BIOGRAFIA DE ADOLPHO LAMENHA LINS.
Praça Lamenha Lins em Morretes
LAMENHA LINS deixou grande herança...
Deu início para a colonização, tentou competir com a
China no século XIX e teve um filho governador. |
Fotos Arquivo |
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Adolpho Lamenha Lins: o
alvorecer do Paraná moderno |
Ao chegar à capital paranaense em maio de 1875, o novo governador, Adolpho Lamenha Lins, saiu à noite para se dirigir à Catedral. Na escuridão de uma Curitiba ainda sem iluminação pública, sofreu um desagradável acidente: trombou com uma vaca. Atribui-se a esse episódio a origem de seu plano de iluminar com lampiões o centro da cidade, então com cerca de doze mil habitantes.
Pernambucano, Lamenha Lins nasceu no Recife em 27 de junho de 1845, no seio de uma família abastada. Graduou-se em Direito e teve como primeira função política a promotoria pública da Província de Alagoas. Foi também secretário do governo e deputado provincial no Piauí, que também governou entre 1873 e 1874.
Nomeado por carta imperial de 21 de abril de 1875 para governar o Paraná, Lins recebe o cargo em 8 de maio das mãos do vice-presidente provincial Agostinho Ermelino de Leão. Com apenas dois anos de mandato ele se tornaria uma das figuras mais importantes de toda a história araucariana.
Engendrou a fixação dos imigrantes em localidades próximas às estradas carroçáveis já existentes, como a Graciosa. Garantia assim o êxito do núcleo colonial agrícola ligado à estrada principal. Possibilitava a circulação de mercadorias, tais como lenha e produtos da lavoura, por uma estrada secundária a ser construída pelos próprios colonos com o apoio de subsídios do governo, de modo a proporcionar o abastecimento alimentar da cidade. Uma parceria público-privada em toda a linha.
Subsídios e bolsa-colono
Em agosto de 1875 chega a Santa Cândida o primeiro grupo de imigrantes poloneses. Além de 168 poloneses vinham 40 franco-suíços, provenientes da aldeia de Szolkowice, na Alta Silésia, trazidos ao cabo de uma paciente negociação entabulada por Edmundo Sebastião Saporski.
Em relatório apresentado à Assembleia provincial em 1876, Lins informou no que consistia seu sistema: construir uma casa de madeira em cada lote de aproximadamente 108.900 m² cada um. Os imigrantes, segundo as regras de Lamenha Lins, viriam por sua conta própria, custeando a viagem da Europa ao Brasil, mas seriam sustentados até que pudessem se manter de seu trabalho na terra. “Cada família recebeu 4,5 alqueires de terra, uma casinha de madeira e 20 mil réis para as primeiras despesas” (Histórico da Paróquia de Santa Cândida).
Além desses vinte mil réis que as famílias recebiam para a compra de utensílios e sementes, todo colono com mais de dez anos de idade recebia outros vinte mil réis como auxílio de estabelecimento. Logo que o colono se estabelecia era empregado na construção de estradas do núcleo, recebendo as ferramentas necessárias. Ao se desligar da bolsa governamental, obtendo autonomia, ficava somente obrigado a pagar a sua dívida ao governo, que incluía o preço das terras, mas esta jamais foi cobrada.
Brigas ferrenhas com SP e SC
Lamenha Lins foi um dos governantes paranaenses que mais dedicadamente combateu São Paulo e Santa Catarina, que pretendiam tomar partes do Paraná. Imediatamente após assumir o governo, Lins já se viu obrigado a apresentar queixa ao presidente provincial de Santa Catarina, João Capistrano Bandeira de Mello Filho, por nomear autoridades policiais barrigas-verdes para o Distrito dos Ambrósios, localizado nos limites do Paraná.
Iluminação pública
tem início com Lins |
O irritado governante catarinense reagiu agressivamente, provocando uma troca de ofícios e telegramas, em termos violentos, entre os mandatários das duas províncias. Com São Paulo também houve atritos quanto aos limites entre as duas províncias, especialmente no Vale do Ribeira. Uma comissão foi nomeada para “solver dúvidas sempre novas a respeito e prevenir conflitos futuros”, segundo Lins.
A comissão era chefiada pelo capitão Felippe Hyppolito Aché, do Imperial Corpo de Engenheiros e professor da Escola da Marinha. Contava ainda com os agrimensores Antônio Augusto da Costa Lacerda e Henrique Rivierre. No início do século seguinte, porém, Santa Catarina conseguiria tomar posse do território Sudoeste paranaense que fazia limites com o Rio Grande do Sul.
O entusiasmo de Lamenha Lins com o Paraná só foi abalado pelo desinteresse dos paranaenses em vacinar os filhos, a não ser em caso de desespero, quando as epidemias tornavam a vacinação em cima da hora praticamente inútil.
“Esta repugnância da parte de nossa população em aceitar espontaneamente o benefício da vacina sem dúvida provém da sua ignorância em matéria de tão vital interesse, como também de uma incúria lastimável, pois que nota-se da parte dos estrangeiros que aqui residem a maior solicitude em receber esse preservativo”, observou. Os estrangeiros eram mais dóceis quanto a seguir as determinações governamentais.
Ponte de Guaíra proposta em 1877
No relatório que encaminhou aos deputados provinciais em 1877, Lamenha Lins defendeu a recomendação do engenheiro Francisco Tourinho para viabilizar uma ferrovia rumo ao Oeste com destino ao Mato Grosso. Tourinho se opunha ao traçado feito pelo engenheiro inglês William Lloyd e seu colega sueco Christian Palm.
Para Tourinho, a ferrovia deveria seguir o curso do Rio Piquiri e ganhar uma ponte para fazer a ultrapassagem das Sete Quedas, que modernamente viria a ser a Ponte Ayrton Senna. “Não é o mero idealismo nem o entusiasmo pelo maravilhoso que move-me a expressar-me dessa forma. É que na realização deste projeto antevejo a solução de importantes questões de ordem econômica, política e militar”, afirmou Lins.
Ele designou o sertanista Telêmaco Borba para a tarefa de avaliar as locações do projeto. Em 45 dias de viagem, via fluvial, Borba chegou às Sete Quedas, registrando o acontecimento com uma inscrição em pedra. No entanto, esse projeto dependia da Corte imperial para ser encaminhado. Lá não havia nem idealismo nem entusiasmo com o desenvolvimento do interior. E Lins foi demitido do governo.
Deixando o cargo em 16 de julho de 1877, confiava nas perspectivas do Paraná e não quis mais sair de Curitiba. Sua apaixonada avaliação da nova terra permite entender porque ele quis continuar no Paraná:
“Por sua posição geográfica, felizes condições topográficas, amenidade do clima e fertilidade do solo, o Paraná é a província do império mais apropriada para receber em seu seio imigrantes de todos os países, colonos laboriosos que procuram novo lar e uma pátria onde encontrem o seu bem estar e elementos para firmar o futuro de seus filhos. (...) A sua natureza é esplêndida: quem não a conhece atribuirá à fantasia a mais pálida descrição de suas riquezas naturais”.
Permanecendo, Lins foi designado como inspetor especial de Terras e Colonização, mas também foi demitido, após quatro meses de trabalho. “A exoneração desse último cargo é atribuída a sua candidatura a deputado geral da Assembleia Legislativa do Paraná, o que havia sido previamente proibido a ele no momento em que o referido cargo lhe fora confiado” (Flaviane da Silva Polinarski, A representação sobre a imigração nos discursos de Adolpho Lamenha Lins [1875-1877]).
Telêmaco Borba: trabalho
desprezado pelo Império |
O estratagema da seda
Lins estabeleceu parâmetros para todo o futuro desenvolvimento da colonização e da agropecuária da Província. Seus modelares núcleos de imigração foram adotados pelo governo imperial, dando origem às colônias de Santa Cândida, Orleans, D. Pedro, Tomás Coelho, Santo Inácio e Riviera. Uma delas, aliás, ganharia seu nome: Lamenha.
“Delineava-se para ele, portanto, uma trilogia formada pela colonização, pela indústria e pelo capital, ‘molas mestras’ para a prosperidade do Paraná. Para complementar essa trilogia, a instrução profissional seria a responsável por tornar o camponês mais ativo dentro da economia proposta por ele” (Aparecida Vaz da Silva Bahls, A busca de valores identitários: a memória histórica paranaense).
Lins propunha “fazer o colono aderir à terra que habita, pelo direito de propriedade, facilitando-lhe a aquisição dela” e “depois libertá-lo de qualquer tutela, deixando-o sobre si, e entregue ao desenvolvimento de sua própria iniciativa”.
Ele sonhava alto. Ciente de que a China conservava o segredo da fabricação da seda a sete chaves para manter o monopólio do comércio desse produto no mundo, arquitetou um estratagema para que o Paraná viesse a fazer concorrência à maravilhosa seda chinesa.
Procurando atrair colonos chineses para o Brasil, adquiriu e ofereceu uma chácara para a produção de vinte mil pés de chá. Os chineses de Lins jamais vieram. Nem para produzir chá nem para trazer a tecnologia que ele ambicionava para levar o Paraná ao topo da produção de seda.
Lamenha Lins morreu em sua cidade natal, Recife, em 4 de setembro de 1881. Seu trabalho como governante deu importantes frutos históricos ao Paraná. Um deles, aliás, foi seu filho Bento, futuro governador do Paraná, já na era republicana.
Fonte: Retratos Paranaenses, Projeto Livrai-Nos!
CURITIBA
2008 - Por FLAVIANE DA SILVA POLINARSKI
Monografia apresentada como requisito parcial
para conclusão do Curso de Licenciatura e
Bacharelado em História, do Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal
do Paraná.
Orientadora: Profª. Drª. Roseli Boschilia
CURITIBA
2008 - AGRADECIMENTOS
Vou tentar resumir em uma página sentimentos acumulados no decorrer desses
longos anos acadêmicos. Sim, foram quase cinco anos que pareceram vinte. Enfim,
tenho muito a agradecer. Não dando importância ao que vão chamar de clichês,
agradeço a Papai do Céu, não somente por ter conseguido passar por todas as
dificuldades que encontrei no decorrer do curso, mas também por ele ter colocado
em meu caminho pessoas maravilhosas que me serviram de alicerce. Base essa que
antecedeu minha entrada no meio acadêmico. E a esse embasamento inicial devo a
minha família. Cada um do seu jeito, tentando achar a melhor forma, contribuiu
para meu crescimento como pessoa. A meu pai, mãe e a minha irmã, que mesmo
distante se fez presente, deixo aqui meus agradecimentos.
