dia inteiro naquele embrulha-e-desembrulha pinico que não tinha mais fim. Assim, ao receber, pela terceira vez, o pedido de um urinol de número maior, não teve dúvidas em esclarecer à empregada já referida:— "Não embrulho mais pinico nenhum. Diga à sua patroa que, se quiser, mande primeiro a medida de sua "padaria". Hoje em dia já não acontecem essas coisas, pois o progresso já transformou, até, um simples quarto de banho em cômodo salão de leitura...
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VIVA PORTUGAL !

É tradicional a amizade que une brasileiros e portugueses. Tradicional e histórica. E, esse sentimento mais se acentua atualmente, não somente em virtude da honrosa visita que nos faz o Almirante Américo Thomaz, Presidente de Portugal, como também e talvez principalmente pelo retorno ao Brasil dos restos mortais de Sua Alteza D. Pedro I, Primeiro Imperador do Brasil, que ora se procede, estando, mesmo, em solo brasileiro, para aqui permanecer perenemente. Não irei me reportar aos fatos históricos que resultaram na decisiva atuação de D. Pedro quando, às margens do riacho Ipiranga e quando regressava de Santos, dirigiu-se imponentemente aos que compunham sua comitiva e bradou:— "Camaradas! As Cortes de Lisboa querem, mesmo, escravizar o Brasil; cumpre, portanto, declarar já sua independência!
Estamos definitivamente separados de Portugal !". E erguendo a espada, brada solenemente:— "INDEPENDÊNCIA OU MORTE !". Hoje estou aqui, isto sim, para lembrar, mais uma vez que, se brasileiros e portugueses já eram amigos, hoje, mais do que nunca se tornaram efetivamente irmãos. Esse honroso parentesco, entretanto, não impede que as célebres e tradicionais anedotas que se fazem "aqui dos de lá e os de lá dos daqui", continuem a ser contadas, principalmente pelos de cá, com aquela extraordinária graça com que o brasileiro sabe condimentar os fatos. E isso representa, como ficou dito, algo mais que uma pura amizade, pois é certo que jamais procuramos nos dirigir ou fazer uma simples brincadeira com alguém pelo qual não mantenhamos, mesmo, uma simpatia mais acentuada. E os portugueses nos são essencialmente simpáticos. E nós, na certa, também merecemos o mesmo tratamento por parte de nossos irmãos de além-mar. A chegada de ambos — do Presidente de Portugal e dos restos mortais de D. Pedro I — tem proporcionado, sem que isso represente desrespeito, uma série de anedotas em que são envolvidos, carinhosamente, os "Joaquim" e os "Manoel". Dentre as que tenho ouvido, selecionei duas que — conforme dizem os gaúchos — me fizeram dar "barrigadas" de tanto rir. Eis a primeira:— Já estava combinado com os Governos do Brasil e de Portugal, a vinda para cá do que sobrou, fisicamente, de D. PedroI. Mas pouco sobejou, pois o filho de D. João VI morrera há quase 150 anos. E o que se fez, então, no País amigo ? Abriu-se um concurso para encontrar aquele que mais se parecesse, fisicamente, com D. Pedro I. Propaganda pelos jornais, radio, televisão, etc, e, afinal, encontram na pessoa do gajo Manoel dos Santos (tinha que ser !) o tipo ideal para substituir Sua Alteza Real na empreitada pré-combinada, isto é, no caixão fúnebre. O Manoel era o D. Pedro escarrado ! O resto foi fácil. Fuzilaram o Manoel e vestiram-no com o uniforme de gala de Sua Alteza. Colocaram-no dentro do caixão e encaminharam-no, sem mais preocupações, para nossa Pátria. A outra anedota, que achei oportuníssima, conta que, quando da chegada ao Rio de Janeiro do que restou do corpo de nosso Augusto Imperador, um portuga vendo aquele caixão mortuário tão enfeitado ser descarregado de bordo, pergunta a um seu patrício que estava a seu lado:— "O que é que vem ali, naquele pijama de madeira de luxo ?". O outro responde, então, naturalmente e com pleno conhecimento de causa:— "São as CINZAS de D. Pedro I". E o interlocutor, que deveria ser bastante desligado exclama, admirado:— "Puxa ! Como fumava essa gajo !". São coisas assim, fabricadas com espirituosidade e carinho, que fazem com que, mesmo antes do recente Decreto Presidencial que equiparou, em quase tudo e em território nacional, brasileiros e portugueses, a nossa estima pelos lusos já fosse uma realidade palpável.