No decorrer dos anos, outras pessoas vão se aproximando e quando vemos
fazem parte da nossa vida, como se fossem da família. Alguns participam e
compartilham por um longo tempo, outros passam de forma breve, mas não menos
significante. Alguns podem presenciar o inicio de cada escolha que fazemos e
também o resultado delas. Outros, de forma voluntária, ou não, partem antes. Por
partilhar comigo a escolha do curso, por ouvir todos os detalhes das novidades
que a cada aula me deslumbravam, narrados com tanto entusiasmo, diante daquele
inesquecível sorriso transparente, agradeço a Ilson Telles (in memoriam).
Há também aqueles que nos servem de referência. Aqueles que olhamos com
estima e admiração. E que embora estejam avantajados em seu percurso não nos
deixam perdidos pelo caminho. Estendem as mãos e nos levam adiante,
desempenhando o papel de verdadeiros mestres. Nem todos são assim. Mas
conheci um belo exemplo deles, que de forma paciente, dedicada e extremamente
profissional me orientou na construção deste trabalho. Deixo meus sinceros
agradecimentos à Profª. Drª. Roseli Boschilia.
Gostaria de citar aqui o nome de cada amigo que compartilhou risos ou choros
ao longo desses anos, sejam eles do âmbito acadêmico ou não, mas provavelmente
correria o risco de deixar alguém de fora, além disso, seria extensa minha lista.
Obrigada pessoal!
E por último, quero agradecer aquele que tornou o fim dessa etapa mais leve e
mais doce. Aquele que ouviu choros, desabafos e teve sempre um afago para me dar.
Carinhos em forma de palavras, letras e gestos. Obrigada a Fernando Larsen
Glöckner, que essa seja a primeira de muitas conquistas que partilhamos.
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO
1. A IMIGRAÇÃO NO BRASIL: ASPECTOS GERAIS;
1.1 A POLITICA DE IMIGRAÇÃO NA PROVÍNCIA DO PARANÁ;
1.2 O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO E OS PRIMEIROS
EMPREENDIMENTOS COLONIAIS;
2. O USO DA BIOGRAFIA COMO MÉTODO DE PESQUISA;
2.1 PERFIL POLITICO DE ADOLPHO LAMENHA LINS;
2.2 LAMENHA LINS E A REPRESENTAÇÃO DE SUA GESTÃO NA
HISTORIOGRAFIA;
3. PRINCIPAIS ENFOQUES DADOS PELA GESTÃO DE
ADOLPHO LAMENHA LINS;
3.1 SEUS PROPÓSITOS EM RELAÇÃO À IMIGRAÇÃO E
COLONIZAÇÃO;
3.2 AS COLÔNIAS FUNDADAS NO DECORRER DA GESTÃO
LINISTA;
- CONSIDERAÇÕES FINAIS;
- REFERÊNCIAS E FONTES.
RESUMO
No século XIX, após a instalação da Coroa portuguesa no Brasil, algumas leis
favoreceram a entrada de imigrantes no território brasileiro. Num primeiro
momento, a entrada desses imigrantes tinha como objetivo maior povoar os
grandes vazios demográficos ainda existentes. Posteriormente, com o cesso do
tráfico negreiro, o almejo de uma mão de obra livre, branca e morigerada, foi a
responsável pelo estimulo causado pelos dirigentes políticos favoráveis a
imigração de trabalhadores europeus.
Dentre as províncias do Império que promoveram à vinda desses imigrantes,
destacouse a do Paraná. As ultimas décadas do referido século foram marcadas
pelo grande número de imigrantes alojados na província, especificamente nos
arredores de Curitiba.
Atribui-se, em especial, a administração do presidente provincial Adolpho
Lamenha Lins a política imigracionista de maior alcance nesse contexto.
INTRODUÇÃO
Os incentivos que deram origem a essa pesquisa, atribuem-se a leituras de
trabalhos desenvolvidos no meio acadêmico, tendo como discussão central as
políticas imigratórias adotadas no Brasil, em específico no Paraná, no decorrer
do século XIX e início do seu subseqüente.
A maioria desses trabalhos, se não todos, afirmam que o auge da imigração no
século XIX, teve seu início da década de 1870. Posto em destaque a gestão
Adolpho Lamenha Lins, um jovem pernambucano, que teria renovado a política
imigratória paranaense, destacando sua gestão das antecessoras. Sua
administração é sempre enfatizada na contextualização desses trabalhos e posta
como inovadora e promotora na Província do Paraná de um novo modelo de
política imigracionista, reformulando a forma de organizar os núcleos coloniais.
O presente trabalho se propôs a verificar em que medida a política imigratória
adotada por ele foi efetivamente inovadora e até que ponto se diferenciou das
iniciativas tomadas pelos governos anteriores. Além disso, procurou também
constatar quais as pretensões de seu governo no que se referia à questão da
imigração, como ele as colocou em prática e de que forma ele via esses colonos.
Para isso, no primeiro capítulo foi traçado uma contextualização da política
imigratória paranaense durante o período provincial e sua inserção na conjuntura
nacional. O segundo dedicou-se ao estudo do perfil de Lamenha Lins
considerando a relação estabelecida entre a sua vida e o contexto social, político
e econômico da sociedade na qual ele estava inserido, assim como os discursos
presentes na historiografia sobre sua gestão.
O terceiro capítulo trás uma análise dos relatórios apresentados pela gestão
Linista á Assembléia Legislativa do Paraná. Com o objetivo de responder aos
questionamentos levantados no decorrer dos outros capítulos, é nesse fragmento
do trabalho que os discursos de Lamenha Lins são problematizados e
confrontados aos dados apresentados pela historiografia.
1 – A IMIGRAÇÃO NO BRASIL: ASPECTOS GERAIS
Desde o início do século XIX, constatou-se o desenvolvimento de políticas voltadas
para o estabelecimento de imigrantes europeus no Brasil. Para se entender porque
uma política de imigração foi criada é preciso retroceder ao início do século XIX,
especificamente ao ano de 1808, quando a corte portuguesa desembarcou no Brasil.
Logo após a chegada da família real, D. João, sancionou um decreto permitindo o
acesso à propriedade fundiária a estrangeiros, que anteriormente era autorizado
somente aos provenientes da colônia ou da metrópole. Essa iniciativa visava
beneficiar o número significante de portugueses que acompanhou a família real,
bem como atrair imigrantes a fim de estabelecê-los em áreas despovoadas.
Como resultado, um grande contingente de imigrantes aportou em território
brasileiro.
Imigrantes não apenas portugueses, “mas, espanhóis, franceses e ingleses que
viriam a formar uma classe média de profissionais e artesãos qualificados”.
Muitos deles foram atraídos pela nova economia que se formava diante de
outros decretos, entre eles, o que autorizava a abertura dos portos aos países
amistosos e a permissão para a instalação de indústrias, até então negada por
Portugal.
De forma pioneira, em 1818 fundaram-se colônias no Rio de Janeiro com
imigrantes suíços, e no mesmo contexto com imigrantes alemães na Bahia.
O interesse em trazer imigrantes para o Brasil ainda era justificado pela
necessidade de se preencher os grandes vazios demográficos existentes,
principalmente no que diz respeito às províncias que faziam fronteiras com
territórios estrangeiros, o que foi o caso do Rio Grande do Sul, onde em
1824, colônias alemãs foram estabelecidas próximas à divisa com a
Argentina.
Essa iniciativa da Corte, porém, não obteve resultados satisfatórios, pois
a entrada indistinta de imigrantes, além de outros fatores, culminou em uma
sucessão de fracassos desses empreendimentos colonizadores. Diante de
tais resultados, no ano de 1830, uma Lei posta em vigor passou a coibir
qualquer gasto público com a instalação de núcleos coloniais, o que causou
um recuo nas iniciativas favoráveis a imigração.
Somente após o ano de 1834, através de um Ato Adicional, o Império
repassou também às províncias a responsabilidade de “promover e
estimular em colaboração com o poder central o estabelecimento de
colônias”.
Fausto, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, Handelman,
Henrique citado por BALHANA, Altiva Pilatti, PINHEIRO MACHADO,
B., WESTPHALEN, C. História do Paraná. Curitiba: Grafipar.
Sabe-se que após essa iniciativa do governo imperial, os governos locais,
recepcionaram e dirigiram pequenas levas de imigrantes a colônias criadas por
iniciativa própria ou até mesmo patrocinadas por particulares, como acorreu no
Paraná em 1847, ano da fundação da colônia Thereza, pelo médico Dr. Faivre.
No decorrer do século XIX a política imigrantista ganhou outros rumos.
A segunda metade do século XIX foi marcada por diversas mudanças. Entre
elas, podemos destacar a ascensão da economia cafeeira, o proibição do tráfico
de escravos e a escassez da mão-de obra no território brasileiro.
O café, introduzido no Brasil no início do século XVIII e cultivado em diferentes
regiões, a princípio atendia apenas ao consumo local. Foi somente no final desse
século que ele alcançou destaque comercial. Se durante o século XVIII o plantio
do café ainda não era expressivo comercialmente, foi em meados do século
subseqüente que a sua produção ganhou espaço no mercado externo e alavancou
a economia brasileira.
As grandes lavouras exigiam muito empenho e dependiam praticamente da mão de
obra escrava, que por sua vez, tornava-se cada vez mais escassa por conta da
proibição do tráfico de escravos.
Havia uma grande preocupação por parte do governo e também dos produtores
em relação a isso. Para as autoridades influentes a promoção da imigração de uma
nova mão de obra, livre e branca, surgiu como o melhor meio de solucionar esse
problema.
Além disso, as teorias sobre a eugenia, que já eram bastante fortes na Europa,
também refletiram no Brasil o ideal de uma raça branca e pura. Uma das correntes
eugenistas acreditava que a miscigenação, ou seja, a mistura entre os ex-escravos
e os imigrantes europeus, que já traziam com eles os genes superiores da raça
branca morigerada e laboriosa, proporcionaria um futuro geneticamente mais puro
à população brasileira.
Nesse contexto, “a introdução do imigrante branco, livre, pacifico e trabalhador,
representava uma maneira de ajudar a apurar e branquear a raça brasileira e o
trabalho”.
No ano de 1850 o tráfico de escravos foi definitivamente extinto. É importante
ressaltar que desde meados do século, a Inglaterra, nação a qual Portugal se
manteve economicamente dependente por longos anos, vinha pressionando a
corte portuguesa a acabar com o tráfico de africanos para o Brasil. Os ingleses
tinham interesse em acabar com o tráfico de negros entre Brasil e a Africa, pois,
desejavam torná-la mais uma consumidora de seus produtos industrializados.
COLATUSSO, Denise Eurich. Imigrantes alemães na hierarquia de status da
sociedade luso - brasileira (Curitiba, 1869 á 1889). Dissertação de Mestrado,
UFPR : 2004. p. 15. 9.
Há muito a Inglaterra havia trocado a mão-de-obra escrava pelo trabalho
remunerado, pois, com o avanço do sistema capitalista, manter um cativo já não
representava bom negócio.
Um operário trabalhava por mais horas e após cumprir sua carga horária não
tinha mais vínculos com seu empregador. Diferente do escravo, que precisava
ser sustentado e assistencializado pelo seu dono, caso ficasse doente, por exemplo.
Em 1826 um Tratado assinado entre o Brasil e a Inglaterra estipulava um prazo de
três anos para o tráfico de escravos tornar-se ilegal. Embora a Marinha Inglesa
tenha ficado incumbida da inspeção dos navios brasileiros, o acordo não se fez
valer na prática.
No ano de 1831, devido à proposta do Tratado, uma lei foi posta em vigor e
previa grandes punições para quem a burlasse. Além de declarar livre todo cativo
que fosse aportado em território brasileiro também previa penalidades aos
responsáveis pelos navios.
Mesmo diante da pressão inglesa, o tráfico de negros só foi abolido com a lei
sancionada pelo ministro da justiça, Eusébio de Queirós, em 4 de setembro de
1850. Também na década de 1850, logo após a Lei Eusébio de Queirós, outra
lei que se tornaria bastante importante para a política de imigração que foi
estabelecida: a chamada Lei de Terras. Essa lei, criada em 18 de setembro de
1850, previa que as terras pertencentes ao Império só poderiam ser adquiridas
através da compra, ficando assim proibida a outorga gratuita. Se opunha à
Sesmaria, sistema aplicado para a distribuição de terras destinadas à produção,
primeiramente aplicado em Portugal e, posteriormente adaptado ao Brasil.
Segundo a Lei das Sesmarias, o proprietário que não fertilizasse a terra para a
produção e a semeasse, perderia o direito sobre ela e outro agricultor que
tivesse interesse em cultivá-la a receberia. Com a Lei de Terras só poderia
usufruir quem comprasse. Com isso o governo passou a ter mais controle sobre
as terras devolutas, o que facilitou na distinção das propriedades particulares.
Além disso, o dinheiro gerado pela venda dessas terras serviu para custear a
vinda desses imigrantes.
1.1 – A POLITICA DE IMIGRAÇÃO NA PROVÍNCIA DO PARANÁ
“É este um dos assumptos que na actualidade mais prende a atenção
do governo imperial e de todos aquelles que pensam no futuro que
está reservado ao nosso paiz. Povoar os nossos immensos e
desconhecidos territórios, levar a vida aos sertões onde a açção dos
séculos amontoou thesouros de rara valia, e que ali fazem entregues ao
esquecimento, eis o grande pensamento em que se fundara todas as
aspirações dos brazileiros”. (Araújo Abranches).4
No Paraná, desde meados do século XIX, a política imigrantista foi colocada em
destaque pelos seus responsáveis políticos. Ganhando ainda mais força após sua
emancipação da província paulista. Basta uma breve análise nos relatórios dos
presidentes da província para que se constate isso.
O incentivo à imigração de europeus em prol do trabalho braçal foi tido como um
dos pilares para a criação de uma agricultura de abastecimento e subsistência, em
um contexto que a mão-de-obra era tida como escassa, sobretudo, após a
abolição dos escravos. “O fator imediato e concreto era constituído pela grande
pressão da demanda de braço cativo para a cafeicultura, com a conseqüente
mobilização da escravaria em direção, principalmente, às fazendas paulistas”.
Os escravos, que já eram em baixo número na província, devido o estado de
pobreza de seus habitantes, em alguns casos, acabaram sendo revendidos para
os grandes cafeicultores, o que “veio agravar os problemas relativos ao sistema
de abastecimento de gêneros alimentícios”.
O cultivo da erva-mate e a exportação da madeira trouxeram para o âmbito
urbano as decisões políticas tomadas na Província. “As atividades de produção
do mate surgiram, no primeiro planalto do Paraná, quando o governo português
demonstrou seu interesse por essa exploração econômica, nos primeiros
decênios do século XVIII”.
O desenvolvimento urbano da cidade de Curitiba esteve estreitamente ligado á
economia ervateira, uma vez que os grandes produtores de erva-mate
instalaram-se na cidade, 4 PARANÁ. Relatório apresentado a Assembléia
Legislativa Provincial do Paraná em 15 de fevereiro de 1875 pelo presidente
Araujo Abranches. Curityba : Typ. Da Viúva Lopes, 1875.p. 21. 5 NADALIN,
Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações.
Curitiba : SEED, 2001. p. 71. 6 Ibid., p.71. 7 SANTOS, Carlos Roberto
Antunes. Vida Material e Econômica. Curitiba : SEED, 2001. p.39. 11
promovendo a expansão do poder urbano, que anteriormente centrava-se no
campo em torno dos criadores de gado.
É importante ressaltar que nesse contexto os habitantes do planalto curitibano
empenhavam-se no cultivo da erva-mate, deixando assim uma lacuna na
produção de alimentos agrícolas, o que tornava a província dependente de
outras e até mesmo consumidora de produtos importados. Porém, “a crise do
abastecimento só foi resolvida em parte pela importação”.
Fatores como esse foram preponderantes para que a elite local visse a
imigração de trabalhadores europeus como solução a médio prazo para esse
problema. Junto com essa eminente modernização viria à transformação das
relações de trabalho, que acabou por culminar na transição do trabalho
escravo para livre e assalariado.
Já no ano de 1855, uma lei foi posta em vigor na província paranaense.
Segundo ela, o governo ficaria desde então, autorizado a promover a
imigração de estrangeiros, usando o meio mais eloqüente para atrair
preferencialmente os colonos já estabelecidos no território brasileiro.
Para a efetivação desses propósitos, o governo dispunha a quantia de
10:000$000, além de outras restituições relativas aos gastos com a
alimentação e o transporte desses migrantes.
Assim como as outras províncias, o Paraná buscava ocupar os grandes
vazios demográficos existentes em seu território e favorecer uma agricultura
de abastecimento. Para poder sobressair em relação as outras províncias, os
interessados na vinda desses imigrantes argumentavam que a região Sul do
Brasil era mais favorável, por conta do seu clima ameno, se comparado com
as outras regiões, assemelhando-se assim ao ambiente europeu.
Os agentes de propaganda, assim como as companhias de emigração,
espalhados pela Europa, tinham como missão atrair pessoas interessadas em
desafiar um Novo Mundo. Os que aceitavam vir para o Brasil acreditavam
encontrar uma terra fértil, promissora de riquezas. A esses emigrantes foi
descrito um Brasil paradisíaco. Além dessas atrativas propagandas, a
possibilidade de tornarem-se proprietários de suas terras de cultivo justificou
a vinda de grande parte desses emigrantes.
Uma considerável parcela dos emigrados era constituída por camponeses
europeus que viviam de forma indigente, devido as grandes transformações
demográficas e sociais ocorridas no decorrer do século XIX nos países da
Europa, como a Polônia, Itália, Alemanha, Rússia e até mesmo nos países
ibéricos.
Enquanto o excedente de mão-de-obra era tido como um dos agravantes
na maioria das nações listadas acima, existia países como o Brasil,
arregimentadores desse excedente. Ibid., p.39. 12
Nessa "disputa" por imigrantes, além dos outros países da América do Sul,
estava a América do Norte. Para os Estados Unidos também emigraram
inúmeros europeus nesse período.
"Para que os imigrantes fossem atraídos a um país ainda escravocrata, os
administradores empenhavam-se em oferecer-lhes agasalhos, alimentos e
atendimento desde o desembarque nos portos até sua instalação nas
colônias".
Porém, a viagem era longa. Os emigrados passavam dias embarcados em
grandes navios cargueiros. Muitos no decorrer da viagem adoeciam, alguns
chegavam ao óbito antes mesmo do desembarque e outros logo após sua
chegada. Quando desembarcavam no Brasil, especificamente no porto do
Rio de Janeiro, eram alojados na Casa do Imigrante.
Os que vieram destinados à província paranaense eram conduzidos até o
porto de Paranaguá e novamente alojados em algum tipo de hospedaria,
comum nesse período, entre as províncias que recebiam os imigrados.
Sendo assim, finalmente eram encaminhados para as respectivas colônias.
As hospedarias que recebiam esses imigrantes, como foi descrito
anteriormente, debilitados por doenças, até então desconhecidas por muitos
deles, eram desprovidas de uma infra-estrutura adequada e “em todos os
sentidos, esses lugares deixavam muito a desejar, em razão do grande
número de pessoas que abrigavam, das precárias condições de higiene, da
proliferação de doenças, da falta de alimentos e dos conflitos emergentes
desta situação.”
Todo esse percurso tinha uma longa e exaustiva duração devido aos
precários meios de transportes da época. E ao contrário do que fora
prometido aos emigrantes ainda na Europa, a assistência dada a eles pelo
governo brasileiro era falha. As dificuldades enfrentadas por eles estendiam-se
desde o primeiro embarque na Europa até o destino final, ou seja, as colônias.
9 BUENO, Wilma de Lara. Uma cidade bem-amanhecida: vivência e trabalho
das mulheres polonesas em Curitiba. Curitiba: Aos Quatro Ventos. 1999. p.19.
10 Ibid. p.31-32. 13
1.2 – O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO E OS PRIMEIROS
EMPREENDIMENTOS COLONIAIS
Os colonos vindos para a região Sul, ao contrário dos colonos destinados a outras
localidades do país, não eram direcionados a serem trabalhadores em grandes
plantações. Os que no Paraná chegavam, recebiam lotes, de tamanhos variados de
acordo com cada colônia.
Eram instruídos a assinarem um título de posse, que os autorizava a usufruir
legalmente das terras e os comprometia com o pagamento das mesmas.
A quitação dessa dívida, segundo o ideário colonizatório do governo, deveria ser
feita em médio prazo. O que em muitos casos não ocorreu, pois os colonos diante
das precariedades citadas acima, não tinham como angariar subsídios. O governo
prestava assistência financeira por um curto período, até que o homem responsável
pela família conseguisse um trabalho, o que geralmente dava-se nas obras públicas.
Até o ano de 1853, quando o Paraná se emancipou da província de São Paulo, o
número de imigrantes recebidos foi pouco expressivo. Pequenas colônias foram
estabelecidas, porém, a maioria delas foi mal assistidas pelos seus idealizadores,
como foi o caso da colônia Superagüy, estabelecida no litoral em 1852.
As colônias não dispunham de nenhuma estrutura, as estradas de rodagem eram
inexistentes e o solo não estava preparado para o plantio. Pelo fato de estarem
estrategicamente mal localizadas, ficavam longe dos centros consumidores, o que
impossibilitava os colonos de negociarem suas produções. Esses, entre outros
fatores foram preponderantes para a insolvência desses empreendimentos.