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A COMPANHIA BRASILEIRA DE REVISTAS

Este mês de setembro me é particularmente agradável. Imensamente feliz. É que, nada menos que 49 anos atrás, minha família aqui botou os pés pela vez primeira. Nesse longo período aqui tenho assistido a tanta coisa que daria, em verdade, para fazer um volumoso livro de onde surgiriam fatos os mais alegres e divertidos; os mais tristes e enternecedores; os mais originais e extravagantes. Aliás, outra coisa não tenha feito senão propagar, pela imprensa e através de modestos livrinhos por mim publicados, toda essa farta matéria que a vida de Paranaguá prodigaliza. Hoje, por exemplo, venho a público para contar aos leitores alguma coisa sobre a vida artística de nossa cidade, para o que me remonta às décadas dos anos 20 e 30, quando tive oportunidade de ver coisas maravilhosas que me ficaram gravadas indelevelmente. Assisti, por exemplo, no Teatro "Santa Helena" ^-"Variedades"), como espectador privilegiado de uma época de verdadeira arte e de prestígio dos valores reais, a Leopoldo Froes no clássico "O Café do Felisberto", no qual o grande ator colocava toda sua arte de bem representar. Ll-O-Chang, mágico internacionalmente famoso, que me impressionou de tal forma que procurei imitá-lo por várias vezes, virando mágico frustrado logo às primeiras investidas. E quem poderia esquecer a espetacular Companhia de Revista Tró-Ló-Ló com suas coristas lindas a mostrar alguns pares de pernas bem torneadas e agilíssimas em bem ensaiados bailados ? E a Companhia Polonesa de Sacha Morgowa, especialistas em estátuas-vivas ? Os espetáculos desta última eram rigorosamente proibidos para menores. Mas, meu saudoso pai, que era "doublê" de funcionário público federal e violinista, procurava equilibrar o orçamento doméstico com tocatas em Clubes, teatros, etc, que a vida estava mais difícil que acertar na atual Loteria Esportiva. E, nessas ocasiões, o portador de seu instrumento musical de trabalho era eu mesmo que, assim, quando da apresentação daquela Companhia, procurei entrar no "Variedades", com a caixa do violino debaixo do braço, muito antes do início do espetáculo referido, no que fui obstado pelo respectivo porteiro sob a alegação de que a representação era proibida para menores. Insisti dizendo-lhe que não havia ninguém no teatro e, assim iria apenas deixar o violino no lugar apropriado e voltaria. O porteiro compreendeu a situação dando-me a devida permissão. Dirigi-me, pois, ao poço-dos-músicos, onde coloquei o violino e, verificando que ainda era muito cedo para início do espetáculo não havendo sequer um espectador, sentei-me a um canto do citado poço, meio escondido, onde o silêncio reinante fez-me adormecer. De repente, acordo-me assustado com as palmas que ouvia. Era a festa que se iniciava, com o teatro literalmente cheio, mostrando o palco onde sobejava mulher nua, todas elas com uma pintura prateada sobre seus belos corpos, que refletores postados em lugares apropriados mais destacavam. Fiquei meio alucinado com o negócio, mas não me retirei, pois o lugar onde me encontrava me tornava quase invisível. Mais tarde, diante dos olhos arregalados da molecada de meu tempo, contava-lhes as peripécias por mim vividas naquela memorável noite, tornando-me, assim talvez o primeiro parnanguara-mirim a ver mulher pelada. E por atacado. Hoje, as crianças não vivem mais essas sensações gostosas, pois a moderna psicologia ensina que os filhos devem tomar banho conjuntamente com os pais... Batista Júnior — pai das cantoras Linda e Dircinha Batista — o maior ventríloquo que c Brasil já produziu, com seus bonecos Benedito e Chiquinho faziam a alegria da criançada e também de muito marmanjo que — como diz o gaúcho — davam "barrigadas" de tanto rir. Inclusive, com muita elegância e ostentando uma cartola e uma capa de forro vermelho, cantava a canção "A Cabocla do Sertão", que se transformava em delírio da educada platéia que o assistia. E quem, daqueles bons tempos, não se lembra dos mágicos Vilar e Professor Richard, que encantavam o público com suas ilusões bem trabalhadas ? Nessa questão de espetáculos teatrais, o que mais me impressionou, entretanto, foi a Companhia Brasileira de Revistas, que deu origem ao título da presente croniqueta. Referida Companhia foi organizada, no Rio de Janeiro, especialmente para fazer sua primeira apresentação em Buenos Aires, onde um "morocho" chamado Carlos Gardel fazia misérias cantando tangos. E, com essa intenção, seguiu a "troupe", de vapor, à Captai portenha, passando entretanto, por ser rota do navio, por Paranaguá onde, aproveitando-se de uns contratempos com a carga da embarcação, resolveu dar um espetáculo no "Variedades", o que viria, naturalmente, aliviar as despesas de viagem. Diga-se que da Companhia faziam parte: — Ari Barroso, pianista; o cômico Mesquitinha; o sapateador argentino Pablo Palitos; Marques Porte, "speaker" de rádio e apresentador, e muitos outros artistas de renome, inclusive o jovem Silvio Caldas, que já começava a despontar como o maior cantor brasileiro de todos os tempos. É claro que também tinha coristas! E em grande número e muito lindas, pois quem comanda espetáculos desse tipo sabe, perfeitamente, que se não tiver mulher no negócio, a coisa não funciona. E lembro-me perfeitamente que da apoteose desse grande espetáculo, constava um quadro em que Silvio Caldas — o Caboclinho Querido — cantava um samba muito em voga, denominado "Nego Bamba", ao mesmo tempo em que era beijado por todas aquelas coristas que estavam ali com o propósito, é claro, de fazer o artista ser invejado por aquela multidão de marmanjos que enchia o velho "Teatro Variedades", pois beijar, naquele tempo — o tempo das virtudes e da castidade — era quase pecado. Atualmente esses escrúpulos já não mais existem, pertencem ao "já era", pois a cidade vive cheia de casaizinhos que, publicamente e a qualquer momento se empregam em afrontosa bolinação, sob os olhares causticantes dos "quadrados" e com a aprovação total dos que se declaram "pra-frente", inclusive de muitos papaizinhos excessivamente tolerantes e comodistas. Esse espetáculo da Companhia Brasileira de Revistas recordei-o, há uns três anos atrás, em conversa com o agora velhinho Silvio Caldas, quando de sua estada nesta cidade, entre um "Chão de Estrelas" e um "Cabelos cor de Prata", cantados em surdina pelo Caboclinho especialmente para mim. Mas, a Companhia citada, após estrear em Buenos Aires e ali haver cumprido seu contrato, retornou ao seu país de origem, tendo sido dissolvida sem mesmo dar qualquer espetáculo no Brasil, a não ser aquela a que me referi, em nossa cidade e, também, em Antonina, na mesma época e pelo mesmo motivo, isto é, estada excessiva no porto, do vapor que a conduzia para o Prata, por questões de carga. Pelo narrado se constata, pois que apenas os parnanguaras e capelistas tiveram o privilégio de assistir, em nosso país, a grande Companhia Brasileira de Revistas que, lá pelos idos de 1930, deu à cidade um ar alegre, com seu grande número de integrantes, em sua maioria lindas mulheres. E que, cariocas que eram, atraiam não só pela sua beleza, como também pela sua alegria, seu "charme".
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COMO GANHAR NA LOTERIA. . .