Não somente no Sul do país, e também posteriormente a esse contexto, "o
imigrante enfrentou dificuldades de toda ordem. Em muitas áreas de colonização
havia problemas de demarcação de lotes, dando origem a constantes litígios".11
Diante de tais carências, inúmeros colonos optaram pelo abandono das terras
recebidas. Alguns reemigraram para outras colônias ou até mesmo outras
províncias, porém, poucos conseguiram voltar para seu país de origem.
A adaptação foi difícil não somente pelas adversidades físicas encontradas nas
respectivas colônias. Contribuíram também o isolamento cultural ao qual foram
sujeitos e a dificuldade de muitos em interagirem com os habitantes mais antigos.
Além disso, algumas colônias eram compostas por imigrantes de diversas etnias,
o que dificultava ainda mais o 11 PETRONE, Maria Teresa S. O Imigrante e a
pequena propriedade. São Paulo : Brasiliense, 1982. 14 processo de
acomodação dos imigrados. Desentendimentos entre imigrantes de etnias
opostas eram freqüentes e estão sempre presentes nos jornais da época.
Outro fator que gerou contratempos em relação ao sucesso dos núcleos,
explica-se pela pouca habilidade no cultivo da terra por parte de muitos
imigrantes.
[...]Nem todos que vieram eram oriundos do campo; muitos foram recrutados
entre as populações urbanas. Descontentes, desocupados e marginalizados
apareceram sempre em todas as correntes imigratórias. Muito proletário
sonhava em se tornar proprietário e dono de sua própria força de trabalho,
mas não tinha aptidões para o trabalho da terra. (PETRONE; Maria T. S.,
1982: 71).
Embora o maior propósito das autoridades brasileiras fosse atrair imigrantes
camponeses, ou seja, já habituados a lidar com o plantio e o preparo da terra,
muitos artesãos e pequenos comerciantes vieram para o Brasil declarando-se
camponeses. Ao chegarem nas colônias, acabavam abandonando seus lotes
em busca de outras atividades, quase sempre nas áreas urbanas.
Entre os empreendimentos que mais resultaram queixas dos imigrantes está a
colônia do Assungui, fundada no ano de 1860. Mantida com recursos
públicos, essa colônia, além de receber colonos europeus de origem variada,
também abrigava nacionais.
Esse núcleo colonial, desde a sua criação, passou a ser sempre citado nos
relatórios apresentados pelos presidentes da província á assembléia legislativa.
O descontentamento era evidenciado tanto pelos colonos quanto pelos
empreendedores, pois a colônia, desde a sua criação, exigia grandes
investimentos e apresentava pauperismos em termos de resultados.
Todo esse contexto gerou opiniões diversas em relação aos investimentos do
governo em prol da imigração.
Em função dos conflitos, queixas e tensões, das expectativas frustradas em
relação ao Assungui e em função do abandono das colônias por muitos
imigrantes, questionava-se a eficiência da ajuda provinciale Imperial, que
estaria consumindo recursos e impedindo outras ações do governo, por
exemplo, na construção de estradas. (LAMB; EDGAR, 1994, p. 54).
Com exceção da colônia Assungui, outros empreendimentos, no período que
corresponde à pós-emancipação da província, mesmo de forma tênue, tiveram
um bom progresso. E “como resultado, ás três colônias existentes na região no
momento de sua emancipação política – Rio Negro, Thereza e Superagüy –
somaram-se a dezenas de outras, principalmente no decênio inaugurado pelo
ano de 1870 (...)”.12
No decorrer da década de 1870 a política imigracionista paranaense ganhou
novos contornos. Novos empreendimentos foram estabelecidos e o número de
imigrantes recebidos na província teve um aumento significativo. Grande parte
desses bons resultados são 12 NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação
do Território, População e Migrações.Curitiba: SEED, 2001. p. 76. 15 ,
comumente atribuídos ao período que coincide com o governo de Adolpho
Lamenha Lins, iniciado na metade da referida década.
Sendo assim, conforme avançava a segunda metade do século XIX, e auxiliado
pelo fato de que havia na Europa um número cada vez maior de pessoas que
desejavam recomeçar a vida nos países novos, a imigração destinada ao fomento
da pequena propriedade aumentava. Tomava rumos diferentes em relação à
imigração provocada pelos cafeicultores.13 13 Ibid. p. 79. 16
2 – O USO DA BIOGRAFIA COMO MÉTODO DE PESQUISA
“Se designamos por A tudo o que um homem é, possui e faz, esse A é
formado de a + x, onde a representa tudo que lhe vem dos elementos
exteriores, a saber, de seu país, de seu povo, de sua época, etc., e o
pequenino x constitui sua contribuição pessoal, a obra de sua vontade
livre. Por menor que seja esse x, ele tem um valor infinito (...)”.
(Johan G. Droysen14).
Discussões a respeito do uso ou não uso da biografia como método de
pesquisa histórica, alcançaram longas datas. A rejeição dos documentos
biográficos sustentava-se nas críticas direcionadas ao tipo de informações
contidas nas biografias, que em grande medida não correspondiam a uma
história universal, principalmente no período correspondente aoséculo XIX.
Os trabalhos biográficos não eram vistos de acordo com as convenções da
narrativa histórica, justificando assim a desaprovação dos pesquisadores
desse contexto. Além disso, inúmeras biografias ao longo dos anos
constituíram-se em um fácil meio de promoção do biografado. Ou seja, o
“culto à personalidade de políticos, santos, reis e rainhas, enfim, de
personagens históricos eminentes, de elevado prestígio político, social ou
religioso”.15 Isso ocorreu em grande parte devido à importância dada aos
trabalhos biográficos, pelos historiadores positivistas. Uma vez que o
pensamento positivista centrava-se em destacar grandes feitos, realizados
por grandes homens. Essa corrente “a qual contaminou a escrita da
história no final século XIX e início do século XX, contribuiu para, mais
uma vez, não considerar esse tipo de texto, haja vista o esforço dos
historiadores em negar a influência do positivismo”16, num contexto
posterior.
14 Droysen, Johan G. citado por. LORIGA, Sabina. A biografia como
problema. In: REVEL, Jacques (org.).
Jogos de Escalas. A experiência da microanálise. Tradução: Dora ROCHA,
Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 233.
15 GUIMARÃES, Valéria Lima. Em torno da biografia como um gênero
histórico: apontamentos para uma reflexão epistemológica. ANPUH, UFRJ,
2002. 16 JUNIOR, José P. de Farias. Biografia e historiografia: contribuições
para interpretação do gênero biográfico na Antiguidade. Revista Espaço
Acadêmico, n. 68. Janeiro/2007, São Paulo. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br/068/68fariasjr.htm#_ftnref2.
Acessado em: 14/08/2008. 17
Tais conotações, aliadas às teorias macrossociais, em grande evidência nos
idos dos anos 60, preocupadas com o estudo das minorias, da coletividade
que punha o indivíduo no anonimato, puseram em dúvida a validade da
biografia enquanto um gênero para a História e transformaram-na num recurso
menor, desprestigiado justamente pela crença de que o gênero biográfico
possuía uma componente ideológica comprometida com as elites políticas,
interessadas no culto à sua personalidade e na manutenção do seu status quo
(GUIMARÃES; Valeria L, 2002).
Além disso, a biografia enquanto gênero, podendo ser usada em diferentes
propósitos, sempre transitou entre o campo da literatura e o da história. Sua
vinculação com a literatura, fez com que alguns pesquisadores a
correlacionassem com a ficção, o que não condizia e não condiz com o
trabalho do historiador e seu compromisso com a veracidade.
Apesar de terem persistido por boa parte do século XX, essas idéias foram
repensadas a partir da década de 1980, juntamente com o surgimento de
novos métodos de pesquisa e com a inovação nas abordagens teórico-
metodológicas no campo da pesquisa histórica. Tais como “a história oral,
os estudos sobre a cultura popular e a história das mulheres. O desejo de
estender o campo da história, de trazer para o primeiro plano os excluídos
da memória, reabriu o debate sobre o valor do método biográfico.”17
Nas últimas décadas, o interesse pelo trabalho biográfico ganhou espaço e
tem representado um número significativo entre as pesquisas no campo da
história.
Este grande interesse por biografias é um movimento perceptível em diversas
correntes recentes, tais como a nova história francesa, o grupo
contemporânea de historiadores britânicos de inspiração marxista, a micro-
história italiana, a nova história cultural norte-americana, a historiografia alemã
recente e ainda a historiografia brasileira atual. Apesar das diferenças entre as
tradições historiográficas, podemos notar em todas elas o interesse pelas
trajetórias singulares.
(SCHMIDT 18, 1997:3 citado por PIOVESAN, G. K, 2007).
Como exemplos de alguns trabalhos que são bastante referenciados, seguindo
a biografia como principal meio de pesquisa, pode-se citar a obra de Carlo
Ginzburg, na qual o autor retrata a trajetória de um moleiro, Domenico
Scandella, mais conhecido em seu meio como Menocchio. Ginzburg relata
muito mais do que o cotidiano de um diferenciado sujeito do século XVI.
Demonstra que embora “comparado com seus conterrâneos, o moleiro foi um
homem bem diferente, mas não deixa de ser representativo. A singularidade
de Menocchio tem seus limites, da cultura da época e da própria classe”.19
Entre os autores que discutem as abordagens do gênero biográfico enquanto
pesquisa histórica está Sabina Loriga. A autora, em seu trabalho intitulado A
Biografia como 17 LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL,
Jacques (org.). Jogos de Escalas. A experiência da microanálise. Tradução:
Dora ROCHA, Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 224.
18 SCHMITD, Benito. Construindo biografias. Historiadores e jornalistas:
aproximações e afastamentos. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n 19,
1997. 19 PIOVESAN, Greyce Kely. Biografia, trajetória e história. IV Encontro
Regional Sul de História Oral: culturas, identidades e memórias, 2007,
Florianópolis. Anais eletrônicos. Florianópolis: UFSC, 2007. 18
Problema, discorre sobre três autores, de épocas distintas, que também se
apropriaram do uso da biografia. O primeiro deles Thomas Carlyle, o qual,
segundo Loriga, acreditava que história poderia ser interpretada através dos
"grandes homens" causadores de grandes feitos, o que ela intitula como O
Homem Herói.
O segundo, Jacob Burckhardt, assim como Carlyle também defendia a
grandeza histórica, porém, para ele antes do herói viria o indivíduo, aquele
que sofre, sente e é mortal. Burckhardt era contrário a ideia romantizada do
herói que aparentemente era imune aos acontecimentos do mundo. A autora
reconhece esse homem "criado" e estudado por ele como O Homem
Patológico, aquele que sofre.
Já Hippolyte Taine, figura como o terceiro autor analisado pela autora. Taine,
ao contrário dos autores anteriormente citados acima, "detestava o hábito que
tinham tantos historiadores de transformar uma pessoa em missionária da
providência ou em símbolo de uma civilização, e estava bastante decidido a ir
procurar os homens em suas oficinas, seus escritórios, ao ar livre e à luz do sol,
em sua terra e em suas casas”20. Loriga nomeia o homem analisado pelo autor
como O homem partícula, aquele é que é visto de forma fragmentada, porém,
relevado e inserido no contexto onde vive.
Baseando-se nas reflexões de Loriga, buscou-se compreender a política
imigratória provincial no Paraná, entre os anos de 1875 e 1877, traçando a
biografia de Adolpho Lamenha Lins. Assim é importante esclarecer que o
objetivo da pesquisa não é enaltecer um herói ou apresentá-lo como único
no seu contexto, mas sim em analisá-lo "como sujeito com capacidade de
influenciar o meio no qual viveu; além de constatar a ingerência desse meio
na sua trajetória pessoal”21 20 Loriga, op. cit., p. 241. 21 DAS MERCES,
J. S. Pinto. Basílio de Guimarães. Trajetória e estratégia de mobilidade social
(1874- 1957). UFSJ, 2005. Disponível em: http://gabi.ufsj.edu.br/Pagina/pghist/dissertacoes_e_monografias. php
Acessado em: 17/09/2008.
2.1 – PERFIL POLITICO DE ADOLPHO LAMENHA LINS
Adolpho Lamenha Lins nasceu no ano de 1845, na cidade do Recife, em
Pernambuco, onde também estudou e recebeu o título de bacharel em Leis22.
De família abastada e tradicional, neto de marquês e filho de um coronel,
Lamenha casou-se pela primeira vez com uma de suas primas, Maria Leonor
Corrêa de Sá e Benevides, com quem teve seu único filho. Posteriormente,
após ter ficado viúvo, casou-se novamente com Cândida de Oliveira, cujo
nome foi dado à primeira colônia estabelecida em seu governo na província
paranaense.
Lamenha Lins iniciou a sua carreira política exercendo o cargo de promotor
público na Província de Alagoas. Na seqüência, além de secretário do governo
e deputado da Província e Pernambuco, foi também diretor da Sociedade
Emancipadora do Recife.
Antes de ser nomeado pelo governo imperial para assumir a presidência da
Província do Paraná, já havia presidido a Província do Piauí no ano de 1874,
porém não permaneceu no cargo, tendo solicitado, exoneração naquele mesmo
ano. Nesse mesmo período também chegou a ser nomeado presidente da
Província do Amazonas, contudo, se negou a assumir o cargo. Os motivos que
o levaram a tomar essa decisão são desconhecidos. O que se sabe, no entanto,
é que, logo após ter declinado desse convite, Lamenha Lins foi nomeado a
presidência da província paranaense.
No Paraná, ocupou o cargo de presidente de província, “sendo nomeado
através de um ato imperial em 10 de abril de 1875, tomando posse no dia 8 de
maio.”23 Exerceu o cargo por aproximadamente dois anos e, mesmo após ter
sido destituído em 1877, permaneceu na província, pois foi nomeado, na
seqüência, para assumir o cargo de Inspetor Especial de Terras e Colonização.
Tudo indica que foi nomeado para esse cargo com o objetivo de auxiliar e dar
continuidade aos empreendimentos ligados à imigração e, principalmente, ao
desenvolvimento do cultivo de cana e na industrialização do açúcar no litoral
da província, cujo projeto Lamenha Lins já mencionara em seu relatório de
1876. 22 Equivalente ao curso de Direito. 23 SANTOS, Ayrton Ricardo dos.
Lamenha Lins e o engenho central de Morretes. BIHGEP, Vol. XLIX,1995.
p. 8. 20. No distrito de Antonina já se fabricou excelente açúcar branco, mas
abandonaram está indústria pela aguardente que é mais fácil e lhes dá mais lucro.
A aguardente ali fabricada é de 1ª qualidade, e a dos demais distritos do litoral,
do Assungui, do Ivaí, e outros lugares dá para o consumo da província e às
vezes é exportada24.
Entretanto, sua permanência no cargo não chegou a completar quatro meses. A
exoneração foi atribuída a sua candidatura a deputado geral da Assembléia
Legislativa do Paraná, o que havia sido previamente proibido a ele no momento
em que o referido cargo lhe fora confiado.
Politicamente era considerado liberal, tendo sido um “partidário entusiástico do
movimento em prol da libertação dos escravos, foi ativo auxiliar da idéia da
emancipação que, aliás, empolgava o país”25, no contexto da segunda metade
do século XIX. Seu envolvimento com os ideais abolicionistas, provavelmente
explicam sua defesa em prol da imigração de trabalhadores europeus e livres.
É importante lembrar que a sua formação acadêmica, pode ter influenciado muito
na sua visão política. Lamenha Lins recebeu o título de bacharel em Direito no
ano de 1867.
Nesse contexto, as ideologias liberais europeias ecoavam no mundo todo,
inclusive no Brasil.
A criação das Escolas de Direito no Brasil foi uma forma encontrada pela elite
política da época, em difundir os ideais liberalistas como uma nova diretriz para
as abordagens políticas e jurídicas. Entre as escolas fundadas no decorrer do
século XIX, destacam-se a da Província de São Paulo e a da também
provinciana Escola de Direito do Recife.
Os primeiros bacharéis em Direito formados no Brasil, principalmente no período
correspondente a formação de Lamenha Lins, ocupavam o papel dos principais
intelectuais do país. Visto que eram iniciados politicamente ainda dentro da
academia, tinham mais probabilidades em ocupar cargos públicos, como de fato
ocorria.
Embora as ideologias liberais que vigoraram no Brasil tenham tido significantes
diferenças em relação às que eram propagadas pela Europa, caracterizadas pela
luta da classe burguesa emergente, versos o privilégio desfrutado pela nobreza,
o “liberalismo disseminado no Brasil servia para garantir os interesses das
oligarquias e dos grandes latifundiários, que eram a classe dominante na época,
detentoras da propriedade privada e dos meios de produção de riqueza.”26 O
Brasil que por boa parte do século XIX, manteve sua mão-de-obra escrava,
24 As citações longas explicitadas no decorrer do trabalho que contemplarem
trechos dos relatórios provinciais, apresentados por Adolpho Lamenha Lins,
serão transcritas para o português atual para facilitarem a compreensão da leitura.
25 CARNEIRO, David. História do período provincial do Paraná: Galeria de
presidentes da província. Curitiba: Banestado, 1994. p 261. 26 ANDRADE,
Gisele C. Formação do Bacharel em Direito no século XIX. 2006. Disponível em:
http://www.direitonet.com.br/artigos/x/29/67/2967/#perfil_autor Acessado em:
18/11/2008. 21 contradizia-se com as ideologias liberais, defensoras da igualdade
e liberdade entre os homens. “Constata-se que essas duas diretrizes praticamente
desapareceram neste país, haja vista que a escravidão foi mantida, [onde] a troca
de favores era uma prática constante e as desigualdades econômicas e sociais
aumentavam cada vez mais.”
Eliminar esses contrastes evidentes entre a ideologia liberal e a então atual situação
política vigente dentro daquele contexto, ressurgia, assim, como um dos grandes
desafios objetivados pelos declarados abolicionistas.
Afinal, os princípios liberais construídos ao longo de Setecentos (retomando a
idéia de Natureza) erigiam a liberdade em direito e assim, a escravidão deixava
de ser vista sob o ponto de vista religioso, para ser discutida como atentado ao
direito à liberdade. O pensamento que foi sendo elaborado no Setecentos
condenava a escravização dos negros no Novo Mundo, na medida em que
contestava, na realidade, todo o antigo regime. (PRADO; 2002:93).
Portanto, é nesse contexto social e político que Adolpho Lamenha Lins estava
inserido. Embora tenha assumido a presidência da Província do Paraná com
pouco mais de trinta anos de idade, já demonstrava ter uma relevante experiência
política. Tanto que as medidas tomadas por ele no decorrer de sua gestão são
atribuídas as suas experiências políticas adquiridas em outras províncias o que
“forneceu-lhe uma visão até certo ponto critica dos procedimentos imigrantistas
que ocorriam em âmbito nacional.”28 Porém, é importante lembrar, que dentro
desse contexto, era comum que homens de famílias abastadas, instruídos
academicamente, ocupassem cargos públicos ainda muito jovens, como já foi
mencionado no presente trabalho. Sendo assim, Lamenha Lins não deve ser
transposto como um homem que foi exceção em seu contexto, pois, a seu
exemplo, vários outros ocupantes de cargos públicos, acumularam experiências
em diferentes funções, ainda bem jovens. 27 Ibid. (s. p.) 28 BUENO, Wilma de
Lara. Uma cidade bem-amanhecida: vivência e trabalho das mulheres polonesas
em Curitiba. Curitiba: Aos Quatro Ventos. 1999. p. 22. 22
2.2 – LAMENHA LINS E A REPRESENTAÇÃO DE SUA GESTÃO NA
HISTORIOGRAFIA
O nome de Lamenha Lins é encontra-se facilmente em trabalhos acadêmicos,
livros e em pesquisas de um modo geral, que abordam temas ligados a imigração,
sejam relacionados a alguma etnia especifica ou não. Seu governo é sempre
usado como assunto de contexto e é interessante observar, que embora o número
de pesquisas em torno da imigração e a figura de Lamenha Lins seja bastante
significativo na contextualização das mesmas, ainda não houve a realização de
uma pesquisa analisando seu perfil do ponto de vista político, bem como as
representações que ele tinha sobre a imigração. Arrisca-se até uma análise sobre
sua personalidade, exaltando algumas das suas supostas características.
Homem de ação, bom político, hábil e simpático no trato das pessoas, logo
superou a frieza com que fora recebido. Em pouco tempo, por essas qualidades
e pela firmeza, bom senso e serenidade que imprimia aos atos governamentais,
conquistou a amizade e o respeito dos paranaenses. (AYRTON; Santos: 1995:9)
Certo traço romântico também é atribuído a ele. E essa atribuição é justificada ao
seu envolvimento com uma sobrinha, anos mais nova. Contrapondo sua família,
Lamenha Lins teria a raptado e se casado com ela.
Porém, muito pouco foi escrito á respeito de sua vida pessoal.
Sua origem e sua formação política não são assuntos abordados com ênfase pela
historiografia.