SEM PERDER A ESPORTIVA

Para uns poucos, a Deusa da Fortuna sobrevoou Paranaguá, em princípios desta semana, com a cornucópia de boca para baixo, fazendo com que o corno mitológico — atributo da abundância — aqui derramasse, por intermédio da Loteria Federal, idem Esportiva, polpudas quantias àqueles que aventuraram alguns trocados na sorte, que lhes foi madrinha, finalmente. E, segundo soube, a distribuição da grana foi muito bem elaborada pela sorte, pois de permeio com alguns que já possuem certas posses, atingiu, na maioria, pessoas que estavam "a perigo", razão pela qual, de um modo geral, aqueles que não tiveram essa felicidade também se mostraram contentes, pois é certo que essas coisas, quando aparecem, caprichosamente só beneficiam aos que já detêm fortunas, o que não aconteceu, evidentemente, no caso presente. Os "sortudos" de Paranaguá, de agora, portaram-se muito bem, sem foguetório nem algazarras que geralmente terminam em bebedeiras condenáveis, pelo que o elogiável fato sugeriu logo o título desta crônica, isto é, "Como ganhar na loteria... sem perder a esportiva". Mas, na história das loterias em Paranaguá nem todos enriqueceram dessa forma. Ao contrário, conheço muitos, aqui, que ficaram na maior "fossa" por via dos excessos com que se empregavam à procura da sorte. E gastaram o que tinham e o que não tinham, pois como todo jogo, esse também só beneficia, mesmo, ao banqueiro, raramente trazendo um pouco de felicidade aos jogadores. Tem gente, entretanto, que insiste, persiste, persegue obstinadamente a sorte. E para tal, para que possam fazer uma "fezinha", chegam ao cúmulo de dormir de dia a fim de sonhar, possivelmente, com um número salvador que lhes possa propiciar um ganho espetacular na loteria ou no jogo-do-bicho. A sorte é caprichosa. Como se sabe, no caso da extração de que estou falando, a casa lotérica detinha o bilhete premiado encalhado, até momentos antes da extração referida. E, em verdade, não conseguiu vendê-lo na totalidade, ficando com 12 "gasparinos" que seriam prejuízo certo para o proprietário da casa, não fora a providencial chegada da Deusa da Fortuna, que fez com que o mesmo bilhete fosse premiado, carreando para os bolsos do benquisto proprietário da casa vendedora a fortuna de Cr$ 300.000,00 que, convenhamos, não é de se jogar fora. Fato mais ou menos parecido já houvera acontecido em nossa cidade, há muitos anos atrás, por ocasião da 1ª extração da Loteria Estadual. À ocasião, o respectivo cambista, em má situação financeira — hoje cidadão abastado à custa de trabalho muito honesto — encontrava-se com seu último bilhete encalhado. E vai, quando já havia o mesmo sido sorteado, oferecê-lo a empregados da casa Alberto Veiga & Cia. — Ali, apenas um funcionário de categoria adquiriu a metade do bilhete, talvez, até, com pena do cambista que, como disse, atravessava incômoda situação financeira. A outra metade ficou com o próprio cambista que logo o vendeu a outros por preço de custo. Pois bem. O bilhete até então encalhado foi premiado, possibilitando que, por via dele e adicionando-lhe um trabalho persistente e honesto o portador da metade do bilhete fizesse sua independência financeira, possuindo, atualmente, uma rede de casas comerciais que se traduzem numa real potência. Muita gente também tem sua estória à respeito dos bilhetes de loteria, inclusive este modesto escriba. Não vou narrá-las porque essas são tantas que seria melhor logo escrever um livro de muitas páginas. Evidentemente não tão brancas como os próprios bilhetes. Uma coisa, porém, é certa, parecendo estar escrita dentro de mim:— no próximo teste nº 88 da Loteca vou "lavar a égua". Possuo qualidades premonitórias e estas estão, persistentemente, a me segredar o fatal evento.
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O TESTE 88

Há alguns meses atrás, através deste jornal e nesta mesma coluna, publiquei crônica intitulada "Como Ganhar na Loteria... Sem Perder a Esportiva", na qual comentava alguns casos acontecidos aqui em Paranaguá, quando a cornucópia mitológica havia sido vista derramando polpudas quantias àqueles que aventuraram alguns trocados na sorte que, assim lhes foi madrinha, Essa coisas que só atingem aos que nasceram virados pra lua. Finalizei referido escrito declarando, peremptoriamente, que no teste número 88 da Loteria Esportiva haveria de ser eu o ganhador, visto que minhas qualidades premonitórias estavam, persistentemente, a me segregar o evento. Ora, acontece que estamos na semana do referido teste e essas qualidades extra-sensoriais continuam a se manifestar através de minha glândula pineal ou epífise — que não se deve confundir com hipófise — pelo que, já tenho como certo que, nesta semana, um "new-rich" irá soltar foguetes na cidade. Como declarei esse fato a alguns amigos, estes já entraram firmes na faixa da gozação, declarando, inclusive, que o Homem da 5ª Dimensão — estranha personagem de quem me fiz amigo — é quem o havia feito sentir o próximo acontecimento. Desse personagem já falei em cinco crônicas publicadas em meu livro "Crônicas do Cotidiano". A verdade, porém, é que muita gente passou a me solicitar palpites para o teste 88. E os tenho dado gratuitamente, pois não pretendo enriquecer com migalhas. O meu, que é bom, vem mesmo no 88. E se não vier ? Bem, se os 13 pontos não forem por mim feitos, resta-me apenas dizer, como certos políticos derrotados, após as eleições:— "Fui miseravelmente traído !". Ou então, plagiando aquela célebre anedota do jogador viciado que ,atendendo a uma determinação de seu anjo-da-guarda, jogou, durante 30 dias, na milhar 3.765. E não pegou nem no grupo. Protestou ao Anjo e este, que evidentemente deveria ser muito cínico, respondeu simplesmente:— 19 de Abril!". Mas comigo não tem esse negócio, não ! Promessa é dívida. E já que a manifestação premonitória é insistente e permanente resta-me somente aguardar, tranquilamente, sentado em minha cadeira-do-papai, que o "tutu" venha encher minha magra arca. Isso não quer dizer que esteja me fiando exclusivamente na sorte. Absolutamente. Estou indo ao encontro dela. Tanto assim que preenchi várias carteias da loteca, num total apreciável, pois se a intuição me oferece uma possibilidade, é certo que devo ajudar um pouquinho a que essa mesma possibilidade seja transformada em realidade. E vocês aí, que estão lendo estas mal alinhavadas, não esqueçam de engrossar o teste 88 com apostas mil, que venham finalmente me favorecer. E "tchau" mesmo, pois já estou de malas prontas para fugir ao assédio de repórteres, falsos amigos, pedidos de auxílios, etc.