Em relação a sua gestão na Província do Paraná, a historiografia, afirma que ele
teria implantado um novo sistema de colonização fundando diversas colônias nos
arredores de Curitiba, diferentemente dos modelos já organizados na província e
até mesmo no Brasil. A inauguração desse sistema atribui-se a sua posterior
constatação das experiências já empreendidas no território paranaense, Sendo
assim, [...] após tomar conhecimento das experiências pioneiras do Estado e
particulares das grandes colônias, dentre elas: Superagüi, Assungui, Ivaí,
Alexandra, Eufrasina, Pereira e Colônia Militar do Jataí e dos Aldeamentos de
São Pedro de Alcântara, de São Jerônimo e de Parapanema, e ainda das
colônias municipais existentes no rocio de Curitiba: Colônia Argelina (1869),
Pilarzinho (1871) e Abranches (1873). (NUNES; 2001:78).
Após as observações feitas nas respectivas colônias, o governo de Lamenha
Lins teria identificado as principais falhas e causas das insolvências nesses
empreendimentos. Tais como a infertilidade solo, a localização dos núcleos
longe das principais estradas de rodagem, que dificultava o transporte das
produções geradas dentro dos núcleos coloniais.
Diante dessas constatações foram formuladas propostas de melhorias.
E as mesmas são evidenciadas como um diferencial em prol da imigração e da
resolução dos problemas 29 CARNEIRO, David. História do período
provincial do Paraná: Galeria de presidentes da província. Curitiba: Banestado,
1994. p 262. 23 apresentados nas colônias já estabelecidas no território
paranaense. Assim, o discurso presente refere-se à gestão de Lamenha Lins
como elaboradora de “um projeto de largo alcance e de sucesso garantido
para atrair o imigrante estrangeiro.”30 Seja ele proferido pela historiografia
recente, ou através de pesquisas mais antigas, há uma coerência entre as
opiniões, nas quais a afirmação desse discurso prevalece.
Sua gestão é sempre posta como a que “dinamizou a localização das colônias
agrícolas nas proximidades dos centros urbanos com o objetivo de colocá-las
junto aos mercados consumidores.”31
Na maioria das obras analisadas, os discursos de Lamenha Lins, transpostos
através dos seus relatórios apresentados à Assembléia do Paraná, são citados
e seus dados repetidos.
Sua gestão, mais tarde compreendida pela denominação de Linista, é apontada
como a administração que fez do problema imigratório a sua principal meta.32
Sendo assim, sua gestão teria promovido uma intensa atividade colonizadora, que
abrangeu principalmente o rocio de Curitiba, estendendo-se até o planalto
curitibano. As colônias fundadas por ele situavam-se em uma distância da capital,
variável entre trinta quilômetros.33
Por vezes, também é visto como o presidente que deu voz a defesa da política
imigratória. E as suas argumentações apontadas como “característica[s] do
pensamento liberal, [que] demonstrava[m] uma descrença em relação à
intervenção do Estado na administração das colônias”34, embora essa ligação
de Lamenha Lins com as ideologias liberalistas sejam pouco evidenciadas pelos
autores.
Assim como também não é explicitada a opinião dos opositores políticos à gestão
Linista. Apenas alguns indícios são levantados sobre a opinião daqueles que se
contrapunham às medidas tomadas por ele no decorrer da sua gestão:
30 BUENO, Wilma de Lara. Uma cidade bem-amanhecida: vivência e trabalho
das mulheres polonesas em Curitiba. Curitiba: Aos Quatro Ventos. 1999. p. 23.
31 ANDREAZZA, Maria Luiza. O Paraíso das Delicias: um estudo da imigração
ucraniana. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. p. 44. 32 WACHOWICZ, R. C.
Santa Cândida: Pioneira da colonização Linista. Fundação Cultural de Curitiba,
1975. p. 4. 33 BALHANA, Altiva Pilatti, PINHEIRO MACHADO, B.,
WESTPHALEN, C. História do Paraná. Curitiba: Grafipar, 1969. p. 163.
34 LAMB, Roberto Edgar. Uma Jornada Civilizadora: Imigração, Conflito
Social e Segurança Pública Na Província do Paraná – 1867 a 1882. Dissertação
de Mestrado, UFPR: 1994. p. 56. 24
Ao principio, acusaram-no de comprar caro os terrenos, alegando-se que, longe
no interior, poderia obter grandes extensões por preço muito menor. Mas ele
respondia com razão que seria inepto reunir colônias longe dos centros populosos
e estradas fáceis, pois os produtos colhidos não encontrariam consumo (...)
(MONTEIRO35; ? ).
Os jornais que eram vinculados no período traziam mais detalhes dessas críticas,
principalmente no fim da gestão de Lamenha Lins, como exemplifica o trecho
publicado no jornal Província do Paraná36, sob o título “Parabéns á Província”:
Acha-se, afinal, destituído da presidência desta província o atrabilitário pró-
consul que tantos e tão grandes males tem derramado sobre ela, no longo período
da mais nefasta administração que tem infelicitado o Paraná.
Ao que tudo indica, sua gestão foi bastante criticada por conta dos gastos por ele
empreendidos, pois, foi grande o número de obras executadas no decorrer do
seu governo, sejam elas direcionadas a reformas de estradas, alargamento ou
abertura das mesmas, assim como na construção de pontes, capelas entre outros
empreendimentos, como a compra dos lotes para o assentamento dos numerosos
imigrantes recebidos entre os anos da sua administração.
35 MONTEIRO, TOBIAS. Do Rio ao Paraná. (?) citado por CARNEIRO,
David. História do período provincial do Paraná: Galeria de presidentes da
Província. Curitiba: Banestado, 1994. p 264. 36 Província do Paraná. 7/1877.
(?) citado por SANTOS, Ayrton Ricardo dos. Lamenha Lins e o engenho
central de Morretes. BIHGEP, Vol. XLIX, 1995. p. 29. 25.
3– PRINCIPAIS ENFOQUES DADOS PELA GESTÃO DE ADOLPHO
LAMENHA LINS
No decorrer de seu governo, como prestação de contas a Assembléia legislativa do
Paraná, Lamenha Lins apresentou três relatórios. O primeiro datado em
15/02/1876 contendo 153 páginas, o segundo de 15/05/1877 com 142 páginas e o
terceiro com a data de 16/07/1877, contendo apenas 24 páginas e um anexo
datado em 17/08/187737, todos tipografados pela Viúva Lopes. A apresentação
desse tipo de documento não se restringe somente a gestão de Lamenha Lins, todos
seus antecessores, assim como seus sucessores foram incumbidos de tal exercício.
Era de praxe que os relatórios fossem iniciados com discussões resumidas a
respeito da situação econômica, política e social da província. Assim, como através
deles, eram informadas as condições a qual se encontrava a família real, tanto dos
membros que se presentes no Brasil, quanto aqueles que na Europa estavam.
Seguindo o padrão de relatórios já apresentados, a gestão de Lamenha forneceu
informações minuciosas a respeito de seus gastos, empreendimentos e de forma
geral de todos os acontecimentos mais importantes na província.
No início de sua gestão, Lamenha Lins expõe alguns de seus propósitos e
compromissos: Posso assegurar-vos que não me tem faltado bons desejos e
disposição para iniciar e realizar os melhoramentos morais e materiais de que
tanto carece esta província; mas ante os embaraços financeiros que encontrei,
preferi cingir-me ao que fosse mais urgente e indispensável, a comprometer
ainda mais as finanças da província. [...]Na exposição que passo a fazer-vos –
trabalho cuja imperfeição sou o primeiro a reconhecer – não encontrareis as
flores de uma eloqüência que estou longe de possuir; porem achareis, na
linguagem positiva das cifras e dos dados oficiais, a verdade sobre o estado
da província e suas mais palpitantes necessidades.
A respeito dos assuntos políticos, a primeira questão abordada por ele faz
menção ao impasse travado entre a Província do Paraná e a Província de
Santa Catarina, em relação às demarcações de suas divisas. Lamenha Lins
se coloca prontamente contra as reivindicações da província catarinense
afirmando que devido à grande extensão do território paranaense, queria a
outra parte enriquecer-se de seu patrimônio. O desentendimento entre as
duas províncias ganha destaque nos dois primeiros relatórios apresentados
por ele, onde afirma que os desentendimentos entre as duas províncias tinha
ganhado tal amplitude que estariam até ameaçando a segurança pública.
A parte dedicada a esse assunto no relatório é bastante significativa, porém,
não cabe a esse trabalho ser enfatizada.
Para uma melhor compreensão do texto, os relatórios serão referenciados
ao longo dos capítulos como primeiro, segundo e terceiro, seguidos da
numeração das páginas consultadas. 38 Primeiro relatório, p. 2-3. 26
Entre dados tabelados, informativos a respeito da gestão pública e questões
de segurança, saúde e bem estar da população provincial, estão críticas as
ruins condições das igrejas encontradas nas freguesias. Inclusa nessas
estatísticas encontrava-se a igreja matriz de Curitiba, que segundo é relatado
estava em estado de ruínas, o que a impossibilitava de uma reforma.
Esse fator justifica a demolição do antigo prédio e o início da construção da
atual catedral. Porém, sua administração foi responsável pelo início dessas
obras, concluídas quase duas décadas depois.
Outro assunto bastante destacado em sua gestão foi à educação pública.
Posta como indispensável para a formação de cidadãos conscientes, que por
meio da educação deveriam conhecer seus direitos e contribuir para o
progresso do povo paranaense.
E é nos trechos onde se refere à educação que o discurso Linista mais se
aproxima dos ideários liberalistas, sempre buscando exemplos no sistema
educacional europeu.
Tal importância dada à educação era exemplificada com a justificativa de
que a despesa empenhada com este assunto correspondia à quarta parte da
receita da província.
Além disso, a instrução primária, a instrução primária superior e a instrução
secundaria superior seriam de grande valia na província, como é descrito no
relatório: “necessária se torna a criação de cadeiras de instrução primária
superior, preparação indispensável aos que se consagram ao magistério.”
Na sua gestão foi fundada a Associação Propagadora de Ensino, cuja
finalidade seria a promoção de conferências literárias noturnas, a exemplo da
Europa e de alguns países da América. A respeito dessas medidas, através do
relatório40, Lamenha Lins informa que:
Conhecendo os excelentes resultados que tem produzido nos países cultos as
conferencias publicas, procurei acomodá-las aos negócios do ensino, visando
o aperfeiçoamento dos métodos pedagógicos, e a utilidade imediata dos
professores públicos. Para que semelhantes discussões, sempre interessantes
e proveitosas, não funcionassem em circulo demasiadamente estreito, institui
que o resumo daquelas fosse publicado no jornal oficial para o conhecimento
dos professores da província.