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A CIGANA ME ENGANOU

Quando, há dias atrás, neste mesmo cantinho escrevi qualquer coisa à respeito do Teste 88 da Loteria Esportiva, encontrava-me, naturalmente, em verdadeiro estado de graça. Nessa situação em que a vida nos sorri por qualquer motivo. Tudo está bom. Tudo está certinho. Tudo é um mar-de-rosas. Foram uns dias da mais completa felicidade, em que via até meus inimigos gratuitos mostrarem-me os dentes, não para agredir-me, mas para sorrir para mim, numa demonstração de amor que não é vista todos os dias. O céu era de um azul diferente, suave, tranquilo. O ar leve e respirável, contrastando com o calor que, felizmente, já está se despedindo de nós. As pessoas que cruzavam comigo flutuavam e me eram extremamente simpáticas. Ora, um quadro desses só poderia ser completo se o dedo do Destino me apontasse, lá do invisível, como ganhador certo e único do Teste 88 referido. Por isso, encontrando-me naquele estado de graça em que tudo dá certo, acreditei no tal Destino e mandei uma brasa firme na loteca, pois quem quiser ganhar é evidente que terá de jogar. E passei, então, uma semana feliz, fazendo projetos e mais projetos. Ajudando entidades, religiões, parentes, amigos. Comprei roupas para os velhinhos dos abrigos, que muitos esquecem. Idem, para o Lar das Meninas. Dei substancial auxílio para a Legião da Boa Vontade. Entreguei polpuda grana à Liga de Combate ao Câncer. Melhorei as condições da Casa do Pequeno Trabalhador. Dividi minhas alegrias com o extraordinário Padre Armando Russo para que este pudesse realizar seu sonho de funcionamento de seu Abrigo para Meninos Desamparados ou coisa parecida. E fui, por aí, afora, entregando por antecipação e mentalmente, o "carvão" que iria ganhar no Teste 88. Só esqueci de mim próprio, pois sou muito feliz na simplicidade em que vivo. Para que mudar ? Dada minha convicção, meus amigos, até já estavam certos do feliz evento. E diziam que quem me houvera soprado a coisa fora o Homem da 5ª Dimensão, personagem misteriosa que encontrei em minhas andanças pela Guanabara. O ambiente na praça Fernando Amaro, onde tenho meu "escritório" ambulante de velhinho aposentado, se transformara. Todo mundo já sabia que a semana que estava correndo iria fazer um milionário em Paranaguá. E teve gente que bateu à minha porta para pedir "algum" por conta. Palavra de honra! Porém, veio o domingo e o resultado dos treze jogos da loteca não coincidiram com o jogo por mim feito, o que quer dizer que ainda não será desta vez que irei atender aos desejos que acalento com tanta sinceridade. Mas, os meus amigos já se encontram armando tremenda gozação pra cima de mim. Que irei dizer a eles para justificar o fracasso ? Direi que o Homem da 5ª Dimensão falhou ? Que minhas qualidades premonitórias não existem ? Que me enganei nos cálculos ? Que a próxima extração será a minha ? Ora bolas ! Para que me preocupar tanto com o negócio ? Não tenho que dar satisfação a quem quer que seja. No mínimo, poderei dizer a todos que a cigana me enganou. É isto mesmo:— A CIGANA ME ENGANOU. A verdade final é que, com pouco dinheiro passei uma semana divertida, sonhando com coisas boas que me fizeram muito feliz. E isso paga, perfeitamente, todo o sacrifício que poderia ter feito.
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"LA CUMPARSITA"

Meu pai era bom violinista; minha irmã mais velha ótima pianista. Minha mãe também era violinista, muito embora jamais a tenha visto empunhar o difícil instrumento. Não havia tempo disponível... A herança musical foi transmitida a meus filhos:— minha filha é professora de música e ótima pianista; meu filho acumula sua profissão de engenheiro com a de violonista diletante. Eu, mesmo, não me furto a umas dedilhadas num "pinho", quando arranco do instrumento, muito mal, melosos acordes de tangos argentinos, o estilo de música de minha preferência. Claro, aprendi a apreciar a música exatamente quando os tangos estavam em moda, lá pelos anos 30. Não sei se foi essa a razão que me levou a aproximar-me de Eive Eseverri — Tito, para os mais íntimos — argentino de nascimento, mas brasileiro por profissão, que até poucos meses atrás dirigia em Paranaguá, os negócios da firma exportadora NEVA. Tito, um cavalheiro disposto e bem posto, gosta também de tango, está na cara; mas ama o samba brasileiro. E, cada vez que nos encontramos, é mais que certo que há porfia. Tito — que "és un cantante desgraciado" — desfila logo, com sua voz cavernosa mas agradável, uma infinidade de tangos que lhe trazem saudade. Murmuro, por minha vez, com voz fraquinha, um "Chão de Estrelas" ou um "Cabelos cor de prata". E Tito exulta. E me conta uma série de fatos nos quais a música de sua pátria entra em jogo, em mistura com Gardel, Hugo dei Carril, Libertad Lamarque, Tita Merello, Francisco e Mário Canaro e tantos outros que fizeram a extraordinária história do tango. E é mais que certo que "La Cumparsita" — o hino nacional da música popular argentina — venha à baila. "La Cumparsita", como se sabe, apareceu lá pelo ano de 1926, com força total. E ficou famosa em todo o mundo. Tanto se cantava essa espetacular música em Buenos Aires, como no Brasil, principalmente nos pagos gaúchos. Em Paris, como em Nova Iorque. Na Holanda, como na Dinamarca. Era, mesmo, um sucesso universal e não havia conjunto musical dos grandes centros ou simplesmente dos arrabaldes que não a executasse várias vezes por dia. Nos rádios, ainda meio acanhados e incipientes, os velhos discos de cera — hoje substituído por acrílicos — eram tocados até gastar a chapa circular. Pois bem. Em 1928, realizavam-se as grandes Olimpíadas de Amsterdam, na qual se defrontavam os maiores atletas daqueles tempos. A Argentina também mandou seu campeão representado por Zavalla, um sujeito compridão, de 1,90 metros de altura e que concorreria à prova da maratona de 42 quilômetros. Zavalla em seu país, exatamente em virtude de seu tipo físico, era conhecido como "nãndú criollo" que, na língua da pátria de meu amigo Eive Eseverri quer dizer simplesmente "avestruz caboclo". Zavallo defrontou-se com os maiores corredores do mundo e, surpreendentemente para ele próprio, saiu vitorioso na maratona. Os vencedores de então, tal como nas olimpíadas atuais, eram colocados em pedestal, quando seria executado o hino nacional de suas pátrias. E lá estava o "nãndú criollo" nessa situação, à espera dos acordes de seu hino, que lhe trariam, certamente, lágrimas aos olhos. Mas, quem poderia esperar que a modesta Argentina iria ter um vencedor na referida Olimpíada ? E exatamente em virtude disso é que a banda musical do Estádio de Amsterdam omitiu, em seus ensaios, o hino nacional daquele valoroso país do Prata. Entretanto, não houve qualquer problema. Colocado o grande Zavalla no "podium", a banda musical tocou não o belo hino de sua pátria, mas o extraordinário tango argentino "La Cumparsita", que foi cantado, quase em coro, pela enorme assistência. — Palavras que me foram ditas por Tito, um argentino que foi boêmio e que não quer deixar Paranaguá, terra onde se sente tão bem quanto no Mercado de Abasto, em sua pátria de origem. E onde pode recordar, para "nossotros", suas serenatas de "calle Corrientes" ao som de um bandoneon sentimental.
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ESTÓRIAS DE ARREPIAR!

Por ocasião da passagem do Dia de Finados do ano que se foi, tive oportunidade de atender à solicitação de Odorico Santos, mais conhecido como Dorinho — para que eu visitasse seu estabelecimento comercial — a Funerária N. S. do Rocio — posta em prédio próximo e estrategicamente, quase defronte ao portão lateral do Campo Santo. Trata-se, na realidade, de uma casa especializada no ramo, muito bem montada e com um atendimento rápido e perfeito. E seus preços são bastante módicos, sem serem convidativos, é certo, pois não há quem cometa a suprema asneira de querer se mandar para a Eternidade somente porque o enterro da carcaça seja barato. Mas pude concluir, por tudo que ali observei, que já não é tão difícil se ir ao encontro da fatalidade. Pelo menos no que tange ao vil metal para as despesas com o pijame de madeira, isto não representa mais qualquer problema, pois conforme me informa o Odorico, o negócio, com ele, poderá ser feito até pelo crediário. E, talvez, até com o sorteio de um "Fuquinho" pela Loteria Federal. Mas o nosso amigo Dorinho como se vê é um tipo muito alegre e espirituoso que, por ocasião da visita referida mostra-me, de cara, um caixão mortuário enorme, medindo, aproximadamente, 2,50 metros. Ante meu espanto, esclarece-me que o "pijame" era encomenda de Firmino Caetano, funcionário de destaque da agência local do Banco do Brasil e que mede, de ponta-a-ponta, nada menos que 2,18 metros. Percebendo que ri com sua piada, vai me contando, animado, inúmeros casos engraçados acontecidos consigo durante o trabalho de sua árdua profissão de papa-defunto, da qual, inclusive, consta a obrigação de colocar os mortos em sua embalagem de retorno ao Nunca-Mais. Certa feita — conta-me ele — recebe telefonema de um amigo seu, encomendando um caixão para a tia do mesmo uma velhinha que falecera de repente. Dorico, com a experiência que têm, coloca no carro fúnebre uma caixa de tamanho médio e de preço idem, e larga-se para a residência desse amigo, onde vai entrando pela sala da frente, que se encontrava vazia. Eu disse vazia ? Não ! Sobre um velho sofá forrado com plástico cinzento, já desbotado pela ação do tempo, jazia um corpo imóvel de uma senhora idosa, com cabelos completamente encanecidos e rosto macerado. Dorico, para adiantar o serviço, carrega aquele corpo e o coloca no caixão, tendo o cuidado de fazê-lo cruzar os dedos, na clássica atitude daqueles que dizem um "tchau" final, como encerramento dessa comédia que se chama Vida. E acende as velas. Nisto, chega à sala o seu amigo referido e vem logo conversar com Dorico sobre o enterro. Esbarra, porém, naquele caixão mortuário, dentro do qual o corpo inerte da velhinha parecia mover-se pelos movimentos naturalmente projetados à parede pelo vento que soprava os quatro círios acesos. E, ante a surpresa do nosso bom papa-defunto, exclama ele: 
— "O cadáver de minha tia está lá dentro, no quarto ! Esse corpo que você colocou no caixão é o de minha sogra, que apenas teve um ataque. Ela está viva !". Outra ocasião, também através desse extraordinário criado que é o telefone, recebe encomenda de um caixão que deveria ser levado, imediatamente, à Rua Visconde de Nácar. Lá se foi o Dorico, afoito como sempre e satisfeito como nunca, pois a felicidade de uns é fabricada com a desgraça de outros. Chega ao número indicado, à noite, onde se encontravam muitas pessoas que deduziu serem amigos e parentes do finado. E, sem maiores indagações, vai logo entrando pela sala-de-frente do prédio, com o caixão às costas quando, para sua surpresa e exatamente naquele momento, um conjunto de música jovem ataca com o conhecido yê-yê-yê "Quero que vá tudo para o inferno", de Roberto Carlos. É que a Prefeitura Municipal, há tempos atrás, colocou novos números nas residências da Rua Visconde. E o leitor já deve ter percebido o vexame por que passou Odorico, pretendendo entregar a encomenda no número antigo — onde se realizava uma festa de arromba — que coincidia, exatamente, com o novo número fornecido pelo telefone, por familiar do finado. Muitos outros casos me foram contados. Mas me atenho somente aos dois já narrados, que servem para demonstrar os caprichos da Vida, que faz surgir, mesmo nas fases de maior tristeza e desespero, uma fagulha de alegria para tornar mais suportável as grandes dores.