Em seu último relatório, o presidente justifica que boa parte dos gastos da
província no decorrer do seu mandato, tão criticados pela oposição, foram
destinados ao carente sistema de ensino que até então figuravam o território
provincial: O estado financeiro da província, posto não seja, como adrede se
propala ruinoso e desanimador, não é toda via satisfatório (...) O considerável
aumento de despesa que ao desenvolvimento da instrução publica primaria e
secundaria da província trouxe (...)41. 39 Primeiro relatório: p. 50. 40 Segundo
relatório: p. 52. 41 Último relatório: p. 11. 27
Em relação às obras públicas, em sua gestão, foram realizadas mais reformas
do que construções. Principalmente no que diz respeito às reabilitações de
estradas bastante importantes no contexto, pelo grande fluxo de transeuntes.
Entre elas encontra-se a Estrada da Graciosa, caracterizada como uma das
principais vias da província, pois a mesma ligava a capital ao litoral. Segundo
ele, embora muitos desacreditassem na reestruturação da estrada, devido aos
poucos recursos financeiros que a província dispunha, diante de tantas dívidas
herdadas da gestão anterior, a reconstrução da estrada foi concluída, tendo ele
pessoalmente inspecionado no intuito de apressar e garantir as obras.
Estradas no interior da província também são citadas em seu primeiro relatório,
onde ele descreve a precária situação de algumas, ressaltando a importância da
reestruturação dessas vias, como a que ligava Jaguariaíva a Itararé42:
A distância entre estes dois pontos é de 33 quilômetros [...] Nos 17 passes que
se encontram nesta estrada e na ponte sobre o rio Itararé, divisa desta província
como a de S. Paulo, é preciso fazer alguns reparos.
A descida e subida do Jaguaricatú de fortíssimos declives, são passagens
perigosas que devem ser com toda a urgência melhoradas. É preciso fazer ali
uma cava que facilite o transito; esta obra pôde ser feita sem grande dispêndio,
e não deve ser adiada.
Os relatórios apresentados pela gestão Linista, apropriam-se de números
estatísticos para estabelecer comparações com as administrações anteriores.
E esse método fica bastante evidente quando são apresentadas tabelas com
dados informativos, com o intuito de colocar o governo de Lamenha Lins de
forma sobressalente aos anteriores.
Evidencia-se essa estratégia quando o assunto abordado nos relatórios se diz
respeito à segurança e o número de crimes cometidos, e as respectivas prisões
efetuadas no decorrer de sua gestão. Através de quadros demonstrativos esses
dados são comparados aos obtidos nos quatro anos anteriores a sua
administração. 42 Ibid. p. 68. 28. Os dados são favoráveis ao governo de
Lamenha Lins, onde é enfatizado que os resultados demonstravam o brio do
povo paranaense onde os mesmos procuravam “manter os foros de
morigerados e ordeiros, que conquistaram por sua boa índole e amor ao
trabalho.”43 No mesmo trecho ele segue afirmando:
De fato, o exame comparativo do número de crimes praticados no ultimo
qüinqüênio apresenta um resultado bastante lisonjeiro para os habitantes dessa
província. É assim que o numero de crimes cometidos no ano ultimo é
notavelmente inferior ao dos praticados em qualquer dos anos anteriores.
Através das análises submetida aos relatórios, foi esse o único trecho
encontrado no qual ele se refere aos paranaenses como morigerados e
trabalhadores, no mais, esses termos foram apenas usados como referência
aos imigrantes. Além do mais, as estatísticas apresentadas no relatório,
parecem ter o intuito de demonstrar a boa convivência entre os imigrados e
os nativos da província.
Aceresce que além do seu desenvolvimento natural, tem a população da
província recebido considerável incremento com a imigração estrangeira,
sem que o aumento da população influísse proporcionalmente no numero
de crimes praticados.44 43 Segundo relatório: p. 15. 44 Ibidem p. 15. 29
3.1– SEUS PROPÓSITOS EM RELAÇÃO À IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO
A política imigratória, sem questionamentos foi um dos principais enfoques dados
pela gestão de Lamenha Lins. Porém, é relevante lembrar que diante sua defesa a
abolição da escravatura, a preferência por uma mão-de-obra alternativa, branca e,
segundo as próprias observações de Lamenha Lins, morigerada e laboriosa é
justificável.
É interessante observar que o primeiro relatório de sua gestão, na parte destinada
aos assuntos da imigração, inicia-se com uma contextualização da atual situação
política do Império, destacando as intervenções por parte da Inglaterra e a pressão
ao governo central brasileiro no intuito do cessar do tráfico negreiro.
Manifestando-se favorável as medidas tomadas pelo governo brasileiro, Lamenha
Lins afirma que “foi em homenagem aos brios nacionais que o Brasil fez cessar em
um ano o que a força do canhão estrangeiro não conseguiu fazer um vinte anos.”
Embora ele não deixe de ressaltar que A cessão do tráfico pôs em apuros o
lavrador brasileiro, para conseguir os braços que faltavam, teve de comprar
escravos por alto preço, sujeitando-se a débitos com grandes juros que elevaram
a divida hipotecaria do império a uma soma enorme, tocando a Província do
Paraná a de 315:931$[réis].
Nesse mesmo trecho Lamenha Lins já apontava falhas não só nos núcleos coloniais
estabelecidos na província, mas também criticava a atual política de imigração
adotada pelo Governo Imperial, e em contraposição lançava novas propostas.
Segundo Lamenha, o território possuía condições privilegiadas para receber os
colonos europeus e, o Paraná seria dentre as províncias “do império, [a] mais
apropriada para receber em seu seio immigrantes de todos os paizes, colonos
laboriosos que procuram novo lar e uma patria onde encontrem o seu bem estar
e elementos para afirmar o futuro de seus filhos”.
Semelhante aos outros presidentes da província, Lamenha almejava atrair
correntes de imigração espontânea. Mas para o alcance dessa meta, algumas
mudanças que variavam desde a abordagem feita ao imigrante ainda em seu país,
até o transporte dessas pessoas, precisariam ser implantadas. As seis melhorias
propostas por ele, tidas como bases para a política de imigração em seu governo
foram: 45 Primeiro relatório: p. 77. 46 Ibid. p. 78.
As propostas foram apresentadas no relatório presidencial datado em 15/02/1876
e transcritas para o português atual em forma de tópicos para melhor compreensão.
• Dizer a verdade ao imigrante sobre a nova pátria que vem procurar e, em vez
de poéticas descrições e exageradas promessas, convencê-lo de que temos a
seu alcance terras fertilíssimas, e promovemos a construção de boas vias de
comunicação.
• Facilitar-lhe o transporte, evitando que o imigrante sofra privações e mau
tratamento até o termino de sua viagem.
• Dividir bons lotes de terras nas vizinhanças dos centros populosos e fazê-los
comunicáveis por estradas de rodagens.
• Fazer o colono aderir a terra que habita, pelo direito de propriedade,
facilitando-lhe a aquisição dela.
• Evitar que o imigrante, ao chegar, sofra vexames que o abatam o ânimo, aos
seus primeiros passos em regiões desconhecidas.
• Estabelecer bem o colono, com todos os favores prometidos, e depois
libertá-lo de qualquer tutela, deixando-o sobre si, e entregue ao
desenvolvimento de sua própria iniciativa.
Ainda segundo as informações descritas no relatório, à vinda e o alojamento
dos imigrantes para a província, dentro das possibilidades propostas acima,
seriam mais vantajosas economicamente do que a forma até então empregada
pelo governo central. Uma comparação é estabelecida entre os gastos para o
assentamento de imigrantes em colônias como Argelina (1869), Pilarzinho
(1871) e Abranches (1873)48, ou seja, colônias próximas à capital da província
e a quantia já empenhada pelo governo na manutenção da colônia Assungui.
Considerados pelo lado econômico, os núcleos coloniais nos arredores da cidade
levam ainda grande vantagem sobre as colônias mantidas pelo Estado (...).
O estabelecimento de um núcleo de 10 famílias pode custar 20 contos de réis,
incluindo a compra do terreno, construção de casas e todos os favores quea lei
dispensa ao colono; fica ele perfeitamente estabelecido e habilitado a dedicar-se
á lavoura e á indústria certo de que encontra mercado fácil para vender o produto
do seu trabalho. (...) Se tomarmos para exemplo das colônias do Estado a do
Assungui o contraste então será completo (...). Elevando-se as despesas anuais
da colônia à cerca de cem contos de reis (...).
O menor custo gasto para a fundação dessas colônias, em parte, justifica-se
pela não necessidade da construção de novas estradas de rodagem.
“O aproveitamento dos terrenos contíguos às estradas carroçáveis já existentes,
como a Graciosa [e] a estrada de Mato Grosso que ligava Curitiba com os sertões
dos Campos Gerais”50, foi sem duvida o eixo preponderante na escolha dos locais
para criação das colônias em sua gestão. 48 WACHOWICZ, Ruy C. Santa
Cândida: Pioneira da colonização Linista. Curitiba: Fundação Cultural de
Curitiba, 1975. p. 5. 49 PARANÁ. Relatório apresentado a Assembléia Legislativa
Provincial do Paraná em 15 de fevereiro de 1876 pelo presidente Adolpho Lamenha
Lins. Curityba : Typ. Da Viúva Lopes, 1876.p. 79. 50 WACHOWICZ, op. cit. p. 5.
3.2– AS COLÔNIAS FUNDADAS NO DECORRER DA GESTÃO LINISTA
Quando Lamenha Lins assume a gestão da Província do Paraná, a mesma já
dispunha de alguns empreendimentos coloniais. Algumas colônias localizadas no
interior da província, outras na região litorânea, assim como os núcleos que
serviram de exemplo para sua gestão, nos arredores do rocio curitibano que já
forneciam subsídios agrícolas para a capital, embora a produção fosse pouco
significativa.
Sendo assim, é importante ressaltar que além de Lamenha Lins outros presidentes
também focaram a criação de um sistema agrícola eficiente que colaborasse com
o suprimento da carente demanda de produtos de subsistência. Entre eles
destacam-se Zacarias de Góes e Vasconcelos, Venâncio José de Oliveira Lisboa,
Frederico José Cardoso de Araujo Abranches e Taunay, políticos que estiveram
à frente da província no período anterior e posterior a gestão Linista.
Ao fazer um balanço sobre as condições apresentadas pelas colônias já
estabelecidas na província, a gestão Linista estabelece uma série de apontamentos
para o não desenvolvimento das mesmas. Entre as principais causas da insolvência
de alguns núcleos coloniais estavam, além da distância estabelecida entre o centro
urbano e os núcleos como já foi mencionado, as precárias condições do solo,
tidos como inférteis, assim como também o terreno doado a cada família de
imigrantes, considerados relevantemente pequenos e insuficientes para o bom
cultivo das plantações.
O primeiro núcleo estabelecido após sua posse foi à colônia Santa Cândida.
Composta por colonos poloneses, vindos da Antuérpia, o núcleo abrigou
inicialmente um número aproximado a duzentos imigrantes. Localizada a oito
quilômetros da capital da província, Santa Cândida, seria apontada
posteriormente como a pioneira na inauguração da política Linista na província.