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NEM SEMPRE TRISTE É A MORTE

Voltava Dorinho, muito calmamente, do Cemitério Municipal, onde fora descarregar "mais um". E vinha na direção de seu possante carro-fúnebre, fazendo mentalmente os cálculos de quanto já teria arrecadado naquele dia. Foi uma boa féria, sim. Um enterro de primeira classe, de um cara pobre, mas metido a besta que, como último pedido obrigou a família ao sacrifício de um caixão de primeira. Mais três de segunda categoria e, ainda, duas embalagens para dois indigentes, estas pagas pelos cofres da Prefeitura. "O dia estava ganho" — matutava o bom Dorinho. E bem ganho. De repente, topa o nosso amigo com aquele corpo caído à sua frente, isto é, à frente do coche. Pára, e vai retirar dali aquele bêbedo dorminhoco —- pois só bêbedo mesmo é que dorme no meio da rua estatelado — que estava a lhe atrapalhar a passagem do veículo. Mas, quando levanta a cabeça do ébrio, constata que se tratava de um seu amigo, habituado a porres de fazer perder a fala. Penalizado, coloca-o a seu lado no carro-fúnebre, pois era sua intenção conduzi-lo à residência. Mas o bêbedo, que mal se sustinha mesmo sentado, estava tão alheio a tudo que, com o movimento do veículo derramava seu corpo mole por sobre o motorista, atrapalhando-o no manejo do coche. Dórico, pacientemente, retira-o dali, fazendo-o colocar atrás do carro, exatamente no lugar onde os caixões são postos para a "última viagem". E parte para a residência do bêbedo. Durante o trajeto, talvez instintivamente e num momento de semi-lucidez, para melhor se equilibrar no veículo o bêbedo cruza os dedos sobre o peito, naquela tão indesejável posição de quem não volta mais. Porém, Odorico Santos — o prestativo Dorinho, proprietário da "Casa Funerária N. S. do Rocio" — não percebe esse detalhe e, chegando à casa do "borracho", bate à porta, sendo atendido pela esposa daquele que jazia, quase inerte, dentro do carro-fúnebre. E declara, espírito de humanidade: "Minha senhora, vim trazer seu marido". É claro que a mulher, ao ver seu esposo naquela situação e naquela posição, pôs-se a berrar, desesperadamente, pois estava convicta de que seu companheiro havia batido as botas. 
Esse fato é um dos muitos que me foram contados pelo próprio Dorinho. Outros, mais interessantes, serão publicados na próxima edição da revista "O Itiberê", já no prelo, e que deverá vir à luz nos primeiros dias do mês de abril vindouro.
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DIVAGAÇÕES SOBRE A MODA

Já dizia um velho ditado, em meus tempos de rapaz, que "o que é moda não incomoda". Mas, convenhamos que essa metamorfose violentíssima que vem acontecendo atualmente nesse setor, isto é, na moda, é qualquer coisa que, além de incomodar, traz prejuízos tais aos que desejam acompanhá-la ao pé-da-letra, que raro é encontrar-se um jovem que não esteja atolado até o pescoço por dívidas contraídas na aquisição permanente de vestimentas e acessórios com que possam acompanhar o delírio, a vertigem dos costumes no trajar. E, aqui, entre nós, muita moçoila sem condições financeiras para seguir essa fantasia passageira, já está se perdendo irremediavelmente, pois não desejando ficar para trás a fim de não serem taxadas de "quadradas", tratam de conseguir o vil metal para aquela finalidade, a qualquer preço, e vão, então, entregando aquilo que outrora era o apanágio, o bem mais precioso da mulher. Fato este último que, aliás, vem sendo recomendado com muita constância por certos psicólogos desequilibrados. Paralelamente, o comércio nem sempre obtém lucros com essa loucura sem correspondência na história do mundo. E que, com a rapidez com que se altera a moda, nem tempo suficiente existe para que os estoques das mercadorias sejam vendidos. E isso é mau, pois os prejuízos são quase certos. Mas, esse é outro lado da questão, que veio à baila simplesmente para que se pudesse constatar dos inconvenientes das mudanças bruscas, não somente nos trajes, mas também na educação, nos costumes, no comportamento moral. Pois é. Particularmente, confesso que aprecio os trajes modernos, multicoloridos, berrantes, alegres ! Talvez seja porque isso traz a ilusão de que se esteja em permanente carnaval. Mesmo os cabelos compridos que se usam atualmente merecem minha aprovação, desde que não sejam ao estilo "Black-Power" ou estupidamente longos, isto é, femininamente caídos sobre os ombros. Neste último caso a impressão é das piores, pois ao menos prevenido poderá parecer que o ente que ali se encontra "se não é, esta querendo ser"... Mas, já que estamos falando em cabelos, a moda masculina atualmente em vigor é o uso das melenas a Jesus Cristo. É isso mesmo — à lá Jesus Cristo. O que significa que, nesse particular, pelo menos, o Mestre está sendo imitado. Pena que seus maravilhosos exemplos também não o sejam. Este breve comentário me vem como um desabafo pelo que acabo de assistir, no último programa de televisão de Sílvio Santos, quando um rapazola de Lages e de maneiras suspeitas ali se apresentou cantando uma música amalucada. Mas o pior é que o desequilibrado rapaz apareceu completamente "à lá Jesus Cristo", não somente com cabelos e barbas excessivamente longos, como também com vestimenta das que eram utilizadas pelo Mestre. Só não estava com os pés e as mães sangrando e perfurados pelo cravo que O pregou à cruz. O que seria exigir demais. Mas a coisa está progredindo e, como tudo que é mau, hoje em dia, avança celeremente e sem obstáculos, é quase certo que logo e logo assistiremos a um baile de arromba da turma da pesada, com fantasias não somente de Jesus Cristo, mas também de Maria Madalena, S. Pedro, São João Batista, São José e outros Santos incorporados à sagrada falange do Mestre. E todos cantando, é claro, o yê-yê-yê "Que vá tudo para o inferno". Vai acontecer, mesmo.
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O AÇÚCAR TAMBÉM É NOSSO !

Há alguns anos atrás, um dos Estados deste nosso imenso e querido Brasil exportava regularmente sua produção de açúcar para a Inglaterra, propiciando apreciáveis lucros a determinado engenho fabricante da referida sacarose, ao mesmo tempo em que se atendia a um problema social dos mais sérios qual seja o da colocação da mão-de-obra respectiva, resultando daí a sobrevivência de grande número de famílias nordestinas. Mas a ganância, a ambição, a usura que dominam o homem são pecados condenáveis e os que a eles se deixam acorrentar não gozam de boa fama, dada sua inescrupulosidade para chegar, por qualquer meio, ao vil metal. E foi exatamente por estar dominado por esse terrível mal, que um senhor-de-engenho do nordeste de nosso país resolveu aumentar, de qualquer forma, seus já fabulosos lucros. E, que fez o desgraçado ? Apenas passou a misturar, no mesmo recipiente, areia das brancas praias daqueles rincões ao açúcar exportado para a Inglaterra, fazendo com que a respectiva sacaria obtivesse, assim, um peso normal para um conteúdo nem tanto. Mas inglês, além de ser possuidor de uma educação e de um cavalheirismo tradicionais, não dorme de olhos fechados. Por isso mesmo surgiu o dito popular "Para inglês ver", que quer dizer, naturalmente, que os ruivos gringos da terra dos famigerados Beatles — os cantores maconheiros — estão sempre alertas. E o inescrupuloso dono-de-engenho recebeu então, do respectivo importador inglês e imediatamente, um fleugmático telegrama mais ou menos vazado nos seguintes termos: "Poder continuar mandar açúcar com areia. Solicitamos, porém, venham ambas mercadorias em embalagens distintas". Foi uma liçãozinha muito diplomática e sutil que serviu para demonstrar que os nossos amigos das europas querem, de fato, estreitar suas relações comerciais conosco. Mas dentro da maior honestidade. O episódio acima narrado veio à baila porque acabo de receber, euforicamente com um misto de alegria e patriotismo a extraordinária notícia de que o Brasil passou a ser o maior produtor de açúcar do mundo, ultrapassando, assim, à infeliz Cuba de Fidel Castro — o Fanfarrão. E que, para se conseguir esse feito notável, que projetará, mais ainda, o nome do nosso País no exterior, não se tornou necessário recorrer-se ao sacrifício do povo; ninguém apertou a cinta; não se escravizou quem quer que seja; não se plantou e nem se colheu sob a mira de um fuzil ou de uma metralhadora; não se sobrecarregou o agricultor com excesso de trabalho obrigatório; enfim, não se fez um povo infeliz apenas para se satisfazer a vaidade de um homem. Este é o Brasil de hoje — a Pátria da liberdade e do trabalho. Deixou de ser apenas o País do futuro para se converter na terra do presente, do progresso, onde todos trabalham sorrindo, alegres, confiantes nos homens que o governam com o maior sentido de humanidade e critério. Com honestidade, principalmente, na certeza de que somente assim um gigante como o é nosso País poderá ser conduzido a destinos mais gloriosos.
VIVA O BRASIL! O maior produtor de açúcar do mundo!
A Pátria da Liberdade!
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AS AVENTURAS DE UM HOMEM BOM

Certa feita escrevi uma série de crônicas sob o título acima, visando o cidadão Manoel do Rosário, mais conhecido como Manequinho do Literário. Ou, ainda, como Manequinho Galinha dos bons tempos de futebol, no antigo Campo Grande, e outras alcunhas um tanto pejorativas e impublicáveis. E nem seria necessário explicar as razões do título escolhido, pois Maneco, funcionário do nosso querido "Clube Literário" há quase 40 anos, ali se tornou, no trato diário com os respectivos associados em mais de uma geração, uma espécie de contra-parente a quem todos querem bem, em retribuição naturalmente, ao seu espírito prestativo e manso. Há dias tomei conhecimento de que o nosso caro amigo fora aposentado pelo INPS, há quase quatro meses. Desconheci esse fato porque continuei a ver Maneco, diariamente no Clube, como se seu vínculo empregatício com a agremiação ainda não houvesse terminado. É que o Clube sempre foi seu amor e a razão de sua vida. Ali ele viu muito menino crescer e se transformar em chefe de família e doutor. E, assim, qual espírito desencarnado repentinamente ainda não compreendeu sua real situação. Naquelas crônicas a que inicialmente me referi, contei várias passagens interessantes de Maneco como empregado do Clube. E hoje volto ao mesmo terreno para trazer ao conhecimento dos leitores mais um fato pitoresco, cujo intérprete, como não poderia deixar de ser, foi o bom do Manequinho. Há muitos anos, uma Companhia Dramática aqui; arriou suas âncoras, dando uma série de representações no antigo "Teatro Variedades". Mas, como essa casa de espetáculos lhes fora arrendada para esse fim, seu proprietário ou Diretor contratava algumas pessoas aqui da terra para auxiliar nos trabalhos por detrás dos bastidores, tais como levantar o pesado pano-de-cena, arredar móveis, pintar cartazes, etc, pois os artistas da Companhia com sua atenção totalmente voltada para seu trabalho no palco, não poderiam ser desviados para serviços subalternos. E Manoel do Rosário também foi convocado para tal, trabalho que dividia gostosamente, com o de espectador privilegiado por detrás do pano, assistindo gratuitamente e empolgado todo o desenrolar dos espetáculos. Em certo ato de uma dessas representações, aparecia no palco um casal de artistas em forte discussão sobre o milenar problema da infidelidade conjugal, o que levaria a esposa a simular uma crise de nervos para em seguida desmaiar em pleno palco. O ator, então, desesperado, gritaria pedindo um hipotético copo com água para socorrer sua mulher, ocasião em que o pano seria descido dando-se como terminado o ato que seria reiniciado, após breve intervalo, com nova cena. Pois bem. Exatamente nessa fase da discussão, Maneco encontrava-se postado colado aos bastidores, apreciando comovido a cena e não perdendo o menor gesto dos artistas que tanto o entusiasmavam. E, quando o ator gritou o convencionado "UM COPO D'ÁGUA, POR FAVOR", Maneco solícito como sempre, aparece esbaforido em plena cena sem ser chamado, oferecendo ao assombrado artista a água supostamente pedida. A platéia explodiu em gargalhadas e o velho "Teatro Variedades" quase veio abaixo com o inesperado. Mas muitos entenderam que o espírito de fraternidade sempre presente no Manequinho fora responsável por aquela cena em que os próprios atores não puderam conter um riso disfarçado. Essa conversa toda é para solicitar ao meu caro amigo Dr. Antônio José Lobo, digno Presidente do "Clube Literário", que encontre uma fórmula para continuar a retribuir os serviços que Manequinho, mesmo aposentado, continua a prestar ao Clube e a seus associados. Esse é um apelo que faço em nome desses mesmos associados, que desejam a permanência do bom Manoel do Rosário como serviçal da agremiação, dado seu trato afável e boa vontade em atender a todos. E praza Deus continue ele a levar seu copo com água, ainda por muitos anos, a outros "artistas", no nosso muito querido Clube.