Entre as outras colônias fundadas durante sua gestão que circundavam a capital
estão Órleans, D. Pedro, D. Augusto, Tomás Coelho, Lamenha, Santo Inácio
e Riviera.
Porém, ao fazer uma análise comparativa entre a distância das colônias
estabelecidas pelo governo de Lamenha Lins e os seus antecessores, como por
exemplo o de Lisboa ou Abranches, e as colônias assentadas por seus governos
como Pilarzinho, São Venâncio e a Colônia Abranches constata-se que a maioria
delas possuíam distâncias tão próximas, ou até, seguindo o exemplo de gestões
anteriores, no decorrer do governo Linista também foi nomeada uma das
colônias em referência ao nome do presidente.
Mesmo inferiores a capital, se comparadas às colônias Santa Cândida, Orleans
ou Santo Inácio, criadas no decorrer da gestão Linista.
A tabela a seguir, ilustra as informações expostas acima:
TABELA - COLÔNIAS ESTABELECIDAS NO PARANÁ
SEQÜÊNCIA da tabela:
Ano - Município - Colônia - Distância da Sede Municipal -
Área em em Hectares - Nº de Lotes e Nº de Imigrantes.
1869 - Curitiba, Argelina - 3 km - 276,0 - 32 - 117
1870 - Curitiba, Pilarzinho - 3 km - 500,0 - 50 - 242
1871 - Curitiba, São Venâncio - 12 km - 300,0 - 31 - 160
1873 - Curitiba, Abranches - 6 km - 720,0 - 82 - 223
1875 - Curitiba, Santa Cândida - 8 km - 613,0 - 64 - 340
1875 - Curitiba, Órleans - 10 km - 377,0 - 65 - 290
1875 - Paranaguá, Alexandra - 14 km - 1.600,0 - 80 - 320
1875 - Paranaguá, Pereira - 20 km - 880,0 - 40 - 115
1876 - Curitiba, Santo Inácio - 3 km - 358,8 - 70 - 334
1876 - Curitiba, Lamenha - 12 km - 922,4 - 139 - 746
1876 - Curitiba, D. Augusto - 12 km - 199,8 - 35 - 281
1876 - Curitiba, D. Pedro - 15 km - 266,1 - 24 - 98
1876 - Araucária, Tomás Coelho 17 km - 1.665,4 - 270 - 1.295
1877 - Curitiba, Riviére - 16 km - 825,0 - 97 - 406
1877 - Morretes , Nova Itália - 2 km - 1.333,0 - 154 - 150
FONTE: BALHANA, Altiva Pilatti, PINHEIRO MACHADO, B., WESTPHALEN, C.
(1969).
Esse desencontro de informações no discurso de Lamenha Lins apresenta
contradições entre o que foi por ele propagado e o que efetivamente foi feito.
Em relação à distribuição dos lotes e os auxílios prestados aos imigrantes recém
chegados, o relatório informa que: Medidos e demarcados lotes de terras de
cultura nos arredores da cidade, traçadas as estradas, entregase um lote a cada
família, com uma casa provisória, regularmente construída. Ao colono maior de
dez anos dá-se como auxilio de estabelecimento 20$000 [réis]. Logo que o
colono se estabelece é empregado na construção das estradas do núcleo
recebendo a ferramenta necessária e cessa então a alimentação por conta do
governo.
Após o cessar da ajuda governamental, ficava o colono pendente a sua própria
iniciativa. E é relevante ressaltar que, por receber esse auxílio, os imigrantes
assumiam uma dívida com o governo, que deveria ser paga num prazo variável a
cinco anos. Nela estavam embutidos os gastos relacionados à chegada do colono,
ao preço das terras, casa e acessórios como machados, enxadas, sementes e
grãos, entre outros utensílios, voltados para o plantio agrícola.
A proposta da gestão Linista em trazer as colônias para as proximidades do
âmbito urbano justificava-se também como uma forma de facilitar o pagamento
da dívida adquirida pelos colonos. Pois, “achando na cidade promplo mercado
para o producto de sua lavoura e fácil consumo de lenha, hortaliças, e produtos
de pequenas industrias, o colono pode[ria] em tempo breve libertar-se dessa
divida para com o Estado e habilitar-se em desenvolver a sua lavoura.”
O estabelecimento do colono próximo ao centro comercial, segundo discorre o
relatório, facilitaria a adaptação do mesmo, promovendo uma interação com os
já habitantes da província e também poupando-os do isolamento nas matas
interioranas, que figuravam um cenário desconhecido por muito deles.
O desmatamento das extensas matas virgens, a queima do solo com a finalidade
de prepará-lo para o recebimento das sementes, não eram habilidades
dominadas por eles, o que ocasionava freqüentes acidentes. Lamenha Lins
conclui que era “preciso, pois, preparar o colono, para penetrar nas regiões das
matas virgens, riquíssimas de uberdade, e de seiva, porém, cuja rude majestade
os assombra e intimida.”
Originou-se dessa necessidade, entre as outras já exemplificadas, estabelecer o
colono primeiramente nos arredores de Curitiba, para que o mesmo se
familiarizasse com os costumes da província e posteriormente ganhasse
habilidades em lidar com o cultivo de produtos nacionais, ao mesmo tempo que
os brasileiros aprenderiam com os laboriosos colonos, detalhes da cultura
européia, promovendo assim uma inovação no modo de cultivar as suas lavouras.
Embora Lamenha Lins tenha proposto melhorias e um novo viés para a política
imigracionista, promovendo mudanças estratégicas quanto aos meios de atração
desses imigrantes, em seu último relatório ele demonstra que suas sugestões não
foram acatadas por todos os responsáveis pela vinda desses colonos. Ao
mencionar a chegada de centenas de italianos na província, destinados à colônia
Alexandra, afirma que Savino Tripoti, responsável pela arregimentação dos
mesmos, não dispunha de recurso para custear os recém chegados,
nem mesmo com suprimentos tidos como de primeira necessidade.
No relatório ainda relata que os imigrados “declaravam que tinhão vindo iludidos
e que não queriam absolutamente pertencer á colônia Alexandra.”
Sendo assim, foram encaminhados para Morretes. Onde se estabilizaram através
do cultivo agrícola empregando-se em construções públicas. Lamenha Lins ainda
informa que, pelo descumprimento cometido, o governo imperial decidiu
“rescindir os contratos feitos para a introducção de immigrantes, por
Pereira Alves, Bendaseski & Companhia e Savino Tripoti.” Ou seja, essas
empresas particulares, que auxiliavam na vinda de imigrantes da província
paranaense, ao demonstrarem seu descomprometimento com as causas defendidas
pelo governo, foram punidas.
Além disso, “pelo juízo dos feitos procedeu-se ao seqüestro dos bens de Tripoti
para garantir a divida pela qual era elle responsável a fazenda nacional.”
Evidencia-se assim, a importância dada as políticas em torno da imigração, pelo
governo Linista. A punição aos infringentes não é a maior evidência em demonstrar
esse suposto comprometimento, mas sim a ênfase dada a esse acontecimento nos
relatos prestados á Assembléia Legislativa. Neles estão presentes o desejo da
administração em evidenciar o comprometimento com a política imigratória.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inquestionável que a gestão de Adolpho Lamenha Lins tenha ganho caráter
diferenciado das suas antecessoras, pois, foi no decorrer da mesma que um
número nunca antes recebido de imigrados foram alojados na província paranaense.
Porém, fatores externos tiveram uma preponderante colaboração para esse
resultado. A difícil situação vivenciada por esses colonos nos seus países de origem,
nesse período, configuram como uma delas.
Lamenha Lins, assim como tantos outros políticos desse contexto, via nos
imigrados, tidos como laboriosos e morigerados, a possibilidade de renovação,
principalmente no que se diz respeito às técnicas agrícolas trazidas por eles, tidas
como modernas e eficientes. Ao alojar esses imigrantes em torno da capital, sua
gestão pretendeu muito mais do que facilitar o eixo comercial de excedentes do
cultivo dessas colônias. Lamenha Lins propunha causar à aproximação desses
novos moradores com os já estabelecidos nas localidades, no intuito de que eles
pudessem repassar seus conhecimentos e também familiarizarem-se com a cultura
local.
As colônias estabelecidas nos arredores da cidade, no decorrer de sua gestão,
foram realmente numerosas. Porém, esse sistema de organização das mesmas não
foi inaugurada por ele, como defende a historiografia. Quando Lamenha Lins
assumiu a administração da Província do Paraná já existiam colônias próximas a
capital, mesmo porque muito antes da sua posse, outros administradores já se
propunham a solucionar a carência presente no cultivo de produtos agrícolas,
tidos como alimentos de primeira necessidade. E as atividades estimuladas nas
colônias, voltavam-se para este fim.
Embora a administração em questão tenha destacado a importância da vinda
desses imigrantes, outros assuntos ganharam destaque nos discursos Linistas.
A educação pública, assim como a saúde e o bem estar da população, nos
relatórios são apresentados como benefícios obrigatórios para o bom
desenvolvimento não somente da Província do Paraná como também do Império.
As análises empenhadas nos relatórios apresentados por Adolpho Lamenha Lins,
demonstram que seu discurso em prol da imigração corresponde aos atributos
feitos a sua gestão na historiografia dedicada ao assunto. Considera-se então que,
a ausência de uma problematização em torno desses discursos contribuiu para
que a historiografia reforçasse repetições e apropriações em torno da política
implantada por Lamenha Lins. Porém, algumas atribuições feitas a ele não
correspondem a seus feitos e sim ao discurso por ele produzido, que, por sinal,
apresenta-se em seus relatórios de forma bem sedutora. A problematização
dessas falas é importante para que não transformemos em heróis pessoas que
apenas se utilizaram de um discurso para justificar suas ações.
FONTES PARANÁ. Relatório de Presidente de Província do Paraná Dr.
Adolpho Lamenha Lins apresentado a Assembléia Legislativa do Paraná em
15 de fevereiro de 1876. Curityba: Typ. Da Viúva Lopes, 1877.
PARANÁ. Relatório de Presidente de Província do Paraná Dr. Adolpho
Lamenha Lins apresentado a Assembléia Legislativa do Paraná em 15 de
fevereiro de 1877. Curityba: Typ. Da Viúva Lopes, 1877.
PARANÁ. Relatório de Presidente de Província do Paraná Dr. Adolpho
Lamenha Lins apresentado a Assembléia Legislativa do Paraná em 16 de
julho de 1877. Curityba: Typ. Da Viúva Lopes, 1877.
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Disponível em:http://www.direitonet.com.br/artigos/x/29/67/2967/#perfil_autor
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Fonte> Universidade Federal do Paraná.
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