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O AZAR DO MANECO

Já me tenho referido, por vezes várias, à figura humilde de Manoel do Rosário — o conhecido Manequinho Galinha — funcionário aposentado do nosso "Clube Litterário" e ex-integrante, em tempos que já vão longe, do valoroso esquadrão do "Piro E. C", então formado quase que exclusivamente por operários da antiga Fábrica de Fogos de Anibal Paiva. Manequinho é um técnico. Não propriamente um pirotécnico, pois de foguete, em verdade, nada entende. Em compensação se propõe a ser extremamente entendido no famoso jogo-do-bicho, na qual faz diariamente, as mais extravagantes e mirabolantes jogadas. É que o nosso amigo, nesse particular, têm um hábito "sui-generis": jamais faz a jogada, no jogo inventado pelo Barão de Mauá, como a lógica o determina, se é que nessa espécie de jogo há lógica. Assim, o bom do Manequinho joga, por exemplo, no número 987 somente em 3º lugar; ou o 654 em quinto ou, ainda, no 854 somente em segundo, e assim por diante. Os que mal conhecem esse inocente vício que já está tão arraigado na população de um modo geral, sabem, perfeitamente, que a maneira mais fácil e coerente de se fazer uma fezinha é jogar determinado número do 1º ao 5º lugares, operação que os viciados chamam de "cercar". Mas Maneco, como disse, contraria todas as leis conhecidas, inclusive as da gravidade. E, por isso, utiliza aquele estranho método que já expliquei pormenorizadamente, isto é, arrisca no número somente em um lugar, ao invés de jogar do lº ao 5º.
Dia destes, após exagerar um pouquinho na sua aperitividade paga por bolso alheio, almoçou como um Pantagruel e dormiu como um justo. Um sono suficientemente justo para sonhar com o número idem, pois jogador que se preza tem o hábito de dormir após o almoço exatamente para sonhar com o bicho-do-dia. E sonhou com seus gloriosos dias de jogador do "Piro E. C", quando se conhecia o "crack" pela altura em que conseguia arremessar a bola com um violento pontapé de bico. No que Maneco era bamba. Acordou feliz, por isso, lá pelas 4:00 horas da tarde. Percebeu que havia tempo para mais uma soneca e fechou seus olhos mongólicos para atrair ao seu espírito novas imagens que lhe apontassem um número salvador que lhe possibilitasse arrebanhar, no jogo-do-bicho algum tutu que lhe garantisse o mercado até o fim da semana. E sonhou novamente. Sonhou, sim, com esse número, através de um "aviso" misterioso que lhe determinava arriscar, todo o dinheiro que tivesse no bolso, nas centenas de números 770 a 780. E Manequinho não fez outra coisa. Passou a mão pelos bolsos e arrebanhou tudo que tinha — uns Cr$ 12,50 — e, apertando-os na mão gritou para dentro de si próprio: "É hoje !".
Sentou no canapé, calçou apressado os sapatos de verniz que o Dr. Hugo Corrêa lhe presenteara de certa feita, colocou sem se preocupar cem a estética, o amarrotado boné amarelo que num gesto muito liberal Saturnino Cárdenas lhe ofertara e largou-se feito um furacão pela Estrada da Raia (rua Roque Vernalha). Chegou, finalmente, ofegante, à praça Fernando Amaro e entrou na Casa Lotérica do dinâmico Antônio Olmos, e mandou sua brasa firme nos números sonhados, tendo o cuidado de fazê-lo, porém, utilizando seu infalível método: jogou somente em 4º lugar. Mas, como medida de segurança, para que não houvessequalquer equívoco, ele mesmo foi preenchendo, no caderninho do bicheiro, as centenas sonhadas. Começou é claro, pelo 770. E continuou na seqüência que o levaria ao 780. Chegou, porém, ao número 777 e teria, certamente, pensado: "777 ? Esse número não pode dar. Três setes é muita coisa. E 7 já é número de azar!". E quebrou a seqüência saltando por cima do 777.
O resto da tarde Manequinho permaneceu na Casa Lotérica aguardando, pelo rádio do estabelecimento, o resultado que iria, fatalmente, fazê-lo sair da pindaíba monstruosa em que se achava. De repente, e após tocar a característica musical apropriada, o aparelho anuncia: "Agora vamos dar o resultado da Loteria Federal. Anotem por favor". Quando o "speacker" terminou de falar, Manequinho estava lívido. Parecia um boneco de cera da Casa dos Horrores, de Londres. É que em 4º lugar, exatamente onde o Manequinho arriscara seu rico dinheirinho, dera o 777, o número de azar que fora desprezado pelo nosso bom amigo. O caso é verdade e, por isso, o endosso despreocupadamente.
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